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Francis Herbert, presidente do Satenpe. Foto: MCS/MZC
Vinte e quatro horas depois do protesto que travou o Recife (como anunciaram as manchetes dos jornais), o clima era de calmaria no Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos da Saúde em Pernambuco (Satenpe). Foi o mais longo e mais midiático ato entre os sete que o sindicato já promoveu desde dezembro de 2016, quando foi oficializado pelo extinto Ministério do Trabalho e Emprego. O protesto na Av. Agamenon Magalhães na quarta-feira passada durou quase 12h e terminou em confusão com o Batalhão de Choque e condução à delegacia do presidente do Satenpe, Francis Herbert.
No dia seguinte, a modesta sala no oitavo andar do edifício Pasteur, na Avenida Conde da Boa Vista, contava com alguns diretores e o presidente do sindicato, à espera do oficial que entregaria a notificação do Tribunal de Justiça de Pernambuco suspendendo a greve que já durava 14 dias dias.
Com táticas mais contundentes – a de fechar a principal avenida de ligação entre Zona Norte e Zona Sul do Recife sendo a mais vistosa delas – o Satenpe demorou quase duas décadas (com direito a mudança de nome – antes, era o Sindate – e CNPJ) para ser reconhecido oficialmente como sindicato.
Por enquanto, só participou de convenção coletiva de trabalhadores da rede de saúde privada. Quem ainda tem mais peso nas mesas de negociações com o governo é o Sindsaúde, o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Seguridade Social de Pernambuco.
Há uma explícita e pública rixa entre os dois sindicatos. O Satenpe acusa o Sindsaúde de ser pró governo, aceitar o jogo político e não defender a pauta dos trabalhadores. É chamado pelos diretores apenas de “sindicato genérico”.
Já o Sindsaúde questiona a legitimidade e as táticas do Satenpe. No final da noite do domingo (16), divulgou uma nota oficial de repúdio contra “a forma utilizada, para suspensão do ato de bloqueio do trânsito, ocorrido em frente ao HR”.
Nem de longe se trata de uma nota de solidariedade. É uma série de críticas ao Satenpe, acusado de ludibriar novos concursados para os protestos com falsas promessas – como a garantia de não suspensão dos pontos durante a greve, por exemplo. Tem até ironia e a acusação, sem provas, de que o Satenpe pagou manifestantes.
(Um trecho: “Que greve permanente em semáforo, não é greve geral, pois é ato localizado, e, por ser em semáforo, estaria mais pra greve do DETRAN, não da saúde”)
Diretor da primeira Geres do Sindsaúde, Jássimo Bartolomeu dos Santos dispensa a diplomacia ao falar do Satenpe. Acusa o sindicato de ter fins eleitoreiros. Minimiza as manifestações e a adesão à greve. “Os hospitais estavam funcionando normalmente. Tinha meia dúzia de pessoas nesse protesto”, diz. O Satenpe calculou em 600 os participantes ao longo do dia.
“Eles não têm nenhuma representatividade com os funcionários estaduais. Só atuam mesmo no setor privado. Esses protestos são só para aparecer, fazer ‘gordura’. Tudo isso que eles estão pedindo já estamos negociando com o governo”, continuou o diretor do Sindsaúde.
No dia seguinte ao protesto, enquanto a Marco Zero entrevistava o presidente do Satenpe na sede do sindicato, eram representantes do Sindsaúde que estavam reunidos com o governo para discutir as pautas da categoria – em reunião convocada pelas secretarias. “O governo negocia com a gente. Com o Satenpe, ele só recebe”, cutucou Jássimo.
O Sindsaúde – que antes representava todos os profissionais da saúde, com exceção dos médicos – afirma ter 10 mil filiados, mas não precisa quantos são auxiliares e técnicos de enfermagem. O Satenpe diz contar com 6,2 mil, mas não precisa quantos são funcionários estaduais. “Somos o maior sindicato de auxiliares e técnicos de Pernambuco. O sindicato genérico deve ter só uns 500 da nossa categoria”, calcula Herbert, presidente desde a atual configuração do Satenpe, há dez anos.
Há também divergências político-partidárias. Os dois sindicatos são filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), historicamente ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT). Francis Herbert inclusive saiu candidato a deputado federal pelo PT em 2018, mas são políticos do Psol que aparecem nos protestos e no site do Satenpe. “Estou me desfiliando do PT porque não acredito em partido que não defende o trabalhador”, afirma Herbert, que despista sobre sua ida ao Psol.
A procura pelo Satenpe e seu estilo mais aguerrido tem explicação no amontoado de xerox de contra-cheques em cima da mesa do secretário-geral Magdiel Matias. A insatisfação é enorme: há dez anos estão sem aumento.
O salário base de auxiliar e técnico em enfermagem no governo é baixíssimo: R$ 774,82. Como o salário mínimo é acima desse valor, o governo é obrigado a completar a diferença. Muitos colecionam empréstimos descontados em folha. “Eu mesmo pedi exoneração em 2012, depois de 10 anos no estado. O salário é muito baixo”, lamenta Magdiel.
Os relatos de falta de medicamentos, de péssimas condições de trabalho e de esgotamento físico e mental se multiplicam a medida que filiados chegam ao sindicato para saber notícias da greve. “Esparadrapo hoje em dia é só usado em pobre. Hospital particular tem fita de microporo. Até isso está faltando. Os próprios técnicos é que tiram de um hospital e levam para outro. Se não fizerem isso, não têm como trabalhar”, afirma Magdiel.
No Hospital Regional de Limoeiro, há denúncias de falta de ar condicionado no bloco cirúrgico. No Hospital Getúlio Vargas, de que a estrutura física está ruindo.
Em quase todos os hospitais está presente a figura dos “plantões extras”: auxiliares e técnicos, com ou sem vínculo com o estado, que dão plantões informais. “Uns recebem em dinheiro do próprio coordenador, outros recebem em depósito na conta. O pagamento chega com 30, 60, até 90 dias. É uma esculhambação”, diz Magdiel. O Satenpe prepara um dossiê com as denúncias para entregar ao Tribunal de Contas do Estado e ao Ministério Público de Pernambuco.
Em nota à Marco Zero, as secretarias de Administração (SAD) e de Saúde (SES) afirmaram que se reuniram em quatro ocasiões com o Satenpe nos últimos meses.
“Em todas as mencionadas reuniões, o Satenpe recusou as proposições governamentais, assim como rejeita a composição de mesa permanente de negociação com o governo, para elaboração de pauta conjunta a ser implementada tempestivamente. Mesmo assim, o governo continua a reafirmar sua disposição para o diálogo franco e permanente”.
A nota diz que o governo se reúne com o “Satenpe, o Sindsaúde e com dezenas de outras entidades representativas de classe que compõem o corpo do funcionalismo estadual”. E que o governo adota a postura de respeitar “os debates entre as respectivas entidades sindicais e/ou classistas, para os assuntos que lhes sejam devidos, sem prejuízo do espaço de fala junto aos órgãos públicos.”
Sobre auxiliares e técnicos que recebem menos que o salário mínimo, o governo afirma que atinge “alguns poucos cargos”, “aplicado exclusivamente aos servidores recém contratados”. “No entanto, mesmo esses não recebem abaixo do mínimo uma vez que todos possuem gratificações que, somadas ao vencimento base, totalizam valores superiores. Ainda assim, a revisão dos planos de cargos e as tabelas salariais estão sendo objeto de discussão das reuniões citadas”, continua a nota.
No Satenpe, o enfrentamento com o Batalhão de Choque é visto como um ato de intimidação do governo estadual – pouco antes o presidente do sindicato estava reunido com representantes das secretarias de Saúde e Administração. Dois pontos foram colocados como prioridade pelo Satenpe para o fim daquela mobilização: o pagamento do adicional noturno e da insalubridade (já incorporada em alguns plantões) para todos os auxiliares e técnicos.
Na reunião, o governo afirmou que ia estudar se o aumento financeiro iria ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Se fosse legalmente permitido, as duas demandas seriam consentidas. Mas no documento entregue para assinatura do sindicato tinha uma casca de banana: não havia garantia que as faltas pela greve não seriam descontadas do salário, nem que os funcionários ficariam livres de processos administrativos. O documento não foi assinado.
Ao voltar para a Av. Agamenon Magalhães – a essa altura, por volta das 19h30, o protesto ocupava apenas uma faixa da pista local – Francis já encontrou a Polícia Militar em formação. Uma auxiliar mais exaltada foi tirar satisfação com os policiais, o que serviu de estopim para o avanço da ação policial.
“Fui raptado”, é assim que Francis Herbert define sua condução à Central de Flagrantes, em Santo Amaro. “Os policiais estavam com toda a minha ficha. Sabiam meu nome, como eu era, minha função, tudo”, conta. Um filho dele, ao tentar impedir a prisão do pai, foi contido por um policial. “Deram um mata leão e ele chegou a desmaiar”, afirma Herbert.
Na delegacia, ele assinou um Termo de Circunstanciado de Ocorrência (TCO, para infrações de menor relevância) e foi liberado após três horas. “Mesmo eu sendo advogada e apresentando minha OAB, os policiais não me informaram a delegacia que ele ia, nem o motivo de ele estar sendo detido (na delegacia, foi informado o delito de “desobediência à decisão judicial”). Um oficial me mostrou apenas uma foto da assinatura de um documento judicial, onde não dava para ler o teor”, reclamou a diretora jurídica do Satenpe, Gabriella Torga.
Apesar das tentativas de deslegitimação, o Satenpe pretende continuar com as mobilizações. “O governo do estado quer criar uma ideia de que a saúde está indo bem. Não está. Há muitos profissionais com depressão, com síndrome de burn out (esgotamento físico e/ou mental), há inclusive casos de suicídio. Não podemos ficar calados e manter essa farsa”, reage Francis.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org