Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Salários atrasados, demissões e assédio moral na rotina da agonizante mídia tradicional em Pernambuco

Giovanna Carneiro / 04/05/2021
Imagem de jornais

Fundado no ano de 1825, o Diário de Pernambuco é o jornal mais antigo em circulação na América Latina. O lema “rumo aos 200 anos”, que agora estampa a primeira página do jornal, traz uma conotação de orgulho que contrasta com a dura realidade enfrentada por profissionais que trabalham no veículo.

De acordo com as denúncias feitas ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco (Sinjope) e expostas por meio de uma carta aberta, publicada no dia 24 de abril, a soma dos salários atrasados equivale a seis meses de serviços prestados por jornalistas, diagramadores e demais profissionais que atuam no jornal. Alguns jornalistas estão com os salários de 2019 em atraso e os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não estão sendo realizados pela empresa.

Com salários atrasados, mais demissões e uma carga horária de trabalho pesada, a situação dos jornalistas do Diário não é um caso isolado. Muito pelo contrário. Os veículos de comunicação mais tradicionais de Pernambuco sofrem uma crise financeira e funcionários se queixam das consequências há anos.

“É um problema antigo, que tem se agravado nos últimos anos. O pior de tudo é que mesmo nessas condições, os jornais continuam circulando diariamente. Os jornalistas seguem alimentando a máquina que os empresários precisam e que é responsável por essa desvalorização da categoria”, afirmou o presidente do Sinjope, Severino Júnior.

De acordo com o sindicalista, a situação tem piorado com a aprovação das novas medidas provisórias do Governo Bolsonaro, que permitem a redução das jornadas de trabalho e dos salários dos trabalhadores. Criada no início da pandemia da covid-19 e reeditada em abril deste ano, a MP 1045/21 permite a suspensão de contratos e flexibiliza as leis trabalhistas, com a justificativa de assegurar a manutenção de empregos.

As empresas de comunicação, por sua vez, aproveitam a medida provisória precarizando ainda mais a situação de jornalistas, editores, fotógrafos e até estagiários. Não bastasse o atraso de salários, os funcionários agora precisam lidar com a redução de seus vencimentos. Ou seja, as empresas atrasam meses de salários e pagam – quando pagam – os valores reduzidos.

A quantidade de horas trabalhadas também estão sendo diminuídas para baixar ainda mais os salários: há casos de editores ou profissionais em cargos de chefia que chegavam às 6h e largavam às 13h, mas agora só tem de encerrar o trabalho às 11h. Assim, escalonamento de repórteres e estagiários precisam ser modificados para dar conta das demandas do jornal que, antes, eram de responsabilidade desses editores.

“Os horários dos estagiários tiveram que ser adaptados porque reduziram o expediente de repórteres e editores mais uma vez”, afirmou um estagiário de outro jornal diário recifense, que pediu para não se identificar. De acordo com ele, essa é a segunda vez que as jornadas são reduzidas. No início da pandemia, além das reduções de cargas horárias, diversos profissionais celetistas foram demitidos.

Paralisação frustrada

“A situação é tão extrema que você chega a não ter perspectiva nenhuma, você simplesmente acha que está trabalhando e empurrando com a barriga. Esse momento de pandemia já traz essa sensação de falta de perspectiva de uma forma geral e trabalhar nessas condições intensifica ainda mais. Você sabe que vai trabalhar e dar o seu melhor, mas não vai ser reconhecido”, afirmou uma jornalista que já atuou como repórter tanto no Diario de Pernambuco quanto na Folha de Pernambuco nos últimos anos. 

A fim de expor a situação e reivindicar os seus direitos, os profissionais do Diario de Pernambuco tentaram articular uma paralisação e, assim, conseguir negociar com a empresa de forma mais direta. Porém, após serem pressionados de diversas maneiras pela diretoria, os jornalistas voltaram atrás.

“Nós montamos uma assembleia para instaurar uma paralisação, passamos um dia sem trabalhar. Mas, os editores voltaram ao trabalho depois de serem ameaçados pela diretoria. Havia até uma reunião marcada, mas, depois da volta dos editores, não houve mais negociação. A gente voltou a trabalhar como se nada tivesse acontecendo”, declarou uma jornalista que trabalha no Diario.

As tentativas de protesto e de busca por algum tipo de resposta por parte das empresas se transformaram em rotina. Segundo o presidente do Sinjope, as denúncias de atraso de salários e demissões em massa são comuns, principalmente contra as empresas Diario de Pernambuco, Folha de Pernambuco e Jornal do Commercio.

“A situação é antiga e grave, durante as assembleias já ouvi histórias tristes como a de um colega jornalista que precisou vender o berço do filho para poder comprar o leite da criança porque estava há meses sem receber. Não é um caso isolado”, disse Severino.

Na tentativa de diminuir a crise financeira, os jornais têm optado por cortar o quadro de funcionários celetistas e contratar prestadores de serviço, assim, os custos com os benefícios das leis trabalhistas diminuem e os funcionários perdem direitos fundamentais. De acordo com o Sinjope, atualmente,18 funcionários do Diario, incluindo editores, subeditores, diagramadores e repórteres são celetistas e outros 29 são prestadores de serviço, os chamados “PJ”.

Outro fator que colocou os jornalistas de Pernambuco em uma situação ainda mais crítica nos últimos anos foi a diminuição na venda dos jornais impressos e o aumento do consumo de notícias online. À prova disso estão as frequentes demissões no Jornal do Commercio e o cancelamento da edição impressa do jornal, que passou a ser completamente online a partir de março deste ano.

Diferente do que se imagina, a produção nos jornais não diminui junto com o aumento da crise e a redução no quadro de funcionários. O resultado, na verdade, é o aumento de demandas e da carga horária daqueles que ainda continuam trabalhando nos veículos de comunicação.

“Eu tenho tendinite crônica. Minha fisioterapeuta teve que fazer um laudo para que eu não trabalhasse nos fins de semana. O ritmo de trabalho era muito pesado porque iam demitindo gente, mas as demandas não diminuíam. Eu tinha que produzir para o impresso e também para o online”, declarou uma jornalista que atuou como editora no Diario de Pernambuco. Em 2013, a profissional passou boa parte do ano afastada do trabalho, pois desenvolveu uma hepatite medicamentosa devido a grande quantidade de remédios que ingeriu para aliviar as dores.

O caso da Rede Tribuna

A crise não é exclusividade do jornal impresso. No dia 23 de abril, poucos dias antes de publicar a carta aberta em defesa dos profissionais que trabalham no Diario de Pernambuco, o Sinjope publicou uma nota denunciando o que estava acontecendo na Rede Tribuna de Comunicação. De acordo com o sindicato, os profissionais também enfrentam problemas com o atraso de salários. Além dos riscos que os jornalistas correm diariamente ao trabalhar na rua durante a pandemia.

“A Tribuna costumava pagar bem os seus funcionários, mas o Grupo Nassau [indústria de cimento], que administra a empresa, começou a enfrentar problemas financeiros e isso refletiu no veículo”, declarou o presidente do Sinjope, Severino Júnior. De acordo com o sindicalista, a situação está se agravando e colegas que trabalham em emissoras concorrentes, como a Rede Globo, estão realizando campanhas de arrecadação para doar ajuda aos funcionários da TV Tribuna.

Severino afirmou, ainda, que diante de tantos casos de violação de direitos, o Sinjope tem negociado as medidas de denúncia e manifestação contra as empresas de comunicação junto com a categoria de jornalistas e todas as decisões são tomadas pelos profissionais. “O sindicato não tem autonomia para fazer nenhuma denúncia ou decretar greve, todas as decisões são tomadas pelos jornalistas e mediadas por nós”, disse.

No caso da Rede Tribuna, os funcionários optaram por apresentar uma denúncia ao Ministério Público e decidiram continuar trabalhando mesmo com os salários atrasados.

Sem solução nem melhora à vista

Os casos do Diario de Pernambuco e da TV Tribuna são apenas dois exemplos, de uma crise local, provocada por problemas de gestão, levada ao extremo por fatores globais que inviabilizam o modelo de negócio de vários veículos tradicionais que viram boa parte da verba verba publicitária que irrigava suas receitas ser drenada pelos gigantes da internet como o Facebook e o Google. Assim, para os profissionais dos veículos locais, essa parece ser uma crise expectativas ou sinais de melhora.

O Diario de Pernambuco trocou de administração com frequência. Por muitos anos, a empresa fez parte do Diários Associados, uma corporação de mídia poderosa na imprensa brasileira na segunda metade do século XX. Depois, foi arrendada ou vendida diversas vezes, passando pelas mãos da família do empresário Eduardo Monteiro, hoje um dos donos da Folha de Pernambuco, depois pela HapVida, Grupo R2 (dos irmãos Alexandre e Maurício Rands), e agora está sob responsabilidade do advogado Carlos Frederico de Albuquerque Vital, que administra o veículo desde 2019.

As mudanças não amenizaram a crise enfrentada no cotidiano pelos funcionários, Desde 2016, os relatos de demissões, falta de pagamento, exploração da mão de obra e assédio moral são constantes.

“Eu lembro que meu filho tinha acabado de nascer, eu estava de licença maternidade, e recebi ligações de colegas dizendo que não poderiam ir me visitar porque estavam muito tristes e preocupados, porque tinham sido demitidos”, declarou uma jornalista que atuou no Diario de Pernambuco de 2014 até 2020.

Para essa jornalista, que também já foi repórter do Jornal do Commercio e da Folha de Pernambuco, tão prejudicial e frequente quanto o atraso de salários e as demissões eram os assédios morais que os profissionais sofriam na redação. “A gente ficava ouvindo indireta o tempo todo da diretoria. Eles diziam: ‘tem muita gente que queria ter o seu emprego’, ‘você nunca vai arranjar algo melhor’. Isso me afetava demais, hoje eu me pergunto como suportei por tanto tempo”, disse.

Até o momento da publicação desta reportagem, a Marco Zero tentou entrar em contato com integrantes da diretoria das empresas TV Tribuna e Diario de Pernambuco para saber o posicionamento de ambas diante dos casos expostos e denunciados pelo Sinjope e pelos seus funcionários e funcionárias. No momento em que obtivermos retorno, o texto será atualizado imediatamente.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.