Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: Divulgação/ELRD
A fim de implementar a política de redução de danos em Pernambuco, um grupo de profissionais e ativistas se uniram para formar a Escola Livre de Redução de Danos, uma iniciativa que, desde de 2019, realiza formações pedagógicas, eventos, ações nas ruas e produção de pesquisas sobre o tema. Entre as atividades há também a ação “Fique Suave no Carnaval”, com uma casa de acolhimento no Centro Histórico de Olinda para garantir segurança e apoio aos usuários de drogas que participam do Carnaval. O espaço conta com uma área para descanso, além de distribuição gratuita de água e kits de prevenção.
No entanto, a casa da Escola Livre de Redução de Danos, que estava prevista para funcionar durante todos os dias de Carnaval, foi fechada pela Polícia Civil de Pernambuco na segunda-feira, dia 20 de fevereiro. A operação foi montada a partir de uma denúncia anônimade apologia ao uso de drogas no espaço de redução de danos. Os policiais interditaram o local e levaram a coordenadora da Escola Livre, Ingrid Farias, até a delegacia para prestar esclarecimentos.
De acordo com os responsáveis pela casa de Redução de Danos, o local já havia sido inspecionado pela Guarda Municipal de Olinda e, durante as revistas, não foram encontradas nenhuma substância ilícita ou material de incentivo ou promoção de uso de drogas. “A Casa da Redução de Danos tem como objetivo prestar assistência, prevenir e acolher usuários de drogas durante os dias de carnaval, distribuindo folhetos informativos, água e insumos”, afirmaram os responsáveis pela iniciativa em nota divulgada à imprensa.
Procuramos a Polícia Civil de Pernambuco para saber por quais motivos a casa havia sido fechada já que a política de redução de danos é uma prática de interesse público reconhecida pelo Ministério da Saúde. Em nota, a PCPE afirmou que “não há, por parte das forças policiais e órgãos do Governo de Pernambuco, qualquer intenção no sentido de criminalizar campanhas educativas ou impedir a livre manifestação do pensamento”, porém, “como a campanha não estava vinculada ao Estado nem à Prefeitura de Olinda, que também enviou equipe de fiscalização ao local, alguns materiais foram apreendidos”.
Confira a nota da PCPE na íntegra:
NOTA PCPE
A Polícia Civil informa que não há, por parte das forças policiais e órgãos do Governo de Pernambuco, qualquer intenção no sentido de criminalizar campanhas educativas ou impedir a livre manifestação do pensamento. Ao contrário, o diálogo entre as entidades que trabalham a temática está estabelecido junto às secretarias estaduais de Defesa Social, Saúde e de Desenvolvimento Social, Criança, Juventude e Prevenção às Drogas, de modo a fortalecer ações integradas voltadas à prevenção, proteção, apoio, cuidado e assistência aos usuários e à população pernambucana como um todo.
Na segunda-feira, 20 de fevereiro, após ter recebido um informe, a Polícia Civil deslocou uma equipe para o endereço na rua Treze de Maio, Carmo, Olinda, a fim de apurar os fatos. Conforme divulgado nas mídias, tratava-se de uma campanha sobre a redução de danos para o uso de entorpecentes. Como a campanha não estava vinculada ao Estado nem à Prefeitura de Olinda, que também enviou equipe de fiscalização ao local, alguns materiais foram apreendidos, assim como depoimentos foram colhidos a fim de esclarecer o funcionamento da estrutura.
A redução de danos é uma estratégia de saúde pública que promove o bem-estar social e busca controlar consequências adversas causadas pelo consumo de psicoativos através de uma abordagem antiproibicionista, que busca a inclusão social dos usuários de drogas.
No Brasil, a política de redução de danos passou a integrar os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) e foi regulamentada pelo Ministério da Saúde através da Portaria 1028, de julho de 2005. No mesmo ano, a Política Nacional Sobre Drogas, que contém diretrizes sobre a redução de danos, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas.
Entre as medidas indicadas pelo Ministério da Saúde para a promoção da política de redução de danos, estão a distribuição de materiais informativos sobre o consumo de drogas; disponibilização de insumos de proteção à saúde e de prevenção ao HIV/Aids e Hepatites; orientação sobre prevenção e conduta em caso de intoxicação aguda; e desestímulo ao compartilhamento de instrumentos utilizados para consumo de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência.
Ainda de acordo com uma cartilha de orientação do Ministério da Saúde, a troca e o fornecimento de material de prevenção para usuários de drogas injetáveis é política de saúde pública no Brasil desde 1994, uma medida que surgiu para diminuir a infecção pelo HIV e surtiu efeito positivo, uma vez que, em países onde a redução de danos foi implantada precocemente, como a Austrália, a taxa de infecção pelo vírus se manteve em menos de 5%.
Assim, as atividades desenvolvidas pela organização não governamental Escola Livre de Redução de Danos são preconizadas pelas autoridades de Saúde, não apenas no Brasil.
Apesar do reconhecimento da política de redução de danos como prática fundamental e positiva para a saúde pública e coletiva pelo Ministério da Saúde e sua integração ao SUS, o estigma sobre os usuários de drogas ainda é uma questão que dificulta as ações efetivas por agentes de saúde e assistentes sociais. A Marco Zero Conteúdo entrevistou a assistente social do Centro de Prevenção Tratamento e Reabilitação de Alcoolismo (CPTRA) e do Hospital das Clínicas da UFPE, Luciana Espíndola, para esclarecer a importância da abordagem em redução de danos:
Marco Zero – O que é a política de drogas baseada na redução de danos e quais resultados positivos ela pode gerar?
Luciana Espíndola – A política de drogas baseada na redução de danos é uma política que consegue enxergar o sujeito de forma mais global, é uma política de drogas que consegue dar conta do conceito amplo de saúde a partir do momento que a gente não limita o sujeito e não diz a ele o que é estar adoecido nem impõe formas de viver. A política de redução de danos no uso de drogas prevê que o sujeito pode viver bem usando drogas, desde que queira dessa forma, desde que tenha acesso às políticas públicas, à informação e aos serviços que consigam dar a ele o aparato que ele precisa para viver bem, com saúde.
Qual a importância da política de redução de danos para os usuários de drogas e para a saúde pública no Brasil?
A política proibicionista nunca deu certo na história do Brasil nem do mundo. Por isso, o Brasil acolheu as experiências de alguns países europeus no trabalho de minimizar os danos oriundos do uso de álcool e outras drogas. Principalmente a partir da década de 90, programas e projetos na área de redução de danos começaram a ser criados aqui no Brasil, com o protagonismo de redutores de danos de usuários e familiares. A Associação Brasileira de Redução de Danos, a Rede Brasileira de Redução de Danos e a Rede Latino Americana de Redução de Danos foram instituições fundamentais para a implementação da redução de danos no Brasil, porque só em 2003 o Ministério da Saúde lançou a política de atenção integral ao usuário de álcool e outras drogas. Só então a gente começa a admitir institucionalmente que pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas tem o direito de continuar usando essas drogas e, ainda assim, acessar os serviços de saúde que precisam. A partir dessa decisão do Ministério da Saúde a gente consegue entender que a abstinência não pode ser o único objetivo a ser alcançado quando se trata em cuidar da vida humana, a gente precisa lidar com as singularidades dos sujeitos e ser compreensivo com aqueles que não querem parar de usar drogas, e que não conseguem parar, essas pessoas também precisam ter o direito à saúde assegurado.
Muitas pessoas, inclusive autoridades de segurança, ainda têm preconceito e perseguem a política de redução de danos por achar que ela incentiva os usuários de drogas. Você poderia explicar porque esse estigma é errado?
Essa afirmação é baseada exclusivamente em desinformação, pouco acesso e até má vontade mesmo. Quando a gente fala em redução de danos, a gente fala sobre acesso à informação e garantia de direitos, a gente fala sobre a pessoa ter condições de entender como determinada droga funciona dentro do organismo e, assim, poder escolher se tem condições de fazer uso daquela substância ou não. A redução de danos diz respeito à saúde de toda uma população, inclusive, porque ela diminui o contágio das doenças. Por exemplo, quando a gente olha os índices de pessoas que precisam se tratar de tuberculose, a gente percebe que se a gente conseguisse acessar o grupo de usuários de crack que fazem uso em local confinado e compartilham as latas que usam no momento do consumo da droga, a gente certamente conseguiria diminuir o número de infectados pela tuberculose. Então, quando alguém afirma que redução de danos é apologia a drogas é um grande desserviço para a sociedade, e essa pessoa está contribuindo para o adoecimento da população.
Como é possível, no atual contexto, fortalecer a política de redução de danos no Brasil?
A gente precisa fortalecer o movimento de usuários e familiares, trabalhar com educação permanente em saúde para os trabalhadores e trabalhadoras da área que precisam sempre estar atualizados sobre o que é a política de redução de danos e os efeitos de cada droga. Também é preciso fortalecer o processo de reinserção social e fortalecimento dos vínculos territoriais e familiares dos usuários de drogas. Outro grande passo é conseguir integrar os usuários de álcool e outras drogas e seus familiares aos espaços políticos de saúde pública, para que todos possam ficar atentos e possam garantir os direitos que já foram conquistados, porque no governo Bolsonaro nós tivemos muitos retrocessos e isso precisa mudar.
E em Pernambuco, o que o governo estadual pode e deve fazer para fortalecer a política de redução de danos?
A gente tem um grande desafio agora que é colocar a frente da pasta que trata sobre as políticas de drogas uma pessoa que seja mais comprometida com o direito dos usuários, que precisam acessar os serviços públicos de saúde, do que com a bancada evangélica com seus padrões morais e moralizantes que maltratam e agridem os usuários. Eu afirmo isso baseada em relatórios do Ministério Público que apontam que diversas comunidades terapêuticas, que hoje são financiadas por grande parte da bancada evangélica, foram notificadas a mudar suas abordagens após denúncias de maus tratos. Então, acredito que o primeiro passo para fortalecer a redução de danos em Pernambuco é colocar uma pessoa comprometida com a saúde dos usuários na pasta que trate sobre as políticas de drogas. A gente consegue fortalecer a estratégia de redução de danos quando a gente consegue fortalecer os espaços de tomada de decisões com pessoas que estão realmente preocupadas com a saúde pública e não com o proibicionismo e também fortalecendo iniciativas da sociedade civil como a Escola Livre de Redução de Danos, que levam informações de prevenção à saúde.
Uma questão importante!
Colocar em prática um projeto jornalístico ousado custa caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossapágina de doaçãoou, se preferir, usar nossoPIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52).
Apoie o jornalismo que está do seu lado.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.