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Parecer de Conselho do Meio Ambiente condena mudanças no Plano Diretor de Garanhuns

Maria Carolina Santos / 13/04/2022

Crédito: Wikimedia Commons

O Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Garanhuns (Codema) elaborou um parecer com 25 páginas em que disseca os problemas do projeto de lei da Prefeitura de Garanhuns que altera o Plano Diretor do município. O documento destaca que a minuta do PL que o prefeito Sivaldo Albino (PSB) quer levar para votação na Câmara de Vereadores não teve a consulta prévia a nenhum conselho municipal, incluindo o próprio Codema e o Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur).

O documento do conselho foi elaborado levando em conta uma apresentação do projeto de lei com 33 páginas, a minuta do projeto de lei original, de apenas nove páginas, e o edital de convocação para as duas audiências públicas para discutir a proposta – ambas já ocorreram.

Para o presidente do Codema, Marcos Renato Mattos, há dois pontos principais em que as mudanças sugeridas pela prefeitura ferem a legislação. A primeira é o “super poder” que dá para a Secretaria de Planejamento e Gestão comandada por Alexandre Marinho, que foi coordenador da campanha à prefeitura de Sivaldo Albino.

O artigo 22 da minuta do PL informa que casos omissos serão decididos pela análise técnica somente da secretaria. “É um PL pequeno, sem muito detalhamento. Como essa possível lei irá revogar as leis anteriores, muitos casos vão se tornar omissos, já que não estão previstos nos poucos artigos dessa possível nova lei”, afirmou o presidente do Codema em entrevista à Marco Zero.

Na prática, isso significa que muita coisa vai ser decidida pela caneta do secretário. E não foi apresentado nenhum estudo, nenhuma pesquisa para dar embasamento técnico ao projeto de lei que vira pelo avesso o Plano Diretor da cidade, que é de 2008, mas ainda permanece em vigor, já que o processo de revisão, que deveria ter sido concluído em 2018, ainda está na fase inicial.

Outro ponto de destaque negativo para o PL, de acordo com o parecer do Codema, é que o planejamento urbano está sendo deixado para os empresários do ramo da construção. Isso porque a prefeitura adota no PL uma outorga onerosa que não tem limites. “É algo que nunca vi no Brasil ou em qualquer lugar do mundo”, diz Marcos Renato.

Pela outorga onerosa, o empreendedor vai poder mudar, por exemplo, o zoneamento do terreno onde está construindo. Para quem puder pagar, a cidade toda ficará disponível, para qualquer tipo de construção. O empreendedor pode decidir que, para um determinado terreno em que tenha interesse em construir, se aplicam as regras de uma zona urbana de alta densidade, bastando apenas pagar à prefeitura o valor da outorga.

Art. 22 – Caberá, em casos excepcionais, à análise técnica da Secretaria de Planejamento e Gestão, quanto a política de desenvolvimento urbano, visando a atender à função social do solo urbano, ao crescimento ordenado e harmônico, proporcionando a utilização adequada do território e dos recursos naturais, garantindo o bem-estar e qualidade de vida para a população do Município de Garanhuns.

Parágrafo Único. Será considerado (sic) casos excepcionais, os casos não contemplados por essa Lei.

Transcrição literal da minuta do projeto de lei sugerido pela Prefeitura de Garanhuns

“Por exemplo, se há uma construção de três andares ao lado de um prédio de conservação, e o empresário quiser construir até o limite de 30 andares, é só ele pagar que poderá construir”, diz Marcos. “O empresário deve executar as obras, mas é uma obrigação do poder público fazer o planejamento urbano, não o empresário”, observa.

Marcos Renato lembra que, ao contrário de outros tipos de concessões pagas, como a outorga de radiodifusão, a outorga no urbanismo é para sempre. “Não dá para derrubar o prédio depois que pagou a outorga”, diz.

Outro ponto crítico levantado pelo parecer do Codema à redação da minuta do projeto de lei é sobre o parágrafo primeiro do artigo 7. Lá, está posto que a nova zona urbana do município será criada dentro de um raio de três quilômetros do “perímetro urbano mais próximo”. Não há, porém, um marco temporal sobre o que seria esse “perímetro urbano mais próximo”.

“Vamos supor então que alguém construa no limite desse raio de três quilômetros do zoneamento urbano. Isso já virou o perímetro mais distante, e vai se auto expandindo. Para o próximo, já vale mais três quilômetros e assim indefinidamente. Pode ser que seja um erro, mas é o que está escrito sem estar escrito no PL”, avalia o presidente do Codema.

Conselhos sem poder deliberativo desde 2019

O parecer que enumera e embasa as irregularidades das alterações que a prefeitura quer fazer em Garanhuns foi apresentado em uma reunião na quinta-feira passada, 7 de abril, e publicado no Diário Oficial na segunda-feira, dia 11. Na reunião do Codema, o secretário Alexandre Marinho afirmou que não via motivo para votar o parecer. Isso porque desde 2019 os conselhos de Garanhuns perderam o status deliberativo, sendo apenas consultivo. Na reunião, o secretário deixou claro que a prefeitura não havia solicitado nenhuma parecer ao Codema sobre o assunto.

O Codema surgiu em 2006 e ganhou força após o licenciamento ambiental municipal ser instituído em Garanhuns, em 2015. Também era o órgão que fiscalizava o uso de recursos do Fundo Municipal do Meio Ambiente (FMMA e decidia sobre os recursos de multas do Sistema Municipal do Meio Ambiente (SMMA) de Garanhuns. Mas tudo mudou em 2019.

Com as sucessivas negativas do Codema para licenças ambientais para empreendimentos irregulares, o então prefeito Isaías Régis (então no PTB, hoje no PSDB) decidiu que era melhor se livrar dos conselhos. Enviou para o legislativo municipal a lei 4.619/2019 que tirou o poder deliberativo do Codema e outros conselhos municipais, como o Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur) e o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS).

Secretário Alexandre Marinho. Crédito: Pref. de Garanhuns



Na prática, a lei transformou os conselhos em órgãos meramente opinativos. E, como o secretário de Planejamento fez questão de lembrar, apenas quando solicitado pelo poder executivo. Durante a campanha para a prefeitura, tanto o prefeito quanto o secretário Alexandre Marinho fizeram acenos de que a lei seria revogada, mas isso não aconteceu. Pelo contrário: sem consultar o Codema, propõem mudanças profundas no Plano Diretor de Garanhuns.

Hoje, o Codema tem 24 assentos, sendo 20 ativos. Metade é da sociedade civil e a outra metade de órgãos públicos. É o conselho mais independente da gestão municipal principalmente porque há diversidade na ocupação dos assentos dos órgãos públicos. Enquanto em outros conselhos, como o Compur, a parte de órgãos públicos é formada somente pela prefeitura, no Codema há representantes da Universidade de Pernambuco (UPE), do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), a Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns (Aesga) e da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (Ufape), entre outros.

Na mais recente reunião, integrantes da prefeitura questionaram a presença das universidades no conselho. Em uma nota de repúdio divulgada no dia 12 de abril, a Universidade de Pernambuco (UPE) afirma que “em argumento temerário e sem precedentes, o assento da UPE no Codema chegou a ser questionado por alguns participantes, sob o pálio argumento de ausência de sede no município, o que representa uma séria deturpação da exegese contida no art. 4º, inciso I, alínea b, da Lei Municipal nº 3.394 de 2006 e, mais do que isso, uma completa inverdade”.

A nota, assinada pela diretora da UPE Multicampi Garanhuns, Rosângela Estevão Alves Falcão, faz um “chamamento do discurso à ordem, não só para consolidar seu compromisso institucional perante o Codema e a toda sociedade garanhuense, como também para tornar público que qualquer tentativa de esvaziamento da participação da UPE no cenário democrático, ainda que meramente desenvolvido no campo das ideias, será veementemente rechaçada”.

Nesta semana, o Codema enviou para o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) um ofício em que pede para que o conselho estadual se pronuncie sobre a lei 4.619/2019, que tirou o poder deliberativo dos conselhos.

“Esse tema se tornou mais urgente no momento em que o Executivo Municipal está em processo de tramitação de Projetos de Lei que alteram significativamente o Plano Diretor Municipal, com definição de novos usos e novos parâmetros, com expansão urbana em zona rural, inclusive ao redor de Unidade de Conservação de Proteção Integral, áreas de mananciais, dentre outras alterações, ignorando os pareceres, considerações e solicitações de informações e estudos por parte dos conselhos municipais, uma vez que os mesmos agora passaram a ser apenas opinativos se o Executivo desejar que opinem”, diz trecho do ofício enviado ao Consema.

Um ofício também será enviado para o Tribunal de Contas do Estado (TCE). Desde 2019, o Ministério Público de Pernambuco foi acionado para atuar na reversão da lei que tirou o poder dos conselhos, mas a questão segue sem definição judiciária.

  • Abaixo, o parecer técnico na íntegra, seguido do ofício enviado ao Conselho Estadual do Meio Ambiente:

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org