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Para garantir acordos políticos, João Campos ignora promessa de mulheres em metade das secretarias

Giovanna Carneiro / 20/11/2023
Grupo de mulheres e homens, com máscaras no rosto, posando para fotos diante de painel da marca da prefeitura

Crédito: Rodolfo Loepert/PCR

Em janeiro de 2021, quando tomou posse como prefeito do Recife após derrotar a então petista Marília Arraes, João Campos cumpriu uma de suas promessas de campanha e garantiu a formação de um secretariado com paridade de gênero. Na ocasião, a capital pernambucana era a única do Brasil a garantir que metade das secretarias seria chefiada por mulheres.

No discurso de posse, Campos fez questão de registrar o fato: “a gente chega hoje para um dia histórico. Um dia histórico para a nossa cidade, de poder ser a primeira capital do Brasil a ter igualdade de gênero no seu secretariado. E aqui eu queria ir além, destacar que isso não é apenas um número e é muito mais do que um símbolo porque cada um e cada uma que está aqui hoje chega com extrema competência, com dedicação e altamente capacitado para ocupar as funções que estão, a partir de agora, assumindo”.

O tempo passou e, agora, quase três anos após o início do seu mandato, o prefeito parece não dar a mesma importância à promessa. Metade do seu secretariado já não é composto por mulheres. Se antes, das 20 secretarias – incluindo a Procuradoria e a Controladoria Geral do Município -, dez eram ocupadas por mulheres, agora, 13 secretarias são chefiadas por homens e 7 permanecem com mulheres nos cargos. A mudança mais recente ocorreu em setembro de 2023, quando o deputado estadual pelo União Brasil, Antonio Coelho, foi empossado secretário de Turismo e Lazer, ocupando o cargo que antes era de Cacau de Paula. 

Filha do ministro da Pesca, André de Paula (PSD), Cacau deixou o governo municipal para ocupar o espaço aberto na máquina do estado pela aliança entre o PSD e a governadora Raquel Lyra (PSDB). Ela assumiu a Secretaria de Cultura de Pernambuco em agosto. Na prefeitura, o vazio deixado pelo grupo de André de Paula foi preenchido pela família Bezerra Coelho, já que o atual secretario de Turismo é filho de Fernando Bezerra Coelho, ex-líder do governo Bolsonaro no Senado.

Os demais cargos que antes eram ocupados por mulheres e que agora passaram a ser chefiados por homens foram os da Secretaria de Habitação, antes ocupado por Maria Eduarda Médicis e agora a cargo do petista Ermes Costa, e da Secretaria de Saneamento, antes ocupado por Erika Moura e agora está sob a responsabilidade de Tomé Franca.

Ermes Costa fez parte do grupo Cidades da equipe de transição do Governo Federal e assumiu a secretaria em março de 2023. Na ocasião, também houve uma mudança na Secretaria de Meio Ambiente, com a troca de Carlos Ribeiro por Oscar Barreto, que já havia ocupado o cargo de Secretário de Cultura de Pernambuco. As duas trocas contemplaram o PT, que preferiu indicar Ermes para substituir Maria Eduarda Médicis. A cerimônia de posse dos secretários petistas contou com a participação dos senadores do PT, Humberto Costa e Teresa Leitão. 

Já Tomé Franca tomou posse em janeiro de 2023. Antes, Franca foi secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Pernambuco do governo Paulo Câmara (PSB). Houve também uma troca de homem para mulher na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, antes sob responsabilidade de Rafael Dubeux, convidado para uma assessoria especial do Ministério da Fazenda. Em seu lugar, o prefeito nomeou Joana Florêncio

A primeira mulher a perder o cargo no primeiro escalão da prefeitura foi Giovanna Andréa Ferreira, que deixou a Procuradoria Geral do Município quatro meses após a posse do prefeito. Oficialmente, ela saiu por questões de saúde, sendo substituída por Carlos Alberto Vieira de Carvalho Júnior. Atualmente, o procurador geral é Pedro de Albuquerque Pontes. A escolha para esse cargo costuma ser exclusiva do prefeito, sem passar por indicação de partidos.

Grupo de oito homens, entre eles o prefeito João Campos, e uma mulher, a senadora Teresa Leitão, posando para foto em uma sala com estofados brancos e uma mesa de centro de madeira.

A senadora Teresa Leitão era a única mulher na posse dos secretários petistas. Crédito: Wagner Ramos/PCR

Porque a paridade é importante?

Para a socióloga e cofundadora do Observatório Feminista do Nordeste, Marília Gomes, os acordos políticos inviabilizam o cumprimento da promessa de manter um secretariado com paridade de gênero. “É possível, sim, realizar a paridade de gênero na formação do secretariado, existem muitas pessoas competentes para isso, mas falta vontade política. Colocar mulheres no centro do debate da formulação de políticas públicas que beneficiem toda a sociedade é fundamental porque são as mulheres que compõem o grupo social mais vulnerabilizado e, por isso, elas conhecem o contexto social melhor do que qualquer outra pessoa, elas possuem sensibilidade política e isso é essencial para conseguir fazer um bom governo. Porém, os cargos políticos não são escolhidos por competência e técnica, são definidos através de acordos entre partidos e isso compromete uma formação mais diversa”, afirmou Gomes.

“Não é só o recorte de gênero, o recorte de raça também é fundamental para a formação do secretariado de uma gestão municipal. Nossa formação está transpassada pela questão racial, somos nós mulheres negras que protagonizamos os piores índices de precarização da vida, por isso, nós precisamos de paridade de gênero e também de equiparação racial. Não basta ter nove mulheres se as nove são brancas”, concluiu a socióloga.

Se a paridade de gênero já não é mais garantida pela gestão municipal, a representação e equiparação racial nunca houve. Desde o início do mandato de João Campos, dos 20 secretários e secretárias, apenas o secretário de Segurança Cidadã, Murilo Cavalcanti é identificado como pessoa negra, considerando o processo de heteroidentificação realizado pela reportagem.

O processo de heteroidentificação é um procedimento complementar à autodeclaração que consiste na percepção social de outro(a)(s), além da própria pessoa, para a identificação étnico-racial.

Procuramos a Prefeitura do Recife para questionar o que motivou a diminuição da quantidade de mulheres na ocupação do secretariado e se há intenção de retomar a paridade de gênero nos cargos além da implementação de uma política de representatividade racial, mas até o fechamento da matéria não obtivemos respostas.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.