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por Valcidney Soares, do portal Saiba Mais
A partir de 2014, pesquisadores e moradores de Galinhos, município do litoral norte potiguar, começaram a perceber um aumento no número de aves mortas na região. A partir de uma investigação, descobriram que a mortandade estava relacionada a colisões desses animais com linhas de transmissão de energia. Buscaram uma solução e, a partir de uma tecnologia trazida dos Estados Unidos, foram instalados sinalizadores reflexivos nos fios, que diminuíram as mortes em mais de 90%. O projeto ganhou o nome de Aves do Mar.
Galinhos abriga uma diversidade de aves, incluindo migratórias, como os da espécie Sterna dougalli, conhecida popularmente como trinta-réis-róseo. Foram essas as principais afetadas. Daniel Solon é biólogo e presidente do Cemam (Centro de Estudos e Monitoramento Ambiental), organização sem fins lucrativos que pesquisa a vida marinha. Ele diz que o problema começou a ser detectado pelo Projeto Cetáceos da Costa Branca (PCCB) da Uern (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte), que existe desde 2009, e que trabalha principalmente detectando os problemas ou a interferência da atividade da exploração de petróleo e gás na região da Bacia Potiguar nos animais marinhos.
“Só que esse problema específico das aves colidindo com linhas de distribuição de energia, até então, não teria nenhuma relação direta com a Petrobras. Então, nesse contexto, do projeto de monitoramento de praias, a situação teria que ser repassada para outra instituição, para outros responsáveis. E aí é que entra o Cemam”, explica.
O Centro, então, é fundado em 2014. Naquele ano, foram registradas seis mortes, número que subiu para 20 no ano seguinte, 14 em 2016, até atingir o pico de 110 mortes em 2017. Já no ano passado, foram somente seis registros — uma redução de 94%. Também houve monitoramento parcial nos anos de pandemia. Dessa forma, os números de 2021 podem estar subestimados.
Os trinta-réis costumam migrar da América do Norte para a região do Rio Grande do Norte entre novembro e maio. As mortes, segundo Daniel, costumam ser violentas.
“Esses animais vêm voando, eles praticamente não veem essa linha, porque eles vêm meio que olhando para baixo para pescar na água. Então, quando batem, eles geralmente têm uma asa ou duas asas, ou até mesmo o bico, decepados. É uma morte horrível, o animal fica vivo ali sangrando. Então isso começou a chamar muita atenção da gente e também da comunidade”, diz.
Com as investigações, os pesquisadores descobriram que, justamente a partir de 2014, foi instalado um parque eólico em cima de uma duna em Caiçara do Norte.
“E aí, possivelmente, esses animais, que antes conseguiam desviar dessa linha de distribuição, passaram a desviar do parque eólico, que é algo que eles veem, que é maior, e colidir com essa linha de distribuição de energia, que já estava lá na região desde a década de 1980. Então, o problema possivelmente foi agravado pela construção desse parque eólico”, aponta.
Mortes por colisões com cabos elétricos foram mais numerosas em 2017
Crédito: Divulgação/Cemam
Mas como resolver o problema? Alguns marcadores que existiam no Brasil, e que chegaram a ser utilizados na linha, não surtiram o efeito desejado — a mortandade continuou a crescer. O aterramento dos fios também seria inviável, já que essa região fica numa área de dunas
Acontece que boa parte dessas aves vêm com uma anilha de identificação. Com o aparecimento no RN, a cada registro, os pesquisadores que atuam em Galinhos notificavam a aparição.
“A gente começou a notificar um, dois, dez, vinte, trinta, e esses animais vinham todos, praticamente, da América do Norte, dos Estados Unidos e alguns do Canadá. E aí o pessoal lá, recebendo a notificação, começou a querer entender o que estava acontecendo, porque até então essa rota desses animais para cá era desconhecida. Eles não sabiam que esses animais estavam vindo para cá e muito menos morrendo aqui. Eles estavam fazendo um esforço gigantesco lá na América do Norte para conservar essas espécies, uma espécie ameaçada de extinção lá, e esses animais estavam vindo morrer aqui”, conta Solon.
As notificações deram início a uma colaboração entre os pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos, e um dos parceiros norte-americano propôs o uso de marcadores que eles já usavam mas para outras finalidades — a tecnologia nunca havia sido testada em áreas costeiras com aves marinhas.
Funciona assim: é feita uma marcação da linha de distribuição com sinalizadores reflexivos. O objetivo da instalação dos marcadores foi tornar os fios mais visíveis e com isso eliminar ou reduzir as colisões das aves. O sinalizador reflete a luz do sol durante o dia e à noite, graças a uma faixa fluorescente, emite luz por algumas horas.
De cor predominantemente branca, e com a região superior da cabeça preta, os trinta-réis são aves carismáticas que encantam admiradores de todo o mundo.
A espécie Sterna dougallii, conhecida como trinta-réis-róseo, gaivotinha, andorinha-branca ou andorinha-do-mar-rósea pode pesar cerca de 119 gramas e possuir 79 cm de envergadura. Elas surpreendem pela capacidade de migrar grandes distâncias todos os anos. Pouco antes do início do inverno rigoroso do Hemisfério Norte, elas voam de países como Canadá e Estados Unidos, e migram para a América do Sul em busca de um clima mais ameno, fartura de alimentos e bons locais de descanso.
Com o sucesso do projeto, a ideia é levar essa mesma tecnologia para outros lugares onde também há mortes de aves por colisão. Uma outra linha de transmissão dentro da cidade de Galinhos já foi marcada e, no Ceará, há registros de mortes como essas. O marcador é feito de um material plástico resistente, com dois tipos de fitas — uma que reflete a luz do sol e outra que absorve a energia solar durante o dia e brilha à noite.
“Então, acaba que o animal consegue ver aquilo com o vento, com tudo. Ele vê que tem alguma coisa ali no meio, então ele vai acabar desviando. E aí a ideia da gente, de fato, já conseguimos fazer a replicação dessa metodologia oficialmente para mais uma linha. E a gente tem outras tratativas aí para tentar, porque vem de fora, então não é algo tão simples assim [de aplicar em outros locais], mas a ideia é que a gente consiga estar facilitando para poder estar levando isso”, diz Daniel Solon.
“A gente acha que pode tentar levar essa tecnologia, que é simples, para outros lugares, já que tem dado certo aqui no litoral”, aponta o presidente do Cemam.
Sinalizadores tornam cabos elétricos mais visíveis, inclusive durante a noite
Crédito: Divulgação/Cemam
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