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Prefeitura de Garanhuns distorce recomendação do Ministério Público sobre Plano Diretor

Maria Carolina Santos / 21/06/2022
Grande pórtico cinza metálico demarcando a entrada da cidade de Garanhuns, com a inscrição no alto Garanhuns - criado em 10 de março de 1811. Na parte inferior da foto, porém em primeiro plano, há um jardim bem cuidado, ladeado por duas faixas de avenida em asfalto cinzento

Crédito: Flickr/Prefeitura de Garanhuns

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) fez uma recomendação para a Prefeitura de Garanhuns sobre o Plano Diretor do município. Publicada no Diário Oficial no dia 13 de junho, a recomendação pede empenho do executivo para a concreta revisão do plano diretor participativo de Garanhuns, solicitando que a prefeitura apresente, em 30 dias, cronograma de reuniões e metodologia de trabalho da Comissão de Revisão do Plano Diretor Participativo.

Foi também conferido o prazo de dez dias úteis para que a prefeitura informe à Promotoria sobre o acatamento ou não da recomendação. A prefeitura não é obrigada a seguir as recomendações do Ministério Público. Mas ignorá-las pode implicar em medidas judiciais, como uma ação civil pública, por exemplo.

A recomendação do MPPE veio após denúncias da sociedade civil sobre a demora na atualização do Plano Diretor do município e da tentativa de alterações das leis urbanísticas do município em desacordo com o Plano Diretor vigente. São minutas de dois projetos de lei para a inclusão do instrumento de outorga onerosa no município de forma irrestrita – pagando uma taxa ao município, seria possível fazer qualquer tipo de construção ou alteração – e o aumento em um raio de três quilômetros da área urbana de Garanhuns, também sem restrições.

Nenhum estudo foi apresentado pela prefeitura para justificar as mudanças. O Plano Diretor de Garanhuns é de 2008 e deveria ter sido revisado desde 2018, ainda na gestão de Izaías Régis (à época, do PTB). Desde 2021 no cargo, o prefeito Sivaldo Albino (PSB) só começou o processo para revisão após a polêmica dos projetos de lei. A pandemia da covid-19 foi o motivo alegado pela prefeitura para não ter iniciado antes as audiências públicas para a discussão do Plano Diretor.

Ativistas, ambientalistas e urbanistas reclamam que a prefeitura não está agindo com transparência. “Essa recomendação do MPPE é decorrente de reuniões que tivemos. Na verdade, a proposta era fazer uma reunião do MPPE conosco e também com a prefeitura. Mas a prefeitura não quis, não compareceu”, contou a professora e urbanista Maria Braga. “Item por item, fomos mostrando as razões pelas quais somos contra os projetos de lei. Ninguém é contra o desenvolvimento de Garanhuns, muito pelo contrário. Nós queremos desenvolvimento, o que não queremos é acumular mais problemas do que o município já tem”, disse.

Os projetos de lei já foram alvo de um parecer de 25 páginas do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Garanhuns (Codema). O documento destaca que as minutas do PLs que o prefeito Sivaldo Albino (PSB) quer levar para votação na Câmara de Vereadores não teve a consulta prévia a nenhum conselho municipal, incluindo o próprio Codema e o Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur).

E dois pontos problemáticos foram destacados no parecer. O primeiro é o “super poder” que dá para a secretaria de Planejamento e Gestão, comandada por Alexandre Marinho, que foi coordenador da campanha do prefeito Sivaldo Albino (PSB). O artigo 22 da minuta do PL informa que casos omissos serão decididos pela análise técnica somente da secretaria. Outro ponto negativo do PL, de acordo com o parecer do Codema, é que o planejamento urbano está sendo deixado para os empresários do ramo da construção. Isso porque a prefeitura adota no PL uma outorga onerosa que não tem limites.

Prefeitura é desmentida pelo MPPE

Apesar da longa recomendação ser bem clara em relação à transparência e da necessidade de que o Plano Diretor tenha participação popular, a prefeitura de Garanhuns pegou uma parte realmente ambígua da recomendação e transformou em uma nota que não condiz com o completo teor do documento, que trata do Plano Diretor e não dos projetos de lei, apesar de citá-los.

No site da prefeitura e nas redes sociais, a prefeitura de Garanhuns publicou: “Ministério Público reconhece legalidade de Projetos de Lei sobre Outorga Onerosa e criação de núcleo urbano”. O trecho citado é o que diz que “…referidas mudanças legislativas precisam estar em consonância com o plano diretor vigente, embora dele possam se distinguir, e não podem levar ao esvaziamento ou a mais adiamento da necessária revisão do plano diretor”.

Apesar da recomendação, em diversos outros pontos, citar a necessidade de seguir o Plano Diretor vigente, a parte ambígua virou um trunfo para a gestão do PSB. Quem lê o documento todo, percebe, inclusive, que a prefeitura não atendeu solicitação anterior do MPPE (“…apesar de solicitado ao Município, ainda não recebemos cronograma de atividades da comissão instituída para a revisão do plano diretor”).

A Marco Zero solicitou então esclarecimento do MPPE sobre a nota da prefeitura, questionando se a recomendação 03/2022 reconhece a legalidade dos projetos de lei. A resposta foi de que “a 1ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania de Garanhuns não entrou no mérito das propostas de outorga onerosa e de criação de núcleo urbano em zona rural, que, apesar de terem relação com o plano diretor, são objeto de outro procedimento (mencionado na recomendação)”. O procedimento citado é uma notícia de fato, demandada pelo Codema, que está na fase de prestação de prestação de informações.

“AO MUNICÍPIO DE GARANHUNS, na pessoa do Exmo. Sr. Sivaldo Rodrigues Albino, prefeito, e do Exmo. Sr. Paulo André Couto Soares, procurador-geral do Município: – efetivo empenho para a concreta revisão do plano diretor participativo de Garanhuns, apresentando, em trinta dias, cronograma de reuniões e metodologia de trabalho da Comissão de Revisão do Plano Diretor Participativo –, garantindo transparência e ampla participação popular em todo o processo de revisão, bem como a produção de estudos técnicos que possam subsidiar a população e os parlamentares, e encaminhando o texto final de revisão do Plano Diretor à Câmara Municipal no prazo de um ano, a contar do recebimento desta Recomendação, sem prejuízo de que, no exame do cabimento de propostas de instituição de outorga onerosa para alteração dos parâmetros de uso e ocupação do solo, bem como de criação de núcleo urbano em zona rural, observe o plano diretor participativo vigente, em conformidade com o artigo 29 (“O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.”) e o artigo 42-B, § 1º, do Estatuto das Cidades (que estabelece requisitos e atendimento às diretrizes do plano diretor para ampliação do perímetro urbano), supratranscritos.”


Essa não é a primeira vez que a prefeitura usa táticas de desinformação para confundir a população em relação a esses projetos de lei. Em uma nota no site em abril, a Prefeitura de Garanhuns já acusou os críticos dos projetos de lei de estarem “manipulando informações” com “o intuito de gerar pânico nas pessoas, disseminando fatos e noticias inverídicas, desvirtuando da realidade”.

Nesta mesma nota, de abril, a prefeitura afirma “que NÃO se trata de alteração do Plano Diretor”. Agora, nesta nova nota, há uma fala do Procurador Geral do Município, Paulo Couto, em que diz que os projetos de lei são uma atualização do Plano Diretor, contradizendo, portanto, a nota anterior: “Atendendo determinação do prefeito Sivaldo Albino, formatamos o processo que levará à revisão do Plano Diretor, com ampla participação de instituições acadêmicas, segmentos do campo, associações, conselhos de engenharia e arquitetura, imobiliárias, gestão pública, etc. Mas precisamos atualizá-lo através dos PLs, e para isto já somamos cinco audiências públicas, na cidade e na zona rural”, afirma, na nota.

O advogado Gustavo Carvalho, que está acompanhando o assunto, afirmou que a interpretação da prefeitura de Garanhuns sobre a recomendação não tem cabimento. “Com surpresa recebemos a notícia de que a prefeitura estava divulgando que o MPPE reconheceu a legalidade dos Projetos de Lei apresentados. Primeiro porque os textos apresentados sequer são projetos, segundo a própria prefeitura, são apenas minutas de projetos de lei. Em segundo lugar, pelo fato do Ministério Público, na realidade ter tão somente enquadrado o Município de Garanhuns a acelerar a revisão do Plano Diretor, estipulando inclusive, prazos para tanto”, diz.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org