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Sem diálogo com a comunidade, Prefeitura do Recife confirma remoção de casas para ponte Casa Forte-Cordeiro

Raíssa Ebrahim / 04/09/2025
A foto mostra uma vista aérea da comunidade de Santana, no Recife. As casas estão dispostas de forma densa e irregular, com telhados de cerâmica em tons terrosos. À esquerda, aparece uma área verde com árvores frondosas que contrasta com a urbanização. Também se destaca uma quadra poliesportiva colorida, cercada por grades, usada pela comunidade. No canto inferior direito, há uma rua mais larga com edificações maiores e outras árvores. Ao fundo, vê-se o entorno da comunidade, com mais vegetação e construções espalhadas. A cena transmite a ideia de forte adensamento urbano combinado com espaços de convivência e lazer.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo

A Prefeitura do Recife confirmou que a construção da ponte Casa Forte-Cordeiro removerá casas da comunidade de Santana. A gestão iniciou o levantamento de imóveis na área e já marcou algumas residências, mas afirmou que ainda não há definição sobre a quantidade de casas que serão retiradas. As obras estão previstas para começar no primeiro semestre de 2026.

O silêncio da prefeitura perante os moradores tem gerado medo e tensão desde as eleições de 2024, quando o prefeito João Campos (PSB) anunciou a obra como promessa de campanha.

Apesar de sucessivos pedidos de informações e solicitações de reuniões e participação na concepção do projeto, o diálogo com a comunidade só será realizado no período de publicação do edital, segundo a prefeitura. Ou seja, quando o projeto já estiver finalizado e sem possibilidade de alterações.

É quando, segundo nota enviada à Marco Zero, “os moradores terão a oportunidade de conhecer os detalhes do projeto, esclarecer dúvidas e acompanhar de perto as etapas da obra”. Atualmente, o projeto encontra-se em fase de revisão e deverá ser concluído até o mês que vem. Em seguida, até o fim de 2025, será realizada a publicação do edital de licitação.

A obra pretende conectar Casa Forte e bairros vizinhos da zona norte a Boa Viagem, na zona sul, num fluxo mais curto, passando pelas avenidas General San Martin e Recife, sem precisar passar pela avenida Agamenon Magalhães. A ponte é parte da terceira perimetral da cidade, corredor viário planejado desde a década de 1980.

Parte das 800 famílias que vivem em Santana acompanharam de perto o trauma vivido por diversos moradores no bairro ao lado, com a construção da ponte Engenheiro Jaime Gusmão, inaugurada em agosto do ano passado. Também ligando as Zonas Norte e Oeste, conectando Monteiro à Iputinga, a obra causou desapropriações e pagamento de indenizações de baixo valor. Relembre aqui.

A foto mostra uma rua estreita e pavimentada da comunidade de Santana, vista em perspectiva baixa, bem próxima ao chão. Em primeiro plano, aparece uma calçada desgastada e quebrada, com rachaduras no cimento. Nela há uma marca de tinta vermelha em formato circular, feita de forma improvisada, como uma espécie de sinalização. O meio-fio também está danificado, com parte exposta de ferro ou arame. Mais ao fundo, a rua segue entre casas e muros, com algumas plantas em vasos e objetos espalhados. A cena transmite a ideia de descuido na infraestrutura e chama atenção para as marcas vermelhas, que sugerem algum tipo de intervenção planejada.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero Conteúdo

A reportagem mostrou, em abril, a angústia das famílias de Santana por não saberem se serão obrigadas a deixar suas casas e histórias, seus comércios e laços comunitários, o que pode impactar diretamente rotinas e fontes de renda.

Após pressão, o único encontro formal que a comunidade conseguiu com a prefeitura, desde as últimas eleições, foi uma reunião com a Autarquia de Urbanização do Recife (URB), em outubro de 2024. O que os representantes de Santana ouviram foi basicamente que não seria possível ainda participar da então fase de estudo de viabilidade da ponte.

Uma questão que pesa nessa conta é a ausência de regularização fundiária. Como a maioria das famílias não possui título de propriedade com registro em cartório de imóveis, o valor pago é apenas o da benfeitoria, não incluindo o terreno.

No ano passado, o Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) e o mandato do ex-vereador Ivan Moraes (PSOL) publicaram uma atualização da nota técnica “(Des)política habitacional do Recife”, lançada em 2023, que apresenta um panorama dos despejos no Recife entre 2013 e 2023. O documento destaca a quantidade de remoções, os valores de indenização e casos emblemáticos.

Segundo o levantamento, quase 70% das indenizações não ultrapassaram R$ 50 mil. O maior percentual (31%) ficou entre R$ 20 mil e R$ 50 mil, valor insuficiente para a aquisição de novas moradias na cidade.

Como alternativa, a prefeitura pode também conceder auxílio-moradia, de R$ 300, enquanto a família aguarda uma unidade habitacional. Esse valor dificilmente paga um aluguel na cidade, mesmo em áreas periféricas — ainda mais em Santana, rodeada de bairros nobres e que passa por valorização imobiliária na última década, sob influência do Parque Santana.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com