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Quando Jhonatan deixou Manu brilhar

Marco Zero Conteúdo / 29/06/2021

Manuelly (D) participava dos festejos há seis anos como o cavalheiro Jhonatas até se apresentar como dama. Crédito: Arquivo Pessoal

Maria Souza*

“Nas quadrilhas juninas eu sou quem sempre quis ser, uma mulher”, é assim que Manuelly Tavares, 25 anos, dançarina e costureira, descreve a importância vital da festa de São João em sua vida. Manu nasceu na zona rural de Surubim, cidade do Agreste de Pernambuco, a 118 quilômetros de Recife. Recentemente, foi morar com a mãe e os irmãos em Caruaru, um dos principais pólos juninos do Brasil. Além da mudança de cidade, Manu deu outro grande passo em sua vida: em 2020, começou a terapia hormonal que julgou necessária em sua transição e identificação e, depois de seis anos como quadrilheira, teve a oportunidade de se apresentar como dama. Até então, a dançarina só tinha participado das festas juninas como Jhonatan, mesmo se entendendo como uma mulher. Foi na Flor do Caruá, grupo junino de Caruaru, que Manu começou a vivenciar seu sonho: “coloquei o vestido, fiz uma maquiagem, botei aplique no cabelo. Nunca tinha dançado como Manu. Até então, só Jhonatan”.

Os festejos juninos no Brasil constituem um campo de práticas que envolvem questões políticas, culturais, sociais e econômicas. É durante as quadrilhas, dança típica do mês junino, que muitos dançarinos conseguem socializar a própria identidade sexual. Quando estão se apresentando como damas, vivem e respiram um sonho sem o peso do preconceito nas costas. “Amo dançar. Faço isso desde 2014, mas antes não me sentia livre. Talvez porque não tinha a mentalidade que tenho hoje, em relação ao meu corpo, minha sexualidade, de entender quem eu sou. Dançar como sempre quis, como uma mulher, uma pessoa transexual”, diz Manu.

Como uma manifestação ancorada em um discurso que aciona constantemente a ideia de tradição e o heterocentrismo, as quadrilhas já foram um universo desafiante para pessoas LGBTQIA+. No entanto, para Dárcio Fernandes 23, coreógrafo de festivais juninos, as quadrilhas têm hoje um papel de acolhimento para esse público. “As quadrilhas estão oferecendo cada vez mais espaço para mostrarmos o que temos de melhor. Muitas vezes, sofremos com essas questões da sociedade, o preconceito enraizado. Os grupos juninos têm um acolhimento incrível, como uma família”.

Dárcio relembra que as quadrilhas e os grupos juninos assumiram um papel muito importante em sua vida, o de aceitação. “Tinha uma barreira que era grande. Sempre tive vontade de dançar como dama, mas algo me impedia de realizar esse sonho. Eu era muito aquele tipo de pessoa que se preocupava com o que as pessoas poderiam pensar ou falar. Nunca pensei em dançar de dama na minha cidade [Casinhas, Pernambuco], porque todos me conhecem e poderiam me olhar diferente.”

Depois de ouvir coisas do tipo “a cidade não está preparada para isso”, Dárcio percebeu que não era exatamente Casinhas que precisava estar preparada para a visibilidade de gays e trans nas quadrilhas, mas sim o público que deveria entender que esses sujeitos sempre estiveram lá. “Já dancei como dama, cavalheiro, mas hoje me vejo muito mais como dama. Tem um trocadilho que meus amigos usam, o São João é trans, o São João transborda. Transborda de brilho, alegria, entusiasmo, de acolhimento.”

Eduardo Santos, 26, quadrilheiro desde criança, começou a dançar profissionalmente em 2019 ao lado do seu namorado Vinícius Bertocini, 23, educador físico. Ambos encontram nos festivais juninos um espaço para externar histórias, conquistas e anseios. “Hoje podemos ver muitos homens cisgêneros dançando como damas, além de pessoas transexuais, não é algo impactante. O público está entendendo esses espaços culturais como um meio de diversidade de pessoas LGBTQIA+”, pontua Eduardo.

Os namorados Vinícius e Eduardo se apresentam juntos em quadrilhas, mas não ainda como um casal. Crédito: Arquivo Pessoal

Apesar de perceber estas evoluções, Vinícius acredita que ainda existe um preconceito enraizado no meio junino. “Temos um certo receio de dançar juntos, como um casal, apesar da maioria das damas do ciclo juninos serem gays, travestis ou trans. Já interpretei vários personagens masculinos, inclusive Lampião, que é símbolo de virilidade, mas foi como dama que me senti aceito, como realmente sou”.

Pandemia e os festivais juninos

Com a pandemia da Covid-19, decretada em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde, os quadrilheiros, assim como toda a sociedade precisaram adaptar suas atividades. Já são dois anos sem as tradicionais festas juninas, que reúnem pessoas e todo o Brasil para celebrar a cultura e a diversidade. Com medidas rígidas de distanciamento físico e quarentena, quadrilheiros de todo o país, realizam até o fim deste mês arraiais totalmente digitais, com transmissão ao vivo (lives) no Instagram e Youtube. Dárcio Fernandes explica que foi uma maneira de se adaptar e manter viva a festa. “Mesmo sem ser presencial, com contato direto com o público, não deixamos a tradição parar.

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* Matéria produzida pelo projeto de extensão Reportagens Especiais do Observatório da Vida Agreste (OVA), parceiro da Marco Zero Conteúdo. O OVA está ligado ao Curso de Comunicação Social da UFPE do Centro Acadêmico do Agreste (CAA).

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