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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
(atualizado às 15h14min de 7 de março de 2023)
Pesquisadores, técnicos ambientais e representantes da sociedade civil estão mobilizados para evitar que a instalação de mais um complexo de parques eólicos, espalhados em oito municípios do Rio Grande do Norte e da Paraíba, provoque desmatamento da caatinga, mortes de animais em risco de extinção e destruição de sítios arqueológicos. O empreendimento que pode provocar tudo isto é o Complexo Eólico Pedra Lavrada, previsto para ocupar quase 1.600 hectares com 372 aerogeradores nas regiões de serra dos municípios de Currais Novos, Acari, Carnaúba dos Dantas, Parelhas, no Rio Grande do Norte, e também em Pedra Lavrada, Nova Palmeira, Picuí e Frei Martinho, na Paraíba.
O projeto já foi apresentado pela empresa Ventos de São Cléofas Energias Renováveis, pertencente ao grupo Casa dos Ventos Energias Renováveis,em uma audiência pública no dia 18 de janeiro. De acordo com a nota enviada pelo movimento Seridó Vivo aos órgãos ambientais e fiscalizadores, o empreendimento “pretende ocupar uma vasta área natural e irá provocar o desmatamento da vegetação preservada, colocando em situação de risco animais ameaçados de extinção, afetando as nascentes de diversos rios de importância fundamental para a região, prejudicando a dinâmica local, particularmente os territórios de uso tradicional”.
A desconfiança dos pesquisadores, técnicos e ambientalistas aumentou após a audiência pública realizada na cidade de Carnaúba dos Dantas, onde representantes da empresa e do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema) apresentaram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), documentos exigidos no processo de licenciamento ambiental de qualquer empreendimento do gênero.
De acordo com dados da própria empresa, o Complexo Pedra Lavrada terá 27 parques eólicos e afetará diretamente 15 comunidades da zona rural do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Além da área total que será diretamente afetada pelo complexo eólico, que corresponde a 1.599,31 hectares, a empresa também estaria arrendando ou adquirindo uma área equivalente a34.054,94 hectares de propriedades rurais nos dois estados.
Após a análise do EIA/Rima, integrantes do Seridó Vivo apontaram falhas no levantamento sobre o impacto ambiental que o empreendimento pode causar. “Não há um zoneamento ecológico e faltam estudos técnicos para avaliar os impactos negativos dos empreendimentos sobre a biodiversidade, o patrimônio histórico-cultural e a vida humana nos entornos dos parques”, afirmou o movimento em nota.
Entre os pontos de atenção destacados pela nota técnica estão o desmatamento de uma grande área de caatinga e aumento da desertificação, degradação de sítios arqueológicos e alteração do modo de vida de comunidades e populações tradicionais.
Devido à intensidade e constância dos ventos em áreas de altitude, diversos empreendimentos de geração de energia eólica têm escolhido as áreas de serra para instalação de aerogeradores. No entanto, o que representa ganho para as empresas significa perdas e riscos para a caatinga, uma vez que, é justamente nas áreas de serra onde se encontram as vegetações mais preservadas e também as nascentes dos cursos d’água.
Um complexo eólico com uma extensão de mais de 1.500 hectares, como é o caso do Pedra Lavrada, implica em desmatamento bastante significativo do bioma e coloca em risco diversas espécies animais. Os pesquisadores chamam a atenção para uma curiosidade do EIA/Rima do complexo eólico: os autores dos documentos registraram apenas seis espécies de mamíferos terrestres na região que será afetada. “Isso está muito longe de representar a realidade de uma região tão extensa. Espécies ameaçadas de extinção e alvos de Planos da Ação Nacionais de Conservação como pequenos felinos foram citadas apenas em termos de dados secundários, não sendo detectadas pelas câmeras e nem através de vestígios”, afirmam os integrantes do Seridó Vivo na nota em que analisa os relatórios.
Além disso, os pesquisadores destacam as mudanças climáticas que podem ser causadas pelo desmatamento da Caatinga, já que a microrregião do Seridó da Paraíba e do Rio Grande do Norte é considerada de alto risco a desertificação, e explicam que “a supressão florestal em área de porte tão significativo, afetará significativamente a realização de serviços ecossistêmicos como a redução do impacto das chuvas e infiltração da água no solo, para a recarga do lençol subterrâneo, a proteção do solo contra a incidência de raios solares e a erosão eólica e hídrica”.
Maria das Neves Valentim, do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental no Rio Grande do Norte, participou da audiência pública sobre a instalação do Pedra Lavrada e reforçou a preocupação com a escassez de água.“O empreendimento está localizado em uma região bastante afetada pela desertificação e nos preocupa a questão da água. Para a construção do complexo eólico é necessário muita água, que é utilizada na criação de estradas e também na base dos aerogeradores. A região tem um volume baixo de chuvas, em Parelhas, por exemplo, os reservatórios de água estão em estado crítico e somando essa atividade a outras que já afetam o fornecimento de água, como a produção de telhas e cerâmicas, a situação deve piorar. Por isso, nós queremos saber de onde vai sair a água para a construção desse empreendimento?”, questiona.
O Seridó abriga, tanto no lado potiguar quanto no paraibano, uma grande quantidade de sítios arqueológicos que incluem grafismo rupestres, sepultamentos, antigas habitações, oficinas líticas (vestígios deixados pelos antigos indígenas que se utilizavam das rochas para polirem e afiarem seus instrumentos de pedra), por exemplo. Esses sítios começaram a ser identificados e mapeados na década de 1920 por José de Azevedo Dantas, no município de Carnaúba dos Dantas, e atualmente, só na região dos riachos do Olho d’Água e do Bojo, existem 20 sítios catalogados.
A proximidade do Complexo Eólico Pedra Lavrada com diversos sítios arqueológicos da região do Seridó, sobretudo no município potiguar de Carnaúba dos Dantas, preocupa pesquisadores. O projeto prevê a instalação de aerogeradores a menos de 100 metros de distância do Sítio Casa de Pedra, Sítio Pote e do conjunto de sítios dos riachos do Bojo e do Olho d’Água.
“Os danos para o patrimônio arqueológico foram pouco explorados pelo estudo realizado pela empresa. No documento eles não consideram o desmonte das rochas por dinamitação, que é uma prática muito danosa para as áreas de serra”, destacou o arqueólogo e membro do Seridó Vivo, Joadson Silva.
“Dinamitar rochas próximo aos sítios arqueológicos pode danificar para sempre esse patrimônio histórico, fora o processo de sedimentação, que é causado pelas obras de instalação dos aerogeradores e pela abertura de estradas, e que pode resultar no soterramento de sítios que ficam em áreas subterrâneas”, reforçou Silva.
Devido aos danos que podem ser causados pela instalação do empreendimento, o documento apresentado pelo Seridó Vivo afirma que o Complexo Eólico Pedra Lavrada é uma ameaça ao patrimônio arqueológico e imaterial pois, apesar de ser uma obra que requer um licenciamento ambiental, faz parte do que se entende por Arqueologia Preventiva, de acordo com o que está disposto na Constituição Federal de 1988, no Decreto-Lei nº 25/1937, Lei nº 3.924/1961, Instrução Normativa nº 001/2015, do IPHAN.
O alerta para as falhas do EIA/Rima apresentado pela empresa responsável pelo Complexo Eólico Pedra Lavrada, no dia 22 de fevereiro, levou o setor de patrimônio imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a solicitar um relatório do patrimônio imaterial que poderá ser afetado pela instalação do empreendimento.
A Marco Zero Conteúdo procurou a Ventos de São Cléofas Energias Renováveis S.A. e solicitou um posicionamento da empresa diante das queixas apresentadas pelo movimento Seridó Vivo. Após a publicação, recebemos resposta para nossos questionamentos.
A empresa assegurou que o projeto “foi objeto de um profundo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que se estendeu por três anos e contou com avaliação da geodiversidade, mapeamento, inventário e caracterização do patrimônio turístico, patrimônio histórico e cultural”. Por isso, sempre segundo a nota enviada pela assessoria de comunicação da Casa dos Ventos, não haverá “danos ao patrimônio geológico – pelo contrário, as ações previstas envolvem a corresponsabilidade da empresa, junto aos órgãos públicos, na identificação, proteção e o monitoramento desse patrimônio na área dos parques”
De acordo com a informação oficial da empresa, serão realizados 31 programas ambientais sugeridos pelos autores do EIA “para garantir a viabilidade ambiental do projeto, somando-se aqueles apresentados para a mitigação e compensação de impactos negativos”. Os representantes da Casa dos Ventos afirmam que o grupo empresarial, cujos sócios são o brasileiro Mário Araripe – ex-proprietário da fábrica de jipes Troller – e a petrolífera francesa Total, é signatária do Pacto Global da ONU e trabalha de forma alinhada aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as melhores práticas de ESG, conservando os biomas locais, desenvolvendo projetos sociais nas comunidades em que está presente e contribuindo para uma economia de baixo carbono”.
Abaixo segue a íntegra da resposta enviada pela empresa:
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.