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Onde estão as políticas públicas para a população LGBT+?

Marco Zero Conteúdo / 14/07/2022

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Por Bia Pankararu*

Quem é de cidade de interior sabe que os maiores escândalos que podem surgir quase nunca são sobre política, mas quase sempre são sobre a sexualidade alheia. É se o filho de Dona Zezinha é gay, se a filha do moço do mercadinho é lésbica ou se a irmã de Fulano engravidou ainda solteira. Perceba o domínio coletivo sobre a sexualidade do outro sempre em pauta na boca do povo e como ele segue fortemente na mentalidade e comportamento da sociedade.

Como se não bastasse toda a dor que isso causa em pessoas LGBT+, assim como eu passei em minha adolescência pela violência das fofocas e julgamentos na minha cidade, Tacaratu, esse movimento preconceituoso e discriminatório reflete diretamente dentro do campo das políticas públicas locais, como se nós e nossas pautas existíssemos apenas para o falatório geral.

O Brasil segue liderando os casos de homofobia registrados mundialmente, seguido por México e Estados Unidos, e é pelo 13° ano consecutivo o país que mais mata pessoas transexuais no mundo. Segundo dados da organização TGEU (Transgender Europe), grupo que trabalha para combater a transfobia, cerca de 4.042 pessoas trans e de gêneros diversos perderam suas vidas nos últimos 13 anos e 96% dos assassinatos globalmente são de mulheres trans ou pessoas trans femininas.

Existe sim um aumento significativo de casos de homofobia, e o atual cenário político brasileiro colabora muito para que essa crescente seja normalizada. Ao mesmo tempo que cresce o número de organizações, coletivos e grupos independentes de apoio às pessoas LGBT+, parte da sociedade brasileira se sente extremamente confortável para sair de mãos dadas com sua homofobia e até se orgulha dela, pois temos sentado na cadeira presidencial um homofóbico assumido e declarado e que impõe a política da bíblia, da bala e do boi em tudo que possa tocar.

Se até o presidente da República se declara homofóbico e isso passa impune dia após dia, já sabemos que o tiozão, cidadão de bem, da moral e dos bons costumes, fala e faz coisas muito piores pois se sente autorizado a ser assim. É como se vampiros homofóbicos ganhassem um antídoto pra luz solar, saíssem de seus armários de ódio e estivessem soltos e legitimados em plena luz do dia para serem violentos e criminosos, afinal, homofobia é crime, mas não para o atual presidente e seus vampiros.

Estamos em 2022 e questões como sexualidade e gênero ainda são tabus até em grandes cidades e nas capitais, e esse tabu é ainda maior e mais violento quando trazemos o debate para cidades do interior que não entendem que essa questão vai muito além de homossexualidade e identidades de gênero. Não conseguimos falar desse assunto pois sempre tem alguém nos dizendo que existem temas mais importantes a serem trabalhados, mas até que ponto a diversidade sexual dos indivíduos não é parte importante na construção social e política que todo cidadão tem direito a viver plenamente?

Ainda é muito difícil fazer a sociedade entender que ter uma vida sexual, afetiva e amorosa saudável é sim uma questão de saúde pública e, cada vez mais, uma questão de saúde mental. Essas questões merecem ser levadas com mais respeito, seriedade e eficiência.

Dentre as vidas perdidas para a homofobia, está também a conta do suicídio, pois não é só a mão que atira, que esfaqueia, que espanca e que mata nossos corpos, também são as palavras, as ofensas, a marginalização e a desumanização que sofremos constantemente que nos mata pouco a pouco. Quanto mais falamos em orgulho LGBT+, mais precisamos lutar para termos o mínimo que é estarmos vivos e, para além de sobreviver, queremos viver com dignidade e gozando de todos os direitos que todo cidadão, independente de raça, gênero ou condição sexual, deveria ter acesso pleno e assegurado pela Constituição que rege nosso país.

É sabido que existem verbas nos municípios para desenvolver projetos e programas tendo como público alvo pessoas LGBT+, mas o que sabemos desses recursos são, de duas, uma: ou são esquecidos nos cofres públicos; ou são remanejados para outros setores de serviços.

Até mesmo funcionários LGBT+ que trabalham dentro das prefeituras não conseguem, ou não querem, usar sua presença nesses espaços para que políticas públicas para essa população sejam de fato desenvolvidas. Mas que ações poderiam ser desenvolvidas? Percebo que o simples treinamento dos funcionários das redes de educação e saúde para atender, receber e acolher de forma digna e humanizada já seria um grande passo para que essa população consiga ter acesso seguro e integral a esses serviços.

Conheço casos próximos de amigos LGBT+ que evitam procurar atendimento médico para não se sentirem constrangidos ou diminuídos diante de suas necessidades. Pessoas que procuram assistência social a fim de ter um acompanhamento psicossocial e não se sentem de fato entendidos e acolhidos, pois aqueles funcionários que deveriam ser a porta de entrada para solucionar problemas que nos são tão sensíveis, acabam sendo agentes de violência para com nossos corpos, histórias e sentimentos.

Sem falar nas escolas e seus gestores que seguem invisibilizando o debate de educação sexual, não só para a diversidade, mas o próprio entendimento da vida sexual dos alunos e alunas, sejam elas iniciadas ou não, o entendimento de seus corpos, interações sociais e limites para com o outro.

É cada vez mais noticiado como palestras sobre educação sexual nas escolas trazem à tona denúncias de abusos sexuais sofridos por alunos, principalmente em ambiente familiar. A vida sexual alheia é sempre pauta na boca do povo, mas o que deveria ser debatido com franqueza, consciência e relevância para o bem viver das pessoas é colocado no estigma da imoralidade e seguimos com essa sociedade hipócrita que sempre opina e julga tudo e a todos, menos a si mesmos.

Em resposta ao atual cenário político que é composto principalmente por homens brancos, cis e héteros, existe uma crescente em candidaturas de pessoas LGBT+ para ocupar cargos nas câmaras legislativas. Crescente que deve sim ser fortalecida e fomentada a fim de termos mais representatividade onde as leis são criadas. Mas pouco se muda na sociedade se o legislativo e o executivo caminham em direções opostas. Pouco adianta a criação de leis sem a garantia que as mesmas serão executada nas bases, em cada município do estado e do país.

Além da importância da representatividade sexual e de gênero na Câmara de Deputados e Governo, é preciso que saibamos quais projetos políticos essas candidaturas defendem, pois se uma candidatura não traz pontos para a classe trabalhadora, saúde, educação, segurança pública, meio ambiente, por exemplo, pautas que abrangem mais de uma bandeira de luta e grande parte da população, seria essa uma candidatura de uma pauta só?

Digo e reforço o quão importante é termos representantes LGBT+ ocupando espaços de poder e decisão política, pessoas que entendem como é transformador para um indivíduo se sentir representado em espaços que são historicamente negados a nós e que essa representatividade seja também para temas globais de cidadania plena, pois do lado de cá também sou mulher, indígena, bissexual, mãe e uma trabalhadora. Sou uma sertaneja do interior de Pernambuco, o estado que tem um arco-íris em nossa bandeira é também um dos estados mais violentos para quem tem o arco-íris como símbolo de luta e resistência.

Não dá mais para apenas resistir, é preciso reagir, e essa reação a gente dá em cada voto nas próximas eleições.

* Bia Pankararu tem 28 anos, é mulher indígena, sertaneja, mãe de Otto, LGBT+, técnica em enfermagem e produtora cultural e audiovisual. Ativista pelos direitos humanos e ambientais. Comunicadora da rede @povopankararu.

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