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Povo Kapinawá protesta contra parque eólico no Vale do Catimbau e em áreas do território indígena

Giovanna Carneiro / 24/05/2022

Crédito:Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Os indígenas Kapinawá, situados nas cidades de Buíque, Tupanatinga e Ibimirim, no Agreste de Pernambuco, estão preocupados com uma novidade que pode afetar diretamente o cotidiano de suas famílias: a instalação de um parque eólico na região. Denominado “Complexo Eólico Buíque”, o empreendimento está sendo desenvolvido pela empresa Energia de Buíque Ltda., prevê a ocupação de uma área total de 3.049,51 hectares (o equivalente a mais de 4.270 campos oficiais de futebol) para a implantação de uma base de aerogeradores de energia eólica.

De acordo com lideranças Kapinawá e representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), além dos transtornos causados para a população que vivem nas áreas rurais, como problemas auditivos e psicológicos devido ao barulho constante das turbinas eólicas, a instalação do parque resultaria em um grande desmatamento da caatinga e uma degradação do solo.

“É um projeto que prevê a instalação de 70 turbinas eólicas em uma área de mais de 3 mil hectares. A área demarcada dos Kapinawá tem cerca de 12 mil hectares e esse parque eólico teria 3 mil hectares em uma área que faz divisa com a fronteira da terra indígena, além de ser muito próximo ao Parque Nacional do Vale do Catimbau, que é uma área de proteção integral com o objetivo de preservar a caatinga e os sítios arqueológicos que estão ali”, disse Daniel Maranhão Ribeiro, advogado do Cimi na Região Nordeste.

Ainda de acordo com Daniel Maranhão, parte da área requerida para a construção do Complexo Eólico Buíque está localizada em um território que está sendo reivindicado pelo povo Kapinawá para que seja demarcado. “O projeto prevê a instalação de um parque eólico na linha do território indígena demarcado e dentro da área reivindicada pelo povo Kapinawá para a ampliação territorial. O território dos Kapinawá foi demarcada em 1982, antes da constituição de 88, então, não foram observados todos os fatores, a demarcação foi realizada através de minutas e não agregou toda reivindicação do povo Kapinawá. Com isso, várias aldeias e áreas de ocupação tradicional ficaram de fora da demarcação. Exatamente em uma dessas áreas, que não foi demarcada, mas onde existem aldeias indígenas, é que está a previsão da instalação do parque eólico”, explicou o advogado.

Licenciamento ambiental em andamento

O projeto do Complexo Eólico de Buíque já conta com um processo de licenciamento ambiental em andamento em órgãos reguladores como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). No site do Sistema Eletrônico de Informações do Iphan, é possível ter acesso aos documentos entregues pela Energia de Buíque Ltda com detalhes sobre a instalação do complexo eólico. De acordo com informações do Relatório Ambiental Simplificado (RAS), “o Complexo Eólico Buíque está projetado para uma capacidade de 315 MW, através da instalação de 70 aerogeradores da marca Vestas V150 de 4.500 kW, em uma área de aproximadamente 3.049,51 ha.”.

No mapa a seguir, é possível ver a área requerida para a instalação do empreendimento.

Mapa disponível no Relatório Ambiental Simplificado apresentado ao IPHAN.

As imagens evidenciam que o complexo eólico toma uma parte do território indígena Kapinawá, do Parque Nacional do Vale do Catimbau e também das comunidades quilombolas Sítio Mundo Novo e Façola. Com isso, a instalação do parque afetaria tanto a população local quanto o meio ambiente, uma vez que estaria situado em territórios de povos originários e no Vale do Catimbau, reconhecido como um dos mais importantes conjuntos de sítios arqueológicos do país e instituído como Parque Nacional desde 2002.

Apesar da proximidade do empreendimento com áreas de preservação ambiental, fica constatado no RAS apresentado pela empresa que “a maioria dos impactos relacionados ao meio socioeconômico são considerados como positivos e não necessitam de medidas mitigadoras”. Os únicos impactos negativos listados pelo documento são: interferência na infraestrutura viária local; interferências no cotidiano da população; deposição inadequada de efluentes de resíduos sólidos; alteração da paisagem e acréscimo na demanda de serviços de saúde.

  • Relatório Ambiental Simplificado apresentado pela empresa Energia de Buíque Ltda ao Iphan na íntegra:

Procuramos a CPRH para esclarecer alguns pontos apresentados pela Energia de Buíque Ltda e questionar a instalação de um complexo de energia eólica em partes do território Kapinawá e do Parque Nacional do Vale do Catimbau, mas, até o fechamento desta reportagem, os questionamentos não foram respondidos. Pedimos que o órgão informasse um prazo para devolver a demanda, mas também não houve retorno quanto a isso. Assim que obtivermos respostas, publicaremos uma atualização.

Também tentamos contato com a empresa, através de um e-mail que consta em todos os sites onde a mesma está referenciada e anunciada com um endereço eletrônico em de nome Matheus Lopes, mas até o momento não recebemos retorno.

Protesto em Buíque contra o complexo eólico

Na última quinta-feira, 19 de maio, os indígenas Kapinawá realizaram um protesto no município de Buíque. Entoando cantos e segurando faixas com frases como “Não aceitamos parque eólico no território Kapinawá”, os manifestantes caminharam pelas ruas da cidade.

No mês de fevereiro, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) encaminhou uma carta denúncia sobre a instalação do complexo eólico em Buíque aos Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Defensoria Pública da União. No início deste mês, a Defensoria Pública chegou a se reunir com os indígenas Kapinawá.

“O nosso objetivo é garantir que não haja nenhum prejuízo à vida do povo Kapinawá, que hoje conta com mais de 5 mil pessoas. A gente sabe que para os povos indígenas o território é tudo e tem uma centralidade na vida, é do território que vem a religião, o sustento, a tradicionalidade da família e toda a sua cultura. Por isso, pensarmos que existe um projeto que está sendo feito às escondidas dentro de uma área de reivindicação de ampliação do território Kapinawá é um absurdo”, afirmou Daniel Maranhão.

“Quando o povo tomou conhecimento do projeto ficou muito surpreso e preocupado. Muitas pessoas do povo Kapinawá são agricultores e agricultoras e a extinção de pássaros e abelhas afetaria a polinização e prejudicaria as lavouras além do desmatamento, do barulho, da poluição visual e de todos os problemas de saúde que são acarretados pela instalação desses parques eólicos”, completou o advogado.

Em um mapa feito pelo Cimi e compartilhado pelo advogado Daniel Maranhão, é possível visualizar mais nitidamente quantas e quais aldeias serão afetadas diretamente pela instalação do complexo eólico.

Além dos riscos apresentados, os indígenas afirmam ser vítimas de ameaças e perseguições constantes de posseiros e fazendeiros da região e temem que a situação se agrave com a instalação do complexo eólico. “Ante a falta de proteção do território, ausência de políticas públicas e conclusão da demarcação do território integral de ocupação tradicional Kapinawá, o povo enfrenta no Poder Judiciário duas ações de reintegração de posse (processo n° 0000307-20.2013.4.05.8310 e Processo nº 0000306-35.2013.4.05.8310) de áreas inseridas no perímetro reivindicado pelo povo, áreas que ficaram de fora da demarcação inicial”, declaram os Kapinawá em um trecho da carta denúncia.

Mapa da área prevista a ser ocupada pelo parque eólico. Créditos: Arquivo pessoal /Daniel Maranhão (Cimi)

Articulação para fiscalizar os parques eólicos

Sabendo do aumento no número de parques eólicos instalados no estado na última década e o projeto de expansão deste modelo de geração de energia, entidades que lutam pela vida no campo, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Cáritas e a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares de Pernambuco (Fetape), se articularam para enfrentar o impacto das eólicas em Pernambuco. O objetivo da iniciativa é promover um maior diálogo com os órgãos de regulação do estado, como o Conselho Estadual de Meio Ambiente e a CPRH, a fim de promover estudos mais aprofundados sobre as instalações dos parques eólicos e endurecer a fiscalização ambiental dos empreendimentos.

“O que nós reivindicamos é que a transição da matriz energética seja popular, justa e inclusiva porque o que a gente percebe é que há um novo processo de colonização do Nordeste a partir da exploração do vento e do sol”, declarou Milena Fraga, assessora de Políticas para o Meio Ambiente da Fetape.

De acordo com Milena, a especulação por áreas do Agreste de Pernambuco tem crescido nos últimos anos e a instalação de grandes complexos de energia eólica pode causar um impacto negativo para a natureza do bioma, majoritariamente composto pela caatinga. A assessora revelou que além de Buíque, há projetos de instalações de parques eólicos previstos para os municípios de Belo Jardim e Brejo da Madre de Deus.

“As regiões que eles [empresários] escolhem são regiões de proteção ambiental, como é o caso do Brejo da Madre de Deus e Belo Jardim, onde existe toda uma área rica em torno do açude do Bitury, conhecida como Mata do Bitury, e que integra mais de 1.200 nascentes fazendo com que aquela região seja responsável pelo abastecimento de água para vários municípios do agreste. Até o momento, nesses locais, estão apenas em fase de estudo, mas em locais como Caetés, onde o parque já foi instalado, a gente já vê o impacto negativo na convivência com o semiárido e com a caatinga”, disse Milena Fraga.

Atualmente, a Fetape integra um Grupo de Trabalhos no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) sobre os empreendimentos de energia eólica em Pernambuco. Em março deste ano, a organização elaborou um ofício pautando a discussão de mudanças no processo de licenciamento dos parques eólicos.

Entre as propostas apresentadas pela Fetape, estão o mapeamento de áreas que podem ou não receber parques eólicos; criação de leis e normativas para regulamentar o processo de licenciamento das empresas para proteger os brejos de altitude, mata atlântica e caatinga; realização de audiências públicas para conscientizar a sociedade civil e também as autoridades municipais; responsabilização das empresas e reparação das famílias afetadas, podendo retirar as torres de perto das casas e fiscalização do processo de compensação realizado pelas empresas.

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.