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Sandro Silva prtotesta no Ibura. Crédito: Cris Martins
Eram 6h20 da manhã desta segunda-feira, 10 de abril, quando, terminando de vestir o uniforme escolar e consultando o celular pela primeira vez no dia, o adolescente de 16 anos avisou aos pais: “Tem uma boato de que vão atacar as escolas no dia 20, por causa dos 24 anos do ataque em Columbine”. O pai e a mãe não deram muita atenção e o menino desceu para entrar na van de transporte escolar em direção à escola particular, na zona oeste do Recife.
A cena descrita no parágrafo acima se desenrolou na sala do meu apartamento, no primeiro dia letivo após o feriado da Semana Santa. O adolescente, meu filho caçula. Não imaginei que estaria acontecendo ao mesmo tempo, em milhares – talvez milhões – de lares pelo país inteiro. Ao longo do dia, o “boato” se tornou o único assunto no whatsapp e nas conversas presenciais de pais e mães Brasil afora.
Em poucas horas, o medo – ou, no mínimo, a sensação de insegurança – se espalhou.
Gestores de escolas foram pressionados pelos pais a tomar providência e reforçar a segurança. A escola do meu filho, por exemplo, informou que tomou oito medidas preventivas, incluindo presença de um segurança à paisana, fechamento de um portão lateral e controle da movimentação nos corredores.
De pesquisadores e especialistas que monitoram grupos de ódio e da extrema-direita na internet, veio a confirmação: não se tratava exatamente de simples boatos. Letícia Oliveira, editora da revista online El Coyote, que há mais de uma década realiza esse tipo de monitoramento, avisou em seu perfil nas redes sociais: “O número de ameaças a escolas explodiu de ontem pra hoje, no que parece ser um esforço coordenado pra deixar todo mundo em pânico. Essas ameaças também estão funcionando como uma ‘chamada à ação’ para adolescentes”.
A intensidade das ameaças reforçou em Letícia a hipótese de que se trata de uma ação organizada. “As ameaças são coordenadas e isso também foge totalmente do padrão da comunidade que monitoramos. O volume de ameaças recebidas por escolas, alunos, familiares e trabalhadores da educação é muito grande. A comunidade que a gente monitora é pequena e são adolescentes, eles não tem capacidade organizacional nesse nível. Essas mensagens servem de incentivo a adolescentes que já estavam planejando alguma coisa”, relata.
Segundo ela, a linguagem utilizada, parecida com a de facções criminosas, é escolhida exatamente para provocar medo.
Também no Twitter, o advogado Rodrigo Mondego, mestre em Políticas Públicas e procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, advertiu que o a tentativa de provocar pânico na população não é casual nem gratuita: “já tem prefeituras pretendendo contratar segurança privada e comprar detectores de metal, sem licitação. E não tem nem zeladores e inspetores escolares na maioria de seus colégios. Tem escola q não tem nem papel higiênico. Os corruptos e milicianos querem lucrar com o pânico.”
Com esse tipo de esclarecimento circulando, o assunto transbordou para além da comunidade escolar. O Governo de Pernambuco informou, ainda na noite de segunda-feira, que “o Sistema Estadual de Inteligência e Segurança Pública da SDS está em contato direto com o Ministério da Justiça e empresas que operam redes sociais no Brasil a fim de obter dados que auxiliam neste trabalho. Além disso, está reforçando as rondas escolares”. Na tarde desta terça-feira, foi convocada uma entrevista coletiva para detalhar outras medidas.
As universidades públicas e as faculdades privadas também entraram em estado de alerta. Na tarde de terça-feira, até a Fundação Oswaldo Cruz se posicionou por meio de uma nota oficial.
O medo não ficou restrito às famílias endinheiradas ou de classe média. No Ibura, um grupo de pais e mães entendeu que não dava para esperar o poder público e fizeram um protesto exigindo mais segurança na frente de uma escola.
“A gente decidiu se organizar porque não dá para esperar o estado decidir o que vai fazer com a vida dos nossos filhos, porque, a cada dia que passa, é uma notícia a mais de tentativa de ataque [se referindo a um adolescente detido em Brasília Teimosa e ao ataque que deixou três feridos em Goiás]”, explicou Cris Martins, mãe, ativista e criadora de conteúdo na comunidade de UR-5.
Segundo ela, o grupo ficou concentrado apenas diante de uma escola para facilitar a mobilização. “A princípio a ideia era as mães irem para a porta da escola aonde seu filho estuda, mas como a maioria das mães era daquela escola ou de escolas mais próximas, ficamos por ali para chamar atenção para todas as escolas”, relatou.
Durante o protesto, uma guarnição do Grupo de Apoio Tático Itinerante (Gati), da Polícia Militar, manteve uma viatura estacionada a poucos metros da escola. Inicialmente, as mães e pais acharam que já se tratava de uma ação de proteção aos seus filhos, mas assim que a manifestação acabou, os policiais foram embora.
Na terça-feira, o assunto permaneceu monopolizando as redes sociais, impulsionada pela notícia de que, durante a reunião das plataformas com o Ministério da Justiça e a Polícia Federal, a advogada do Twitter deixou os participantes chocados ao dizer que a rede social não iria restringir perfis que postam imagens dos massacres ou fotos dos assassinos por “não violarem as regras da plataforma”. As outras empresas, como Google e Meta/Facebook, se dispuseram a colaborar com as autoridades brasileiras.
Durante o dia, a hashtag Twitter Apoia Massacre ganhou força e se tornou um dos assuntos mais postados no mundo, até que a empresa do bilionário de extrema-direita, Elon Musk, bloqueou a expressão. Na segunda-feira, permaneciam no ar, sem serem moderadas pelo Twitter, postagens com frases como “Eu gosto de massacre sim”, “existe [sic] vários massacres para se inspirar gente”, “até dia 20 vai acontecer massacres, então vamos ver” e “se não acontecer, vamos ser feitos de trouxa [sic]”.
Após o bloqueio, dezenas de influenciadores e celebridades brasileiras puxaram a mesma hashtag, desta vez em inglês.
Clique para ler reportagem da nossa parceira Ponte Jornalismo: https://ponte.org/como-evitar-atendados-de-extrema-direita-nas-escolas-brasileiras/
A psicóloga Vanessa Alves, especializada no acompanhamento de quadros de ansiedade em crianças e adolescentes, contou que a rotina dos atendimentos no seu consultório deu uma guinada desde segunda-feira. Pais e mães de seus pacientes a acionaram várias vezes para saber se deveriam tratar do assunto das ameaças com seus filhos.
“Minha orientação é não alimentar o pânico entre as crianças, não acrescentar um fator a mais de ansiedade em meninos e meninas que estão numa faixa etária em que já há tantos medos”, explicou. Ela tem dito aos pais que há uma medida certa para o medo, “porém os pais estão chegando em pânico, de maneira que leva à paralisia”.
Para os adolescentes, a psicóloga tem abordado o assunto sob o prisma do cuidado consigo mesmo e com o outro. “Eu peço que observem aquele colega que está sofrendo bullying e que tentem agir para protegê-lo. E que fiquem atentos para aqueles que demonstrem comportamento que requeira mais atenção, que procurem um adulto capaz de intervir e ajudar”, relatou.
Vanessa Alves chama a atenção para um aspecto que precisa ler levado em conta: “estamos vivendo o período pós-pandemia, o que nos tem deixado mais susceptíveis à ansiedade e à depressão, o que modifica nossa forma de perceber e lidar com o mundo, com os problemas, nos faz enxergar as coisas de maneira mais sombria, o que impede de ver possíveis resoluções para os problemas”.
Em seu perfil no twitter, a pesquisadora Luka Franca, do Núcleo de Pesquisa Direito, Desenvolvimento e Descolonização da Universidade São Judas Tadeu, integrante da coordenação estadual do Movimento Negro Unificado (MNU-SP) e mãe de uma adolescente de 13 anos., chamou a atenção para a necessidade de separar as ameaças reais das imaginárias para “não cairmos na cantilena do pânico”.
Segundo Luka, “há ameaças que são reais, que partem dos grupos que temos denunciado e falado sobre há bastante tempo. Porém, há também uma massa de ameaças que não fazem parte dessas comunidades e servem apenas pra gerar pânico. Compreendermos essas diferenças é fundamental para que consigamos apresentar saídas que ajudem a conter o pânico que se instaurou nas comunidades escolares com as ameaças em massa e também atuar na prevenção daquelas ameaças que podem se tornar atentados reais”.
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Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.