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Outdoors desafiam lei eleitoral e expõem ambição dos políticos do interior para eleitores da capital

Maria Carolina Santos / 16/02/2022

Crédito: Maria Carolina Santos/MZ Conteúdo

Desde o final do ano passado, eles estão em toda parte. Nas entradas e saídas do Recife, no caminho para o litoral norte, no caminho do litoral sul. Por boa parte da BR-232 que corta Pernambuco. Nas ruas da capital. Os outdoors com agradecimentos, elogios e parabenizações a políticos são práticas recorrentes no final e no início de cada ano. Quando tem disputa eleitoral, então, eles se multiplicam. Mas a lei permite isso?

Outdoors e eleições têm sido um território nebuloso. Desde 2006 não é permitido qualquer tipo de propaganda eleitoral em outdoors, em qualquer época. “Propaganda em outdoor é uma propaganda cara. Os partidos menores alegavam que não teriam como competir financeiramente com os maiores e, em 2006, a lei 11.300 proibiu todo tipo de propaganda eleitoral em outdoors”, conta o procurador regional eleitoral em Pernambuco, Roberto Moreira de Almeida.

A pergunta muda: o que, então, é considerado propaganda eleitoral? Lembrando que, propaganda política pode, mas eleitoral não. Continua uma área nebulosa.

Há um vai e vem de interpretações por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Até 2016, era entendimento no TSE que outdoors com congratulações e agradecimentos não eram propaganda eleitoral: não traziam projeto ou plano político, número de candidato, promessas ou pedido de votos.

A situação mudou em abril de 2019, durante um julgamento da eleição de 2018. O caso emblemático foi a denúncia de um candidato a deputado estadual em Pernambuco que espalhou 23 outdoors com os dizeres “Manoel Jerônimo: o defensor do povo! Seus amigos se orgulham por sua luta pelos invisíveis”. Ele recebeu uma multa de R$ 5 mil.

No mesmo dia, o Ministério Público Eleitoral levou ao TSE o caso da prefeita de Brejão, Beta Cadengue (PSB), que instalou um outdoor em uma festa com o nome de João Campos (PSB), que seria o candidato a prefeito do Recife pelo seu partido no ano seguinte. O TSE também condenou a prefeita a multa de R$ 5 mil, o mínimo previsto em lei.

No entanto, pouco antes, em 2018, o presidente do TSE, o ministro Luiz Fux, havia rejeitado um pedido de liminar do Ministério Público que solicitou a retirada de outdoors que diziam: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. Bolsonaro. Pela honra, moral e ética. Paulo Afonso – BA”. Fux baseou sua decisão afirmando que não estavam “presentes os elementos caracterizadores da propaganda eleitoral extemporânea”.

O que tem acontecido desde as eleições de 2018 é uma análise de caso a caso, com votações apertadas no TSE. Esta semana, por exemplo, o Partido Novo foi absolvido da denúncia propaganda eleitoral irregular durante a campanha eleitoral das Eleições Municipais de 2020. Foi uma votação de 4 x 3.

“É uma grande discussão, que tem ensejado várias decisões das cortes eleitorais de Pernambuco e do TSE. Em tese, o TSE entende que propaganda eleitoral é diferente de uma mera mensagem de felicitação. É necessário analisar caso a caso, ver se há referências, ainda que subliminares, há eleição e planos de governo”, comenta o procurador Roberto Moreira de Almeida.

Para a advogada eleitoralista Yanne Teles a propaganda em outdoors é um risco. “Eu, como advogada, digo para clientes que não façam esse tipo de propaganda. Geralmente não tem problema com elegibilidade, mas tem multa”, diz, acrescentando que, por ser uma penalidade branda, há quem arrisque. “Teve o deputado Romero Albuquerque que colocou vários outdoors no Recife na campanha da esposa. Pagou multa, mas conseguiu elegê-la vereadora”, diz.

O Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) condenou em agosto de 2020 o deputado e a esposa, Andreza Romero, ambos do PP, a pagar uma multa de R$ 15 mil.

Essa foi a única penalidade para o casal nesse caso, mas o procurador Roberto Moreira lembra que a justiça pode ir além. “Pode ser aberta uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral. E, caso seja constatado que houve abuso de poder econômico ou político, por exemplo, a candidatura pode ser cassada e o pré-candidato ficar inelegível por até 8 anos”, cita.

Para o cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), esses outdoors não passam de uma forma de burlar a lei. “Ninguém está aparecendo nesses outdoors por vaidade. Estão com um objetivo claro, que é o de se manter ou se colocar em evidência. Estão lá para serem lembrados pelo eleitorado”, comenta.

O que diz a lei

É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIRs.

As denúncias podem ser feitas pelo site do TRE-PE

O interior tem chances para o governo?

Raquel Lyra, Miguel Coelho, Anderson Ferreira, Luciano Bivar, Waldemar Borges, Romero Albuquerque, José e Wolney Queiroz, Túlio Gadelha e André de Paula foram alguns dos políticos estampados em outdoors que a reportagem da Marco Zero encontrou, além de Heleno Araújo, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Na BR-232, no sentido para o interior, a profusão de outdoors era tamanha que dá para fazer ponderações sobre as próximas eleições. Será que há uma chance para um candidato do interior?

Túlio Velho Barreto considera que essa próxima disputa ao governo será aberta como há tempos não se via, sem favoritismos tão evidentes. Apontado como candidato do governo, Danilo Cabral (PSB) ainda não disputou majoritárias, nem ocupou cargos executivos.

“Hoje já há um distanciamento de Eduardo Campos do momento político que vivemos, já não existe uma escolha direta dele. Se o candidato fosse Geraldo Júlio, seria mais próximo, mas tudo leva a crer que será mesmo Danilo Cabral. Depois de um período longevo na prefeitura do Recife e no Governo do Estado, essa eleição tem um prognóstico menos evidente para que o PSB possa se impor a partir das heranças de Eduardo Campos e Miguel Arraes”, diz o cientista político.

Outdoors na BR-232 divulgam políticos do interior e da capital para eleitorado do estado. Crédito: Maria Carolina Santos/MZ Conteúdo

E é provável que duas forças do interior, com rostos estampados em outdoors na BR 232, sejam oposição ao PSB na disputa do governo. Raquel Lyra (PSDB), prefeita de Caruaru, e Miguel Coelho (do recém-formado União Brasil, fusão do PSL com o DEM), prefeito de Petrolina, se saírem candidatos, terão que quebrar uma hegemonia de décadas para ter sucesso.

Desde a redemocratização do Brasil não houve um governador que tivesse alcançado o Palácio do Campo das Princesas a partir do interior do estado. O último foi Nilo Coelho — da família oligárquica de Petrolina da qual Miguel é herdeiro –, que foi governador biônico entre 1967 e 1971, na ditadura militar. “Houve uma época em que para ser governador era um quase pré-requisito ter sido prefeito do Recife”, lembra Túlio, citando Miguel Arraes, Joaquim Francisco e Jarbas Vasconcelos. “Eduardo Campos quebrou essa lógica”, diz.

O cientista político Rodolfo Costa Pinto, do PoderData, também cita a dificuldade territorial de uma candidato do interior. “Nunca é fácil para um candidato se inserir sem que já tenha tido uma vida política no Recife. Você transformar uma gestão municipal no interior, mesmo que em cidades importantes como Caruaru e Petrolina, como algo que mostre cacife para ser gestor estadual é algo difícil”, pondera Rodolfo. “Algumas pesquisas qualitativas mostram que o eleitor da Região Metropolitana do Recife tem uma resistência aos candidatos do interior”, afirma.

Mas, para Rodolfo, tudo vai depender das alianças políticas que poderão ser construídas por Raquel e Miguel nos próximos meses. Sobre Danilo Cabral, ele acha prudente esperar mais. “Prefiro aguardar as pesquisas para ver o real tamanho. É um candidato competitivo, e independentemente do nome, o PSB tem o grande trunfo de contar com o apoio de Lula”, diz.

Distância de Bolsonaro no cenário local

Se o candidato do PSB pode sair já com o apoio de Lula, os demais devem manter distância do presidente Bolsonaro, se quiserem ter mais chances. “As eleições municipais já mostraram que não é uma boa ideia ter associação com Bolsonaro em Pernambuco”, avalia Túlio Velho Barreto.

Os dois possíveis candidatos do interior têm ligações bolsonaristas. Anderson Ferreira, prefeito de Jaboatão que também está em vários outdoors, é cotado para compor a chapa com Raquel Lyra, provavelmente para o senado. Ambos compõem o movimento de oposição Levanta Pernambuco. Recentemente, Anderson foi elogiado por Bolsonaro como “um excelente nome” para o governo de Pernambuco. É um apoiador de primeira hora do presidente e ambos estão hoje no mesmo partido, o PL.

Já Miguel Coelho – filho do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), que até dois meses atrás era líder do governo no senado – afirmou que permanece apoiando o Governo Federal. Mas também sinalizou um possível apoio a uma candidatura do ex-juiz Sérgio Moro – o Podemos, partido de Moro, é aliado de Coelho. Recentemente, o prefeito de Petrolina tem falado que não quer palanque exclusivo com nenhum candidato à presidência.

É esse discurso, de independência na eleição presidencial, que Túlio Velho Barreto aposta que será o utilizado pelos candidatos da direita em Pernambuco. “É um desgaste muito grande para esses candidatos optarem por apoiar uma reeleição que está batendo no teto de 25% de intenção de voto. É mais provável que optem por uma neutralidade na disputa nacional”, diz, lembrando que Raquel Lyra, Miguel Coelho e Anderson Ferreira estão em uma posição até confortável. “Nenhum dos três perde o cargo, já que são prefeitos. A posição de apoiar abertamente a reeleição de Bolsonaro em Pernambuco deve ficar com uma candidatura mais periférica, mais da extrema-direita”, afirma.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com