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Foto de um campo aberto com várias turbinas eólicas altas e esguias, que se destacam contra o céu claro. As torres estão ao lado de algumas casas. O primeiro plano da imagem é ocupado por uma área de terra com vegetação esparsa e cercas. As turbinas eólicas são brancas, altas e têm três pás cada. O céu está claro, indicando que é dia. No primeiro plano, a terra parece seca com vegetação limitada e algumas cercas.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Por causa de barulho contínuo todas as noites, Neoenergia terá de indenizar agricultor no RN

Inácio França / 16/04/2024

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Para proferir a sentença em que condenou a Neoenergia Renováveis a indenizar o agricultor Raimundo Costa em R$ 50 mil por causa da poluição sonora provocada pelos aerogeradores do seu parque eólico, o juiz da 1ª Vara de Currais Novos se baseou na perícia que confirmou o ruído acima do permitido pela legislação do Rio Grande do Norte para o período noturno.

Nos meses de novembro e dezembro de 2023, os peritos realizaram medições em três noites diferentes, constatando que o barulho dos aerogeradores invade a casa do agricultor com o mínimo de 45,3 decibéis e o máximo de 56,7 decibéis, dependendo do local da medição. A lei estadual 6.621 estabelece o máximo de 35 decibéis em áreas rurais.

No texto da sentença, o juiz Marcos Vinícius Pereira Júnior concluiu que a atividade do parque eólico gera “incômodo sonoro contínuo ao autor e sua família, especialmente no período de repouso noturno” e que, portanto, ficoucomprovado que os sons provenientes das máquinas do parque eólico gerenciado pelo demandado geram incômodos na vizinhança, de modo que a responsabilidade da ré é evidente.”

Meses antes, na manhã de 2 de maio, o próprio magistrado foi ao município de Lagoa Nova para viistar o sítio de Raimundo Costa em uma “inspeção judicial”. Marcada com antecipação e com os advogados de ambas as partes devidamente avisados, a visita tinha como objetivo possibilitar que juiz constatasse pessoalmente os transtornos provocados pelo ruído dos aerogeradores. No entanto, isso não foi possível: coincidentemente, nesse dia as máquinas nos arredores do sítio não estavam funcionando.

No entanto, na sentença, Pereira Júnior afirmou que “somente indo até o local é possível mensurar o tamanho do dano causado”. Graças à ida até o local, segundo o magistrado, foi possível “mensurar a dor moral causada à parte autora, imagino esta hoje [sic] deitada em sua rede, ouvindo por 24h (vinte e quatro horas) o barulho relatado pelo perito, acima dos limites estabelecidos em lei, sem nada poder fazer e, pensando, que toda a tranquilidade foi ceifada (…) pela promovida, que sem nenhuma preocupação, fez da sua atividade lucrativa o ‘desgraça’ de pessoas que só querem viver em paz”.

O que diz a Neoenergia

Procurada pela Marco Zero, a Neoenergia Renováveis informou que “até o momento, não foi notificada a respeito da decisão. Após o recebimento, os termos da ordem judicial serão analisados. A companhia reforça que a execução de projetos renováveis é pautada por estudos de impacto socioambiental rigorosamente de acordo com a legislação vigente no país e dentro das melhores práticas globais”.

De acordo com os dados públicos disponíveis na Receita Federal, a Neonergia Renováveis, sediada no Rio de Janeiro tem capital social de quase R$ 5,3 bilhões. Em seu site, a empresa informa possuir “44 parques eólicos em operação, totalizando uma capacidade instalada de 1.554 MW, e 2 parques solares , com capacidade instalada de 149 MWp, a empresa também possui participação em cinco usinas hidrelétricas”.

Em 2023, o lucro da Neoenergia no Brasil foi de R$ 4,5 bilhões. A multa aplicada pelo juiz da 1ª Vara de Currais Novos corresponde a 0,0011% desse valor.

Uma pedra nos sapato das empresas de energia

“Ainda não perdi uma ação contra as eólicas”. A autora da frase não poderia ter um nome mais apropriado: a advogada Maria das Vitórias Nunes Lourenço esteve à frente de nove ações em que camponeses conquistaram vitórias contras a Neoenergia Renováveis na Justiça do Rio Grande do Norte. Três desses casos já chegaram à segunda instância, com as sentenças sendo confirmadas e as indenizações pagas.

Foto da advogada Maria das Vitórias Nunes. Ela é uma mulher branca, de cabelos escutros lisos e compridos caindo nos ombros, usa óculos grandes de aro laranja. Ela está sorrindo, sentada em poltrona preta que aparece desfocada, junto à uma mesa de madeira com as duas mãos juntas sob o queixo.

Maria das Vitórias Nunes

Acervo pessoal

Mesmo assim, ela não está satisfeita.

No caso de Raimundo Costa, por exemplo, o juiz Marcos Vinícius Pereira Júnior decidiu que o agricultor não teria direito a indenização pelos danos materiais provocados à casa. Os peritos concluíram que as rachaduras e fissuras nas paredes foram consequências do desgaste provocado pelo tempo e pelo fato da construção ter sido feita sem as técnicas apropriadas. Em outros casos que venceu, foi possível comprovar que os danos nos imóveis foram provocados pelos caminhões das empresas ou pelo sistema de frenagem dos aerogeradores, que provoca pequenos tremores de terra.

“Além disso, o agricultor vai receber a indenização, mas não tem condições de ir para outro lugar e vai continuar morando lá, perturbado por aquele barulho todas as noites pelo resto da vida”, explicou a advogada, que também é graduada em Letras e Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Maria das Vitórias não responsabiliza na Justiça, mas sim o poder legislativo. “Existe uma orientação do Conselho Nacional de Meio Ambiente para que os aerogeradores sejam instalados a mais de 400 metros das residências, mas as Câmaras Municipais precisam legislar definindo essa distância. Em nenhum outro país as empresas de eólicas podem colocar aerogeradores tão perto das casas das pessoas”, conclui Maria das Vitórias.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.