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PMs torturaram inocentes antes das execuções em Camaragibe, aponta Ministério Público

Sob ordens dos oficiais, mulher foi torturada na frente de duas filhas na Chacina de Camaragibe

Marco Zero Conteúdo / 11/03/2024
Nesta foto, vemos um oficial da Polícia Militar de Pernambuco com as mãos cruzadas à frente de um chapéu de polícia e um smartphone sobre uma mesa. O oficial está usando um uniforme marrom com insígnias e emblemas. O chapéu de polícia, com detalhes dourados e um emblema central, está posicionado na frente do oficial, sobre uma superfície reflexiva escura. Ao lado do chapéu, há um smartphone preto. O fundo é escuro, com partes visíveis de palavras e emblemas que não são claramente legíveis.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

por Jorge Cavalcanti*

A denúncia do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) aceita pela Justiça estadual, transformando em réus 12 policiais militares por suspeita de participação na Chacina de Camaragibe, sustenta que a atuação do grupo teria envolvido também o cometimento de outros crimes. Tortura psicológica e física de uma mulher e de um motorista de aplicativo, abandono de incapazes e uso de veículo sem placa e de armas sem registro são fatos citados por promotores.

A investigação traçou a linha do tempo da noite de 14 de setembro de 2023, quando o soldado Eduardo Roque e o cabo Rodolfo José da Silva foram baleados e mortos num tiroteio em Tabatinga, até a madrugada do dia seguinte, quando foram executados a tiros dois irmãos e uma irmã de Alex da Silva Barbosa, 33, o homem suspeito de ter matado os dois PMs horas antes.

Após o tiroteio, na presença e sob o comando de dois tenentes-coronéis, policiais se reuniram para acertar o planejamento das buscas a Alex e seus familiares, de acordo com o MPPE. O encontro teria ocorrido nas imediações do antigo prédio da Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP), na avenida General Newton Cavalcanti, perto do 20º Batalhão.

“Os denunciados tenentes-coronéis Marco Túlio e Fábio Rufino convocaram os denunciados e diversos outros policiais, de serviço e de folga, tendo estes sido propositalmente orientados e autorizados a comparecerem ao local em veículos sem placas, viaturas descaracterizadas, com vestimentas à paisana, utilizando balaclavas, com armas ‘cabrito’ (não oficiais)” narra trecho da denúncia do MPPE aceita pela Justiça. “Os que ali se encontravam sabiam que não se tratava de uma missão oficial.” Os tenentes-coronéis mencionados são Fábio Roberto Rufino da Silva e Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco.

Começa a caçada

Já nas buscas, policiais alcançaram uma cunhada de Alex, esposa de Amerson Juliano da Silva, um dos irmãos que foram assassinados. Ela estava como passageira em um veículo de aplicativo, acompanhada de duas filhas, de 10 e 11 anos. Os policiais denunciados, segundo o MPPE, acreditavam que seria ela que daria fuga a Alex.

“Rendida, a mulher foi levada até o interior da sua residência, onde por sua vez os denunciados, todos fortemente armados, passaram a torturar psicologicamente a referida, causando-lhe forte sofrimento psíquico, através de coações e ameaças”. O objetivo era obter informações que levassem a Amerson e a seu irmão, Alex. “Quando então seria efetivado o plano de uma emboscada para matá-los”.

Enquanto a mulher era mantida dentro de casa, o motorista de aplicativo permanecia sob o domínio de policiais. “Passaram a torturá-lo física e psicologicamente, passaram a espancá-lo e coagi-lo, para que informasse do paradeiro de Alex, sem sucesso”.

Promotores que investigam o caso destacaram também que “os referidos acusados abandonaram as duas filhas da mulher e da vítima Amerson, que deveriam estar sob o seu cuidado, vigilância e autoridade, sozinhas dentro do veículo e expostas a grave situação de risco e sofrimento emocional”.

Segundo a denúncia, as crianças presenciaram a mãe ser arrancada do carro por homens encapuzados e de armas em punho. Também tiveram o pai vitimado na chacina. Amerson era quem trabalhava e sustentava a mulher e as duas filhas.

Emboscada ao vivo

O irmão de Alex foi pressionado pelos homens que ainda mantinham a mulher dele sob tortura a se dirigir à rua São Geraldo. Ali seria também o local da execução. Sem saber que estavam sendo transmitidos ao vivo no Instagram, os policiais encapuzados dispararam contra Amerson, Apuynã Lucas da Silva e Ágata Ayanne da Silva.

Durante a execução, Ágata estava ao vivo na rede social. O vídeo tem menos de um minuto. Nele, as três vítimas parecem estar rendidas. Um dos executores ordena: “Bota a mão na cabeça, porra. Ajoelha, filho da puta”. Em seguida, o som de cinco disparos. As imagens viralizaram.

“Ágata também é alvejada e, mesmo caída ao solo, seu celular continua captando os sons e diálogos que se seguem, no cenário do crime”, contextualiza o MPPE. A decisão judicial do último dia 7 diz respeito apenas à apuração do triplo homicídio. Amerson, Apuynã e Ágata eram irmãos de Alex.

Pouco depois da transmissão ao vivo no Instagram, os corpos da mãe e da esposa de Alex foram encontrados num canavial na cidade vizinha de Paudalho. As vítimas foram identificadas como Maria José Pereira da Silva e Nathália Nascimento, respectivamente. Antes de morrer, Ágata também postou nas redes sociais que a mãe havia sido sequestrada por mais de dez homens encapuzados. O caso é investigado como duplo homicídio em outra frente de trabalho.

Crimes militares

A tortura que teria sido praticada contra a cunhada de Alex e o motorista de aplicativo e o possível abadono de incapazes ficaram de fora da denúncia aceita pelo Juízo da 1ª Vara Criminal de Camaragibe. Na representação, o MPPE explica que isso se deu porque tais condutas são tipificadas como crimes militares, previsto no Código Penal Militar e súmula do Superior Tribunal de Justiça.

O Ministério Público montou uma espécie de força-tarefa para apurar a sucessão de mortes violentas intencionais, diante da gravidade do episódio. Participaram do trabalho promotores dos Grupos de Atuação Conjunta Especial (Gace), de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a 1ª Promotoria Criminal de Camaragibe.

*Jornalista com 20 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

AUTOR
Foto Marco Zero Conteúdo
Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.