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Projeto de urbanização do Pina não garante moradia para todas as famílias que serão removidas

Raíssa Ebrahim / 19/12/2022

crédito: Arnaldo Sete/MZ

A Prefeitura do Recife está com um projeto de urbanização para o bairro do Pina, na zona sul da capital, que pretende retirar 951 casas da beira da maré. As famílias pertencem às comunidades do Bode, Beira Rio e Areinha, onde muita gente vive da pesca artesanal ou tem um pequeno negócio dentro de casa. No entanto, o chamado projeto Rio Pina, que será erguido na área com o metro quadrado mais caro da cidade e num bairro de forte especulação imobiliária, não prevê garantia de novas moradias para todos. Muitas famílias estão desesperadas sem saber onde irão morar nem trabalhar. 

Com mais de 40 mil m², o projeto, elaborado em parceria com a JBR Engenharia, está orçado em R$ 1,3 bilhão, com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Pelo que foi apresentado até o momento, a prefeitura irá indenizar aquelas pessoas que não forem transferidas para um habitacional. Porém, essa indenização será feita somente pelas benfeitorias, e não pela terra, já que não há previsão de regularização fundiária nessas áreas.

As famílias, em geral, não têm título de propriedade, somente título de posse. Isso impede uma negociação de indenização que seja mais condizente com a realidade imobiliária do local, onde está erguido o shopping RioMar e diversas torres empresariais. Em vez disso, as famílias devem receber por valores tabelados, sempre muito abaixo do mercado.

Por isso há o temor de que esse valor não seja suficiente para garantir uma moradia digna nem compense a perda de identidade, relações e trabalho em caso de necessidade de mudança. Muita gente das comunidades tem criticado o Rio Pina em reuniões de apresentação que estão sendo realizadas, desde o mês passado, pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB). 

A Marco Zero acompanhou uma dessas reuniões, na comunidade Beira Rio, onde houve muita bate-boca entre gestão e moradores, com o apoio de ativistas e movimentos que militam por habitação, como o MTST. 

Prefeitura do Recife tem realizado reuniões de apresentação do projeto nas três comunidades. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Na última sexta-feira (16) à noite, moradores das comunidades que disseram “não” ao projeto nas reuniões com a URB, realizaram um protesto no Pina por mais garantias habitacionais na área. O Recife tem, segundo levantamento da própria prefeitura, um déficit de cerca de 70 mil unidades habitacionais, o que representa em torno de 280 mil pessoas.

Das 951 moradias que serão completamente removidas pelo projeto Rio Pina, 378 são palafitas, outras 343 estão erguidas em áreas não edificantes e mais 183 vão precisar sair por estarem em situação de risco para implantação das obras. As 47 casas restantes irão sofrer remoções parciais.

Na prioridade para ser transferido para o Habitacional Encanta Moça, que está sendo erguido no antigo terreno do Aeroclube, estão as famílias que vivem em palafitas, desde que tenham renda de até R$ 1,8 mil. Mas o conjunto só tem vaga para 340 famílias das três comunidades que serão atravessadas pelo projeto. Isso porque uma parte do Encanta Moça será destinada para 141 famílias que precisaram sair de suas casas na época da construção da Via Mangue e ainda não tinham garantido um novo lar. Quem está fora da regra de acesso ao habitacional receberá uma indenização e tem ido individualmente à prefeitura para saber quanto receberá.  

O Rio Pina engloba a construção de parque linear com pista de cooper, ciclovia, academia da saúde, equipamentos de ginástica, parques infantis, áreas de contemplação/convívio, áreas de leitura/“geladeiras de livros”, estacionamentos, quiosques e área destinada à futura implantação de galpão de mariscos e futuros píeres.

O objetivo é fazer a integração da malha urbana formal com as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). A promessa da prefeitura é que seja feita uma conexão das comunidades com a frente d’água, com valorização dos remanescentes de mangue e respeito às atividades existentes, com o menor número de remoções.

“A gente quer debater o projeto Rio Pina”, diz o acelerador social e comunicador periférico Pedro Stilo, morador do Bode. “Por que não se começa entregando os títulos de propriedade para quem vai ter que sair das comunidades?”, questiona.

Pedro Stilo, do Bode, em questionamento à prefeitura em reunião na Comunidade Beira Rio. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

“As famílias serão pagas pelo metro quadrado igual ao do RioMar ou vão pagar somente as benfeitorias, ou seja, os tijolos, o cimento, a areia”, complementa. Stilo lembra ainda que diversas casas das comunidades são coabitação. Ou seja, em um lugar vive mais de uma família. Então é preciso haver solução para todas. “Também precisamos saber quando será divulgada a lista pública das cerca de 600 pessoas que irão ocupar o Habitacional Encanta Moça”, cobra.

A preocupação passa também pelas construções de píer de acesso e equipamentos de beneficiamento de quem vive da pesca artesanal. As marisqueiras, por exemplo, que tratam o marisco no quintal de casa não sabem como farão isso dentro de um habitacional, caso não tenham garantia de um projeto que se adeque às necessidades específicas do trabalho que exercem. Os pescadores, por sua vez, precisam da garantia de onde farão embarque e desembarque e onde irão limpar e armazenar os produtos.

Pescadores e pescadoras estão preocupados com as garantias do projeto Rio Pina. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

A diretora da URB responsável por apresentar o projeto Rio Pina às comunidades, Tercília Vila Nova, argumentou que as regras de acesso ao habitacional são da Caixa Econômica, e não da Prefeitura do Recife. Ela informou que as construções ficam prontas em fevereiro ou março e somente quando a Caixa retornar as análises é que essa lista pode ser divulgada. Os imóveis depois serão sorteados.

A reportagem solicitou algumas respostas à Prefeitura do Recife, mas não recebeu retorno até o fechamento desta matéria. Confira quais foram os questionamentos enviados:

Qual será o valor pago por m² para as famílias que sairão das casas? 

O projeto inclui área de acesso à maré para os pescadores e um centro de beneficiamento de pescado? Se sim, onde ficará e como será? Se não, por quê? 

A PCR realizou consulta prévia às comunidades antes da aprovação desse projeto de urbanização? Se sim, como se deu esse processo? Se não, por quê?

As famílias que não serão reassentadas no Conjunto Habitacional Encanta Moça irão para onde? 


Angelina Pessoa, 33 trabalha a vida toda com sururu e marisco e vive no Bode desde que nasceu. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com