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Sem verba prometida, pesquisadores investem dinheiro próprio para estudar impactos do petróleo

Raíssa Ebrahim / 17/09/2020
voluntários limpam petróleo em itapuama

Praia de Itapuama, Litoral Sul de Pernambuco, em outubro de 2019. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Em outubro do ano passado, poucos dias após as imagens de voluntários retirando petróleo cru de Itapuama, Litoral Sul, chocarem o Brasil, o Governo do Estado anunciou um edital emergencial de R$ 2,5 milhões para analisar os impactos do maior desastre do tipo no Oceano Atlântico Sul.

O governador Paulo Câmara (PSB) reuniu secretarias, pesquisadores e cientistas e, através da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe), 12 projetos foram selecionados. Foi um gol e um aceno político importante da gestão diante da omissão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A maior parte da verba, no entanto, nunca chegou aos laboratórios e pesquisadores seguem bancando trabalhos por conta própria.

Governador Paulo Câmara (PSB) reunido com secretários, pesquisadores e cientistas em outubro de 2019 (crédito: site Facepe)

Até o momento, a Facepe só pagou R$ 355.952,00, entre fevereiro e agosto de 2020, segundo consta na resposta obtida nesta quinta-feira (17) ao Pedido de Acesso a Informação (PAI) feito pelo jurídico da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP) e ao qual tivemos acesso.

Esse valor, aliás, é quase 4,5 vezes menor – e, portanto, bem diferente – que os dois terços (R$ 1,6 milhão) ditos pela direção de inovação da Facepe em entrevista à Marco Zero Conteúdo. Saiba mais sobre a entrevista ao final da matéria.

Esse dinheiro é referente às bolsas dos estudantes. Mas de pouco adianta, segundo os professores, ter bolsas se os alunos não têm insumos, equipamentos, transporte e diárias para ir a campo. Pesquisas e monitoramentos importantes sobre mangues, pescados e restauração de ecossistemas estão prejudicados.

“Eu e vários professores tiramos dinheiro do nosso próprio bolso para atender principalmente alunos de mestrado, desde a própria ida a campo, junto com as diárias, até insumos pequenos como formol, potes e vidraria de laboratório”, conta Mauro de Melo Júnior, do Laboratório de Ecologia do Plâncton da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Recentemente, juntamente com a liberação das praias, a UFRPE também começou a colocar verba própria para auxiliar os pesquisadores.

A pesquisa que Mauro coordenada, sobre biorremediação, restauração e monitoramento de ecossistemas costeiros impactados pelo petróleo, envolve nove laboratórios. Segundo ele, cinco projetos de mestrado estão associados às pesquisas em questão no Programa de Pós-graduação em Ecologia. Muitos trabalhos estão tendo que ser adaptados ou ter temas mudados, inclusive no doutorado.

“Estamos vendo como usar os estudantes para outras ações, desde o planejamento do que fazer quando sair a verba até direcioná-los para outros projetos”, explica. “Estamos, por exemplo, avaliando mudar o projeto de uma aluna que tem bolsa de mestrado da Facepe porque não há como realizar as pesquisas, já que o projeto dela envolvia experimentos”, detalha.

Na avaliação do docente, parte do recurso público gasto está sem utilidade e, ao final, o objetivo de compreender os impactos do petróleo não está sendo atingido.

O projeto coordenado por Carlos Perez, sobre o impacto na cadeia alimentar dos manguezais e recifes de coral e suas consequências nos serviços ecossistêmicos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em Vitória de Santo Antão, só deve se desenvolver em 30% do pretendido – e graças ao esforço e o dinheiro dos professores envolvidos.

Eles se juntaram para bancar duas coletas, uma no início do ano e outra esta semana. O problema é que elas deveriam ser trimestrais. Parte do trabalho também foi atrapalhada por conta da pandemia da Covid-19, que impediu a realização de algumas etapas. Sobre o pagamento das bolsas, Carlos comenta que, apesar de pagas, “cada uma tem um plano de trabalho e um projeto, que é baseado nos recursos”.

“Por um lado, fiquei surpreso porque dava a entender que o recurso estaria certo. Por outro, fiquei decepcionado porque investimos tempo para montar um projeto e um time. E aí o projeto é aprovado, mas não pode ser desenvolvido com a qualidade prevista. Estamos fazendo o máximo que podemos para ter um resultado mínimo, mas longe do planejado”, lamenta.

Rosângela Lessa, do Laboratório de Dinâmica de Populações Marinhas da UFRPE, também aguarda a liberação do terço restante do dinheiro da Facepe. Apesar de os bolsistas estarem sendo pagos e terem um plano de trabalho, o projeto de monitoramento de médio prazo dos efeitos do petróleo sobre os recursos pesqueiros no estado não está acontecendo da forma que o grupo gostaria. Foi necessário fazer composição com outros projetos, o que aconteceu graças ao fato de eles terem laboratório.

Como já faz um ano do início do vazamento, ficou difícil analisar espécies de ciclo de vida mais curto, como a agulinha. Serão então priorizadas espécies de ciclo de vida mais longo, como o peixe serra, de alto valor comercial. O objetivo é saber se o petróleo alterou as dinâmicas populacionais desses animais.

“Há prejuízos, mas não é a primeira vez que temos projeto aprovado e o desembolso ocorre bem mais tarde. Entendo que é uma questão de disponibilidade de financiamento. A pesquisa não está sendo muito priorizada neste momento. Lamentamos muito, mas estamos fazendo o melhor que podemos e vamos aguardar. Não recebemos nenhum comunicado de que não haverá mais o financiamento, até porque o termo de outorga já foi assinado”, espera Rosângela.

No Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep), o projeto coordenado por Adélia Araújo, de implementação de serviços tecnológicos especializados em análise de hidrocarbonetos em matrizes ambientais e pescados, não foi posto em prática. Como ele não tinha bolsistas, contava com a equipe própria do laboratório, então não chegou nem a sair do canto.

O laboratório de Adélia é referência na análise de resíduos em alimentos. Na fase aguda do vazamento, se adaptou para analisar também água e sedimentos e foi quem prestou esse serviço especializado para a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) na época. O grupo participou do edital com o objetivo de trabalhar também com análise de hidrocarbonetos e pescados em apoio a ações emergenciais e de longo prazo no estado. Na prática, Pernambuco segue sem um laboratório desse tipo caso outros desastres, naturais ou provocados, aconteçam.

“A demanda praticamente acabou. Infelizmente é como tratamos o meio ambiente em todo o país. Não há preocupação em monitorar, fazer ações preventivas, ter estrutura montada para socorrer se algo acontecer”, diz a professora. A docente comenta ainda que, quando a verba for liberada, será preciso sentar e discutir se é necessário realmente montar esse tipo de serviço no momento no Itep.

Apesar da crítica ao baixo financiamento e atenção à ciência no Brasil, Adélia afirma que também entende a mudança de prioridade por conta da urgência da pandemia e da falta de recursos.

Passa ou repassa no governo

Desde a publicação do especial sobre um ano do incidente do petróleo, no início deste mês, a reportagem da Marco Zero Conteúdo vinha buscando respostas do Governo de Pernambuco. O presidente da Facepe, Fernando Jucá, disse que não iria se pronunciar por se tratar de uma questão financeira. O novo secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado, Lucas Ramos, por sua vez, enviou uma nota à reportagem que sequer mencionava o vazamento. Falava apenas de novos editais e esforços da Facepe.

A secretaria da Fazenda, comandada por Décio Padilha, nos encaminhou para a vice-governadora, Luciana Santos, que nos remeteu ao secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, José Bertotti. Ele adiantou sobre a previsão de liberação do dinheiro “em breve”, justificando a situação de contingenciamento da pandemia e as prioridades diante também da baixa arrecadação.

Buscamos então a diretora de inovação da Facepe, Aronita Rosenblatt, para quem “os projetos não estão parados porque as bolsas estão sendo pagas regularmente”. Ela explicou que a Facepe fez o que cabia dentro do orçamento, implementando as bolsas. Além disso, disse que o passível de restos a pagar que ficou do ano anterior foi muito grande, prejudicando o desembolso.

Aronita também está na expectativa de que o dinheiro restante não demore para ser liberado e frisou que os novos editais da Facepe estão sendo programados para entrarem no cronograma financeiro do ano que vem só. “Não vamos comprometer nada mais este ano”.

Confira aqui a cobertura completa do petróleo.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com