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Prefeitura de Jaboatão faz área de lazer ao pé de barreira com risco máximo de deslizamento

Raíssa Ebrahim / 09/02/2023
em primeiro plano, área plana com solo bastante molhado, com pneus coloridos. Ao fundo e ao alto se vê a barreira com algumas estruturas de casas interditadas no topo.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Debaixo da barreira onde, nas chuvas do ano passado, morreram cinco pessoas e 17 casas foram destruídas em Jardim Monteverde, Jaboatão dos Guararapes, a prefeitura da cidade resolveu instalar um espaço de convivência. A ação foi realizada mesmo o local não tendo recebido ainda soluções definitivas para conter o deslizamento de terra e sendo considerado de risco quatro, a nota máxima da escala de risco.

O espaço de convivência, na rua Alto de Santa Isabel, na linha de desabamento da barreira – onde, inclusive, há uma placa de alerta – nada mais é do que alguns pneus pintados e algumas estruturas de paletes. Outras duas áreas de risco em Jardim Monteverde também receberam o mesmo projeto: Parnaoica e Chapada do Araripe.

Com as chuvas desta desta semana, a lama escorreu e já invadiu a “praça”, conforme registro enviado por moradores à Marco Zero. Somente na segunda-feira, 6 de fevereiro, foram registradas chuvas de até 170 milímetros, quando o esperado para o mês todo era 127 milímetros. Na quinta-feira, dia 9, choveu mais 40 milímetros em Jaboatão, segundo a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac).

Idja Ferreira é dona de casa, mãe de duas crianças. Tanto a casa dela quanto a da mãe foram destruídas em maio do ano passado, justamente por causa do deslizamento dessa barreira, que levou também a igreja e o projeto social voltado para a primeira infância que elas mantinham. “A situação é revoltante. Ocuparam o terreno da minha mãe para fazer essa área de convivência sem autorização dela. As pessoas têm que ser indenizadas antes que os espaços sejam reocupados”, protesta. “Eu não vou levar meus filhos lá, acho arriscado. Hoje (quinta, dia 9) choveu, mesmo que amanhã faça sol, a barreira ainda vai estar molhada”, avalia.

“No meu caso, recebo auxílio-moradia, de R$ 300, que não dá para pagar aluguel, mas é uma ajuda. Mas minha mãe não teve direito de acessar, porque ela já tinha outro benefício. Ela foi direcionada para o habitacional e estamos esperando. Até que saia, ela nem pode voltar porque a área é de risco nem recebe ajuda”, relata Idja.

Jardim Monteverde, na divisa com Recife, foi a localidade com o maior número de vítimas fatais nas chuvas de 2022: 47 pessoas. Sem contar com as tantas famílias que perderam tudo e, até hoje, estão fora de suas casas. Ao todo, durante as chuvas de maio passado, 132 pessoas perderam a vida em Pernambuco. Este ano, a primeira vítima no estado foi o jovem Israel Campelo dos Santos, de 19 anos, em Olinda, de Águas Compridas, na última segunda-feira, bairro que tem promessa de “solução” atrasada pela prefeitura do Professor Lupércio (Solidariedade).

Em novembro, a reportagem mostrou o adoecimento mental de Jardim Monteverde seis meses após a tragédia de maio:

O clima na comunidade é de medo diante de um inverno que nem chegou ainda. Assustadas, muitas pessoas não têm para onde ir diante do cenário de ameaças com as chuvas dos últimos dias. Nesta quinta (9), lideranças relataram que o sentimento é de pavor com o aumento das precipitações. Parte da população diz que vê na iniciativa do espaço de convivência um contrassenso da Prefeitura de Jaboatão.

É o caso da vendedora autônoma Jenifer Brito: “Eles estão fazendo propaganda como se fosse uma coisa legal, mas não é”, opina a moradora, explicando que há “uma sensação de insegurança e insatisfação, e nada é feito”.

Placa ao lado da área de convivência em Jardim Monteverde alerta para risco de desabamento ou deslizamento. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Prefeitura de Jaboatão diz que projeto é para evitar reocupação

Em nota à reportagem, a gestão do prefeito Mano Medeiros (PL) justificou que o objetivo da área de convivência provisória é evitar a reocupação do local, uma vez que há relatos de moradores que já estavam comprando material de construção para erguer suas casas.

“No momento, a fim de evitar novas reocupações, por uma questão de segurança (em geral, as ocorrências graves ocorrem dentro das residências, de madrugada), o município está montando espaços de convivência provisórios, nessas áreas, junto com moradores, utilizando pneus que seriam descartados e tintas cedidas por empresa parceira, com o acordo junto à comunidade para a saída imediata desses locais durante as chuvas”, diz um trecho da nota.

A gestão informou ainda que “somente após a execução das obras de contenção serão executados os projetos definitivos para esses espaços, com campos de futebol, pista de caminhada, brinquedos, hortas e memorial em homenagem às vítimas dos deslizamentos, entre outros equipamentos votados pelos moradores. Representante do Ministério Público do Jaboatão (sic) acompanhou a reunião com as lideranças onde tal proposta foi apresentada e acordada”.

E repassou também que, “no caso de Monte Verde, a prefeitura precisou fazer toda a topografia do terreno (que sofreu alterações) e elaborou projetos de contenção integrados a espaços de convivência nas três principais áreas de deslizamentos (Parnaoica, Alto de Santa Isabel e Chapada do Araripe), seguindo agora em busca de de recursos para executá-los. Ao todo, são cerca de R$ 80 milhões. Os equipamentos dos espaços foram escolhidos pelos moradores, por meio de pesquisa”.

O arquiteto e urbanista na Cooperativa Arquitetura, Urbanismo e Sociedade (CAUS) Vitor Araripe faz uma provocação: “A prefeitura não quer que ninguém reocupe os locais por causa da exposição ao risco. Mas as pessoas que eventualmente estiverem nessa área de lazer podem se expor?. Além do absurdo que é deixar a barreira ainda praticamente do jeito que estava depois das chuvas de 2022”, complementa.

Apesar da tragédia e da dor das famílias que não conseguiram ter acesso ao auxílio das chuvas do ano passado, a Prefeitura de Jaboatão disse que vai dar ordem de serviço, “em breve” (não especificou quando), para início da construção de 138 muros de arrimo em áreas de risco, com investimento de R$ 26,5 milhões, aguardando apenas autorização da Caixa Econômica Federal.

Encaminhou ainda ao Governo Federal um Plano Habitacional com 305 unidades para moradores que perderam suas casas, mas afirmou que não teve retorno do pedido até o momento.

Área de convivência feita pela Prefeitura de Jaboatão vista de cima, na Rua Alto de Santa Isabel, em Jardim Monteverde. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Sistema de monitoramento e alerta

Uma das medidas da gestão de Mano Medeiros para o próximo inverno é a implantação de um Sistema Inteligente de Monitoramento e Alerta nas áreas de risco de deslizamentos e inundações. Desenvolvido pela startup Porang e Universidade de Pernambuco (UPE), núcleo de Caruaru, com financiamento da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe), a ferramenta permitirá, segundo a prefeitura, o acompanhamento dos pontos em tempo real e o envio de mensagens à população.

Ao todo, serão 15 estações integradas, três delas em Jardim Monte Verde (Parnaoica, Alto de Santa Isabel e Rua C). Com isso, em caso de necessidade de evacuação das áreas, a ferramenta poderá colaborar para que isso seja feito de forma ordenada e antecipada.

Também de acordo com a gestão municipal, “as inspeções de espaços que podem funcionar como abrigos e refúgios já foram realizadas, bem como o Plano de Contingenciamento em caso de desastres passa por atualização e treinamento de equipe”.

A prefeitura também abriu inscrições, nesta quarta (8), para contratação de 95 profissionais para a recém-criada Secretaria de Defesa Civil do município, para dar mais celeridade aos serviços de prevenção e resposta a desastres, segundo informou.

Em paralelo, a prefeitura informou que está investindo na Operação Inverno, com limpeza de canais, canaletas e galerias, além de serviços de drenagem e regularização de ruas. Também foi informado que a Defesa Civil reforçou a implantação de lonas e geopolímero nas encostas, além de iniciar campanha educativa para que a população compreenda os riscos de jogar lixos em locais inadequados.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com