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O que realmente pode acontecer no Recife por causa das mudanças climáticas

Maria Carolina Santos / 26/10/2023
Foto colorida do rio Capibaribe, tirada do meio do rio, onde se vê suas águas no centro da imagem, o manguezal nas duas margens e prédios altos por trás das copas das árvores de mangue.

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

O seminário Recife Cidade Parque, que teve sua primeira etapa na quarta-feira (25), apresentou um cenário climático bastante preocupante para a capital pernambucana. No rápido panorama feito por especialistas com o tema “O drama das mudanças climáticas e a urgência da reinvenção do Recife”, o que se percebeu é que há um longo caminho de mudanças necessárias pela frente. E um tempo muito, muito exíguo.

O evento foi organizado pelo Recife Cidade Parque – Plano de Qualidade da Paisagem, projeto de pesquisa, fruto de convênio entre a Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e a Prefeitura do Recife. O seminário também faz parte do RXN 2023 – Sociedade (Fórum Internacional Recife Exchange Netherlands) e do Circuito Urbano 2023, iniciativa da ONU-Habitat.

O seminário começou com uma palestra do vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Moacyr Araújo, coordenador da Rede Clima, trazendo informações do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) adaptadas ao Recife. E ele apresentou um cenário perigoso: com apenas 0,5 grau na elevação média da temperatura, o mar pode subir um metro. Com 1 grau mais quente, sobre 2,10. “Se o oceano subir três metros, o Bairro do Recife todo é inundado”, afirmou.

Geograficamente, o Recife é um grande delta e a posição da cidade no globo terrestre facilita as inundações: pelo girar da Terra, os ventos e as águas se acumulam mais para o lado de cá do que para a África. Há ainda a elevação média de apenas quatro metros, o que significa que há vários locais da cidade que se encontram abaixo do nível do mar.

O mais recente relatório do IPCC, não traz novos estudos, mas fez uma síntese do que já foi publicado, aumentando a segurança das informações. Informa, por exemplo, que aproximadamente metade da população mundial está altamente vulnerável às mudanças climáticas. E que entre 2010 e 2020, a mortalidade de pessoas por conta de eventos climáticos foi 15 vezes maior em áreas altamente vulneráveis do que nas regiões de baixa vulnerabilidade.

“As tendências atuais mostradas pela síntese são incompatíveis com um planeta minimamente sustentável. Com mais de um século de queima de combustível fóssil, temos hoje um aumento do aquecimento médio de 1,1ºC, e o objetivo do Acordo de Paris é que a Terra não ultrapasse 1,5ºC (em relação à temperatura média do século 19), meta que não vamos conseguir alcançar. A temperatura dos oceanos aumentou quase 0,9m, o que é muito, já que todo clima do planeta é pilotado pelos oceanos”, disse o vice-reitor.

O Brasil é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas, em particular o Recife. “Tudo que havia sido previsto para os anos 2080, já estamos vendo agora, como os ciclones se formando no Atlântico Sul, algo antes inédito. Temos problemas de inundações e incêndios espalhados. Na Europa, 60 mil pessoas morreram de calor no verão passado. As perdas de espécies e a saúde humana estão comprometidas com essas mudanças do clima”, explicou.

Cada 0,01ºC que a temperatura global aumenta fica mais difícil a reversão dessa temperatura e a adaptação. “As emissões de CO2 precisam ser reduzidas à metade até 2030, o que é muito difícil, quase impossível”, afirmou. Moacyr também falou de uma pesquisa recém-lançada que indica que o derretimento das calotas da Antártida está ocorrendo de baixo para cima – o que pode aumentar ainda mais a previsão de elevação do oceano Atlântico.

E esses, claro, são apenas alguns dos fatores climáticos que deixam o Recife, uma cidade-estuário, ainda mais vulnerável às mudanças climáticas. A aguda desigualdade social, a grande população morando em condições precárias, empurra muita gente para áreas de risco. “As estratégias propostas são três: evacuar, adaptar e proteger. Nos próximos anos, o Recife provavelmente vai precisar usar as três”, afirmou.

Eventos extremos vão causar prejuízos

Dos Países Baixos, a pesquisadora Mila Avellar Montezuma, representando o Instituto para Educação das Águas (Unesco/Governo Holandês), mostrou os casos das chamadas “cidades esponjas”, da China. São soluções urbanísticas tanto para aproveitar e armazenar as águas das chuvas quanto para escoá-las no momento certo.

Um exemplo apresentado foi a cidade de Zhengzhou, que implantou o conceito de “cidade esponja” a partir de 2016, com a criação de bairros onde há lagos para armazenamento da água, asfalto permeável, construção de canais de forma mais natural, sem concreto, entre outras ações, o que consumiu mais de US$ 8 bilhões. Ainda assim, ficou inundada com as tempestades de 2021, que ultrapassaram os 200mm por dia, em julho de 2021. “Mas os bairros mais preparados, os com mais espaços para armazenar a água, tiveram uma resposta melhor”, afirmou a pesquisadora.

O chileno Alfredo Pena-Veja, professor pesquisador em Socioecologia do IAP (Instituto de Antropologia Política – Centro Edgar Morin) falou sobre o papel da educação no enfrentamento da luta climática. Ele denunciou a hipocrisia dos políticos, que afirmam combater as mudanças climáticas ao mesmo tempo em que abrem novos poços de petróleo.

Ele também criticou a comunicação de projeções que apontam mudanças daqui a 50 ou 100 anos. “Elas não dizem nada. Vemos que as mudanças climáticas já estão impactando a vida das pessoas. Há hoje 800 milhões de crianças vulneráveis às mudanças do clima”, afirmou, acrescentando que é preciso incorporar a condição humana quando se fala no assunto. “É importante educar para as incertezas e complexidades. O modelo industrial não é mais viável. Temos que ter a coragem para mudar esse modelo”, disse.

No parte para falar das estratégias para adaptação da capital pernambucana às mudanças climáticas, Roberto Montezuma e Luiz Vieira, ambos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, apresentaram a palestra “Recife Cidade Parque: um projeto de redenção urbana”. Apesar do projeto mostrar ações efetivas – como os parques das Graças e do Baobá – e conceituais – como o entendimento do Recife como uma cidade movida pelas águas – pareceu ainda muito pouco diante do enorme desafio que o Recife já enfrenta e que deve se intensificar nos próximos anos.

No próximo dia 9 de novembro, das 9h às 12h, no Compaz Escritor Ariano Suassuna, haverá um segundo encontro com o tema “O Recife e as mudanças climáticas”. Desta vez, o evento terá como público estudantes da rede municipal da capital pernambucana.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com