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Foto: Google Maps
As comunidades religiosas de matriz africana e indígena estão chocadas com um vídeo que tem circulado há dois dias pelo WhatsApp. As imagens mostrariam um crime: o juremeiro Alexandre L’Omi L’Odò em ato sexual com uma adolescente. A menina está de farda da escola e é filmada por Alexandre, que mostra o rosto dela. O vídeo começou a circular na quarta-feira, gerando uma onda de repúdio contra o religioso, que é historiador e tem mestrado em Ciências da Religião. A Delegacia do Varadouro, em Olinda, recebeu a denúncia e investiga o caso.
Abalada como o crime e a repercussão do vídeo, a família da garota emitiu uma nota afirmando que não pretende se pronunciar por enquanto para não atrapalhar as investigações. “As providências estão sendo tomadas, inclusive o caso ocorrerá em segredo de justiça por se tratar de uma menor. Para a família, a única coisa que interessa no momento é preservar a criança”, diz trecho da nota.
A família também reforça que a divulgação do vídeo é uma “violência continuada contra a menina, o que fere de morte o Art. 241-B. Do Código Penal que diz: adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.
Não se sabe ainda como o vídeo vazou. “Ele deixou o celular de vacilo ou enviou para alguém”, contou uma juremeira, que preferiu não ser identificada. Ela afirmou que recebeu o vídeo em um grupo de WhatsApp, ainda na quarta-feira passada, 1 de setembro. Uma versão do vídeo com um emoji encobrindo o rosto da menina segue circulando no aplicativo e também no YouTube, mesmo se tratando de um conteúdo explícito e que envolve uma adolescente.
Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco informou que foi instaurado inquérito policial na Delegacia do Varadouro e que já tomou depoimentos da adolescente e da mãe dela. A adolescente também foi encaminhada para exame pericial, de acordo com a nota, que afirma ainda que o procedimento investigativo “segue em instrução até o esclarecimento do fato”.
Alexandre L’Omi L’Odò é uma fonte recorrente na imprensa pernambucana quando se fala da jurema no Grande Recife, uma tradição religiosa com raízes indígenas. Estudou história na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e fez mestrado em Ciências da Religião na mesma universidade, defendendo a dissertação “Juremologia: uma busca etnográfica para sistematização de princípios da cosmovisão da Jurema Sagrada”.
Alexandre também é bastante atuante na vida cultural de Olinda. É coordenador do Quilombo Cultural Malunguinho, onde realizava vários eventos. Também atuava como percussionista e era mestre do maracatu de baque virado Nação do Reis Malunguinho, fundado por ele.
Era comumente solicitado para entrevistas, inclusive aqui na Marco Zero. Integrou ou integra vários conselhos de cultura e de religião. Além das atividades acadêmicas, religiosas e culturais, também tentou carreira política. Em 2018, saiu candidato a deputado estadual pelo PCdoB e, em 2020, a vereador, pela mesma legenda. Teve 182 votos nesta última eleição, o suficiente para ficar como suplente.
Desde que o vídeo viralizou, Alexandre não é visto em Olinda. A Marco Zero entrou em contato com ele, que afirmou que se manifestará “em momento oportuno. Em breve”.
Apesar do destaque nos meios de comunicação e das várias atividades que desenvolvia, Alexandre era uma figura polêmica nos bastidores. O uso que fazia da tradição da jurema era abertamente criticado por outros religiosos. Também foi expulso do terreiro que frequentava com a ex-esposa, de quem se separou há alguns meses. Abriu, então, seu próprio terreiro no Largo do Amparo. “Jurema não é religião de universidade. É de terreiro de chão batido, de periferia, da mata”, diz a mãe Beth de Oxum, patrimônio vivo da cultura pernambucana.
Algumas entidades já emitiram notas de repúdio contra o crime. Uma delas foi o terreiro Ilé Iyemojá Ògúnté, em Água Fria, que Alexandre frequentou. “Repudiamos atos sexuais de sacerdotes de candomblé e jurema com crianças e adolescentes. Decidimos colocar essa nota para esclarecer que tal pessoa há meses não faz parte de nosso axé, devido a problemas particulares com nossa gestão. Gostaríamos de ser solidários à família da menor e dizer que estamos aqui para ajudar no que for preciso. Nossa casa é um terreiro de tradição e nunca isso foi ou será aceito. Que Yemanjá abençoe a todos”, diz a nota.
Horas depois, os integrantes do terreiro informaram nos grupos de WhatsApp que não iriam mais se pronunciar sobre o caso, pois estariam “sendo alvo de ataques dos seus defensores, e nossa Yá (yalorixá) é uma mulher de 70 anos, com doenças crônicas e graves, que não está mais suportando mentalmente passar por essas situações”.
O medo é de que o caso de Alexandre forneça combustível para estigmatizar ainda mais as religiões de matriz africana e indígena, que sofrem com o preconceito e a perseguição.
“Estarrecida”, foi assim que Mãe Beth de Oxum definiu seu sentimento com o caso. “Fiquei chocada. Essa prática é completamente abominável em qualquer denominação religiosa. É incrível que homens tenham esse comportamento nocivo. Seja padre, pastor, pai de santo…não são religiosos, são criminosos, são pedófilos. Têm que estar presos. Eu, como yalorixá de um terreiro, estou indignada, abomino esse criminoso, essa atitude. Além de ser com uma adolescente, menor de idade, ainda há a divulgação criminosa do vídeo”, diz.
Mãe Beth de Oxum frisa que foi uma atitude exclusiva dele, abominada pelos preceitos religiosos. “Ele está maculando a religião”, disse. “Já tive vários problemas com ele. Tem um papo bonito, essa história de juremologia, mas a jurema não é nada disso”, afirmou. “É muito comum que quando um pedófilo é exposto, outras vítimas apareçam. Espero que a polícia faça sua parte e que a Justiça seja rigorosa”, completou.
A yalorixá Joana D’arc, também mestra dos Maracatus Baque Mulher e Encanto do Pina, assinou também uma nota de repúdio, destacando números da violência sexual contra crianças e adolescentes. “Todo nosso povo do axé está revoltadíssimo. Sabemos que isso acontece nas outras religiões, com pastores e padres, e infelizmente aconteceu com nosso povo de matriz africana. A gente não pode se calar. Temos que denunciar e lutar para que isso acabe. É buscando por justiça que a gente vai quebrar esse ciclo de silenciamento, e não passando pano, deixando para lá. Nunca nosso povo vai se calar, estamos em busca de respostas”, disse à Marco Zero a yalorixá.
Ela também se solidarizou com a família da vítima. “Nossa maior preocupação é com a jovem. De saber como a família está e como vão apoiar e lidar com o que ela ainda vai ter que enfrentar. Alexandre deve ser banido, não ter mais acesso aos espaços. Não pode ser como essas denúncias de internet que depois somem e não se faz nada. Esse abafamento é que faz com que outras mulheres tenham receio de denunciar os abusos que acontecem dentro das religiões. Estamos aqui para acolher a vítima”, disse a yalorixá.
Errata: uma versão anterior dessa matéria usava o termo “pedofilia” no título. Como a Marco Zero não conseguiu confirmar se a adolescente tem menos de 14 anos, o termo foi retirado
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org