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“Sou uma mulher de 40 anos que tem medo da chuva”

Elivaneide Nunes, mulher negra, fotografada em close, olhando para cima, em um ambiente escuro, com seus rosto parcialmente iluminado.

crédito: Arnaldo Sete/MZ

Em meio ao luto que completou um ano e à lama que se forma com a chegada das chuvas, muitas mentes não dormem e corações não sossegam. “Eu tenho até vergonha de falar isso, porque parece muito dramático, mas é a realidade: sou uma mulher de 40 anos que tem medo da chuva.” Elivaneide Nunes estava dormindo na manhã de 7 de junho de 2022 quando foi “engolida pela própria casa”, na Linha do Tiro, zona norte do Recife, onde estava com o marido e os filhos, Lucas Daniel, de 13 anos, e Arthur, de 8 anos. O mais velho não sobreviveu.

Em Coqueiral, na zona oeste da capital, a possibilidade de uma nova cheia virou o maior medo de John Arthur Chagas, de apenas 12 anos. Em 28 de maio do ano passado, ele sobreviveu à forte correnteza formada com o transbordamento do rio Tejipió. Depois do resgate arriscado, feito por voluntários da igreja, o menino ficou em pânico sem conseguir entrar em casa quando o nível da água baixou.

Até hoje, Arthur não esquece. Virou “garoto meteorológico”, acompanhando a previsão do tempo e o nível da água sempre que começa a chover. O barulho da chuva, que antes embalava o sono, mesmo no verão, com o som no celular ou no tablete, virou motivo de ansiedade, enjoo e ânsia de vômito. Nem ele nem a mãe, Fabiana Chagas, dona de casa e vendedora de lanches, conseguiram apoio psicossocial por parte do poder público depois da tragédia.

A história de Elivaneide, Arthur e Fabiana mostra que a dor de um trauma pode nunca silenciar, mas, sem acolhimento e ajuda profissional, essa dor talvez nunca pare de gritar.

Esses são exemplos de tantas famílias que vivem na periferia ou em áreas de morros e encostas e perderam parentes, tiveram suas casas destruídas ou seus pertences perdidos com os temporais de 2022, que, ao todo, mataram ao menos 130 pessoas na Região Metropolitana do Recife.

Mas somente as chuvas não explicam o que aconteceu. A lógica de desenvolvimento e a falta de políticas habitacionais empurram a classe trabalhadora mais pobre, em sua maioria negra, para áreas vulneráveis ao mesmo tempo em que políticas de planejamento urbano e uso do solo privilegiam apenas uma pequena parte da população e do setor privado.

“Tudo que eu sonho são as recordações da tragédia”

A casa de Elivaneide, na Linha do Tiro, ficava em cima de uma barreira que deslizou após um grande volume de chuvas. Lucas, o filho mais velho, chegou a ser socorrido com vida, mas não resistiu aos ferimentos e morreu a caminho do hospital. Foi a 109ª vítima entre maio e junho do ano passado.

O depoimento do avô de Lucas, Eliziario da Silva, conhecido como Pelé, falando “não há necessidade de alguém morar pendurado em barreira” ficou bastante conhecido na internet. “Eu queria muito sonhar com o meu filho, mas, desde esse dia, eu não sonho mais. Tudo que eu sonho são as recordações da tragédia”, relata Elivaneide.

Antes do deslizamento, ela já enfrentava uma “batalha psicológica” – como ela mesma caracteriza – para superar a obesidade e o alcoolismo. Ela recorda que estava em um bom momento de recuperação antes da tragédia. “Eu estava tão bem com a minha saúde mental, estava esplêndida e aconteceu isso, a morte do meu filho. Hoje eu peso menos de 80 quilos e isso é tão gratificante”, lembra. “Ele [Lucas] me ajudou muito durante todas as minhas batalhas e eu queria muito que ele estivesse aqui para me ver agora”, lamenta.

“O primeiro Dia das Mães sem ele foi terrível. Infelizmente as pessoas não vão mais lembrar, porque vai cair no esquecimento, vai virar mais uma estatística, e, para mim, vai doer para sempre”, complementa Elivaneide. “As pessoas só vão lembrar a necessidade de dar uma casa a ‘Neide’, a necessidade de dar os móveis a ‘Neide’. Mas ninguém tem a percepção que ‘Neide’ precisa de um atendimento psicológico”, ela diz.

A dona de casa faz acompanhamento psicológico, com sessões semanais de terapia, pagas do próprio bolso. Ela não se sentiu segura com a abordagem médica e o tratamento sugerido num Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) do Recife, onde foram realizados atendimentos de apoio às vítimas dos deslizamentos.

“Encaminharam eu, minha irmã, meu esposo e meu filho mais novo para o Caps. Só que o tratamento que se dá não é voltado para o que a gente precisa. Não desmerecendo a situação, mas eu não preciso de medicação para me acalmar, para me botar para dormir e foi isso que eles me ofereceram”, explica.

Na fila de espera por acompanhamento psicológico

Elivaneide está na fila de espera aguardando acompanhamento psicológico pela Prefeitura do Recife para Arthur, o filho mais novo, que sobreviveu. “Eu consegui fazer uma casinha com o meu próprio corpo e protegi Arthur. Passei dias com as costas roxas. A médica disse que, se eu tivesse o peso que tinha antes, eu teria sufocado meu próprio filho. Só de lembrar disso, eu me emociono. Eu queria ter salvado os dois, eu queria que Lucas tivesse perto de mim também para eu protegê-lo, mas ele estava no outro quarto.”

Em nota à Marco Zero, a secretaria de Saúde do Recife afirmou que, no primeiro trimestre após as fortes chuvas de maio de 2022 – junho, julho e agosto –, a média de atendimentos dos Caps do Recife passou de 14.300 para 17.300, um aumento de 20%. No segundo trimestre após as chuvas – setembro, outubro e novembro –, esse número caiu para 14.500.

“Esses números não refletem apenas a procura por questões relacionadas às chuvas, mas compreendem todos os tipos de atendimento que a Raps (Rede de Atenção Psicossocial) oferece, como consultas individuais e em grupo, apoio psicossocial e/ou de tratamento para transtornos decorrentes de sofrimento psíquico ou do consumo abusivo de álcool e outras drogas”, frisou a pasta.

Durante as chuvas, afirma a prefeitura, foi montada uma força-tarefa, com 60 profissionais de diversas áreas da saúde mental, para oferecer atendimento psicossocial às pessoas desabrigadas. Segundo a gestão, a assistência especializada, com suporte de psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e enfermeiros, foi feita diretamente nos abrigos instalados nos oito distritos sanitários da cidade, com reforço das ações no território do Distrito VIII (Cohab, Ibura e Jordão), mais afetado pelas chuvas.

A gestão municipal disse também que, ao todo, 348 pessoas foram atendidas e aquelas que necessitaram de tratamento continuado foram encaminhadas para a rede de Caps, formada por 17 unidades. A secretaria de Saúde do Recife contabilizou que, desde maio de 2022, nomeou 111 profissionais, entre médicos, psicólogos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fonoaudiólogos e outros, para recompor a Raps do município. Além disso, repassou que tem investido na requalificação dos Caps para promover melhorias estruturais nos espaços de atendimento à população. 

A pasta levantou que os principais tipos de transtornos de estresse pós-traumático verificados nas vítimas foram ansiedade e depressão, sejam em pessoas que apresentaram sintomas pela primeira vez desde a tragédia e aquelas que agravaram um quadro pré-existente.

No dia da entrevista, Elivaneide faltou a terapia porque estava chovendo. “Quando eu estou na rua e começa a chover, fico tão nervosa. Quando chove de madrugada, eu nem durmo. E não tenho como mudar isso, vai ser sempre assim. Porque não vai parar de chover, todos os anos vai ter inverno. O que eu queria mesmo é que não existissem mais vítimas como Lucas”, desabafou.

Local onde aconteceu o deslizamento da barreira que vitimou Lucas, filho de Elivaneide, na Linha do Tiro. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Não bastassem as lembranças frequentes do que aconteceu, a dona de casa segue morando em frente ao local que deslizou. Tendo que olhar todos os dias para a barreira, que agora está sendo cimentada pela Prefeitura do Recife. O sentimento é de medo e impotência.

“Quando chegam as pedras, quando você vê os trabalhadores chegando e os entulhos descendo, vai aflorando ainda mais as lembranças, é muito difícil. E eu fico pensando: ‘para onde eu posso ir?’, se minha mãe e toda a minha família moram aqui perto e eu não tenho condições financeiras de me mudar? O auxílio que nos oferecem não é suficiente para pagar aluguel e eu sempre morei em casa própria”, reflete.

“É desumano ver que seu filho não consegue dormir”

“Quando minha mãe me trouxe para casa e a gente foi olhar a rua, eu me desesperei quando vi a correnteza e a altura da água. Eu comecei a chorar que nem doido”. Essa é a primeira lembrança do choque de Arthur, de 12 anos, filho de Fabiana, de Coqueiral, na cheia do ano passado.

Foi difícil convencê-lo a ser resgatado de dentro da casa inundada. Ele estava em pânico, com muito medo. “Quando eu consegui sair de casa e as pessoas gritaram ‘olha a pedra, olha a pedra’, eu me desesperei mais ainda. Me segurei com mais força para não cair”, conta com detalhes. A correnteza foi tão forte que arrastou, além de pedras, carros, pedaços de casas e objetos pela rua.

A frase que mais marcou Fabiana naquele momento foi o filho dizer “mãe, eu não estou vendo a nossa casa”, de tão desfigurado que ficou o imóvel. “O que eu mais repetia, na minha cabeça, a cada armário e cômoda que eu jogava fora, era ‘obrigada, Deus, eu estou botando móvel, não estou botando um caixão’”, agradece.

Desde então, a chuva se tornou o maior medo da família e isso tem atrapalhado também o desempenho educacional de Arthur, que virou uma criança mais retraída. Os bonecos articulados que ele fazia deram lugar a armas construídas com papel. “É desumano você não conseguir dormir e ver que seu filho não consegue dormir enquanto a chuva não diminui. Aí como ele vai no outro dia para escola? Como vai ficar o resultado dele? Vai continuar a vida de uma forma normal e, quando chegar no inverno, ele vai parar?”, indaga a mãe.

Fabiana com o filho, Arthur, na casa ainda com as manchas do nível da água nas paredes, em Coqueiral. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

“Eu não vou sair com ele dentro d’água. Isso eu já botei na minha cabeça. A gente começou a fazer uma estratégia de guerra, porque eu não vou deixar meu filho passar pelo o que ele passou”, garante. Fabiana já prometeu: ao menor sinal de que a chuva está apertando, vai correndo pegar o filho na escola.

Nem mesmo os Bombeiros conseguiram chegar no dia da tragédia, em 2022, porque as ondas ameaçavam virar os botes. “Ninguém tinha energia, ninguém tinha telefone, não tinha 4G, não tinha internet, não tinha nada. A gente ficou literalmente num filme de terror”, compara.

“É algo desesperador você não controlar uma angústia que vem de dentro, que lhe faz tremer, que você perde o controle do seu corpo”, descreve a dona de casa que passou por crises de choro incontroláveis enquanto esperava comida na fila da igreja entre maio e junho do ano passado.

“Eu não estou aqui para esperar que o governo ache que com R$ 2,5 mil eu vou comprar geladeira, fogão, estante, sofá, roupa”, rebate Fabiana, contando que a família passou um tempo tirando a roupa para tomar banho e se enxugando com ela, porque não tinha toalha nem lençol. A igreja Batista de Coqueiral foi o principal centro de apoio durante 30 dias para alimentação, vestuário, higiene e limpeza.

“A gente tem que se virar”

Ao longo da última década, Carla Suzarte, de 46 anos, também de Coqueiral, modificou a casa para se proteger das enchentes e evitar mais prejuízos no lugar onde ela vive há quase 30 anos. Os móveis hoje são de cimento, há cerâmica em todas as paredes e ela construiu com o marido um primeiro andar. É para lá que a família vai, junto com geladeira, fogão e móveis, quando o nível do Rio Tejipió ameaça subir. Nas chuvas de 2022, a água dentro do imóvel chegou a quase cobrir a TV na parede.

A TV que ela exibe foi comprada com uma cota que o pessoal do trabalho fez para ajudá-la. São incontáveis os móveis e eletrodomésticos que a família já perdeu por causa da água. “Sonho de anos, parcelado, que vai embora em um dia”, define a guia de turismo e artesã. Carla começa a tremer e ficar ansiosa a cada vez que a chuva aperta.

“A gente já tem um sistema nervoso, a gente não dorme. Então vem aquela ansiedade. Tem hora que eu fico no desespero, eu choro do nada”, diz, detalhando que sente falta de ar, dor no peito e dor de cabeça. “No outro dia, você também sente dor de cabeça, porque não dormiu. Fica irritada, não consegue raciocinar”, fala.

Na foto, Carla, de Coqueiral, exibe o nível que água atingiu dentro de casa, quase cobrindo a TV na parede. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

“Sou feliz porque consegui ter um imóvel e, ao mesmo tempo, triste porque, toda vez que chove, a gente tem esse desespero”, explica. Segundo Carla, esse desespero já começa quando ela precisa desmontar a casa toda. “É pior que mudança”, compara. “Além de você não dormir durante a noite todinha olhando o nível do rio, você fica com aquela adrenalina. Você não sabe onde arranja tanta força”, descreve.

Carla afirma que o posto de saúde perto de casa costuma ter somente médico clínico. O Caps mais próximo fica em Jardim São Paulo, a cerca de cinco quilômetros, e, segundo ela, só atende pacientes em situação de surto. “A gente que se virar, é com chazinho e se acostumando”, detalha. “A gente não mora em beira de rio porque quer. A gente é empurrado, a classe pobre é empurrada para esses bairros.”

Na avaliação da assistente social e coordenadora do projeto Rios Livres, Cidades Saudáveis, do Instituto Social Solidare, Géssica Dias, “o adoecimento mental é tão crônico que ele não precisa de perda fatal, eles mexe com gatilhos das vivências da família e o fato de ano passado ter sido o pior ano”. O instituto junto com a igreja conseguiu retirar cerca de 500 pessoas de situações de perigo nas chuvas de 2022.

Géssica calcula um aumento de 70% nas buscas ao instituto de famílias pedindo ajuda para encaminhamento para serviço de saúde mental. “As pessoas estão vivendo uma sobrevida, estão adoecidas, não conseguem mais lidar com os fenômenos naturais”, afirma. “As famílias estão desacobertadas e isso inclui o atendimento clínico individualizado. Nem sempre o atendimento em grupo faz sentido”, alerta.

Jardim Monteverde protesta um ano depois

O cenário ainda é desolador na comunidade de Jardim Monte Verde, no Ibura, numa área limítrofe entre os municípios do Recife e de Jaboatão dos Guararapes, onde mais de 20 pessoas morreram, sendo 12 delas de uma mesma família.

Na sexta-feira, 26 de maio, moradores e familiares das vítimas realizaram um ato em memória dos falecidos e para cobrar medidas e ações efetivas do poder público na mitigação dos danos e riscos causados pelas chuvas. A mobilização iniciou no Terminal de Jardim Monteverde e seguiu em caminhada até a rua da Capela, onde ocorreu o maior número de mortes, 17 ao todo.

Durante todo o ato, foi possível notar a dor e a tristeza dos moradores. Uma maioria de mulheres, entre 30 e 60 anos, e crianças vestidas de preto com cartazes estampando frases carregadas de cobranças, como “Quantas mortes mais vai precisar?”, ocuparam as ruas e se emocionaram ao relembrar a tragédia.

A reportagem esteve na comunidade seis meses após as chuvas para falar sobre adoecimento mental e o relato dos moradores, desde então, só piora.

“É muito triste o que está acontecendo em Jardim Monte Verde. As pessoas estão morrendo e os governantes não fazem nada, a culpa do que aconteceu é deles. O bairro está morrendo, as pessoas estão doentes. Depois do que aconteceu ano passado, muitos idosos morreram de remorso e de solidão, não aguentaram a dor. As pessoas estão se cortando, o suicídio está aí. As crianças entram em pânico quando escutam a chuva, isso não é normal”, afirmou a moradora Dalva Damares, 67 anos, ao denunciar o adoecimento mental da comunidade durante sua fala no ato.

Comunidade de Jardim Monteverde protesta um ano depois da tragédia. Crédito: Giovanna Carneiro/MZ

De acordo com os moradores, após a tragédia das chuvas, a Prefeitura de Jaboatão colocou dois psicólogos na Unidade Básica de Jardim Monteverde para prestar assistência à comunidade.

Em nota à Marco Zero, a prefeitura afirmou que “diante da situação emergencial de desastre, no ano passado, a Secretaria Municipal de Saúde reconfigurou e expandiu a estratégia de atendimento em saúde mental, visando garantir acolhimento emocional imediato à população e aos trabalhadores da prefeitura. Foi implantado um Plano Emergencial em Saúde Mental para Situações de Emergências e Desastres, com atuações voltadas tanto para o cuidado da população atingida quanto para profissionais que atuaram diretamente nessa demanda”.

“O município se antecipou e implantou rapidamente plantões psicológicos nas sete comunidades mais atingidas pelas chuvas. Com atendimento imediato, sem necessidade de agendamento prévio ou filas de espera. Atualmente quatro plantões continuam acontecendo semanalmente em três comunidades: Jardim Monteverde (dois plantões semanais), Bola de Ouro (um plantão semanal) e Dois Carneiros Baixo (um plantão semanal)”.

A Secretaria de Saúde disse que também realizou monitoramento e atendimento sistemático e/ou imediato, quando necessário, às demandas de saúde mental nos 23 abrigos utilizados; executou ações de escuta qualificada; ampliou oferta de grupos de saúde mental na atenção básica; e realizou ações específicas para a população em situação de rua.

“Com as medidas, não percebemos aumento da procura de atendimento na rede municipal. […] A média é de 130 atendimentos ao mês”, concluiu a gestão municipal. A resistência de alguns moradores em admitir o trauma e buscar apoio psicológico pode explicar a falta de aumento na procura por atendimento nas unidades de saúde.

Corina Maria da Silva, 63 anos, perdeu o filho durante os deslizamentos de 2022 no Jardim Monteverde e, até hoje, sente medo da chuva e se revolta ao lembrar da tragédia. “Não foi a primeira vez, só que dessa vez a tragédia foi maior e é culpa do descaso do governo de Pernambuco e das prefeituras. Eles dizem que têm milhões e milhões de dinheiro, mas não chegam com benefícios para nossa comunidade. Eu quero que eles tenham vergonha na cara e venham na nossa comunidade trabalhar, venham com projeto, com soluções de moradia. Porque é isso que nós queremos: moradia”, afirmou a autônoma.

Corina na área onde seu filho morreu. Crédito: Giovanna Carneiro/MZ

Bastante emocionada, chorando e com as mãos trêmulas, Corina admite que sente os efeitos do trauma, mas acredita que não precisa de acompanhamento psicológico. “Eu sou uma pessoa que eu tenho maior devoção em Deus e eu acredito que Deus me dá força para seguir em frente sem precisar de tratamento psicológico. Eu tomei um calmantezinho hoje porque isso mexe muito comigo, mas eu estou bem, estou tranquila. Porém, aqui na comunidade, tem muita gente traumatizada, tem crianças que não podem ver chuva que já começam a chorar”, disse.

Privação do sono e sensação de pânico com a chegada das chuvas são alguns dos efeitos que Corina experimenta durante o inverno. A idosa mora em um local rodeado por barreiras, próximo de onde aconteceu o deslizamento que causou a morte do filho. De acordo com Corina, a Defesa Civil chegou a notificá-la do risco e solicitou que ela deixasse o imóvel.

“No dia que começou a chover muito, eu não consegui dormir, porque eles [agentes da Defesa Civil] dizem que o meu terreno é área de risco, então, se uma barreira cair, pode derrubar uma casa e consequentemente essa casa pode derrubar a minha. […] Infelizmente eu não posso sair da minha casa sem ter para onde ir. Eles oferecem um habitacional, mas não dizem nem qual é esse habitacional. E eu não vou sair da minha casa por um auxílio-moradia que só dá para alugar casa em barreiras ou na beira do rio”, declarou.

No início de maio, o Governo de Pernambuco anunciou um investimento de R$ 52,4 milhões para fortalecer o Fundo Estadual de Assistência Social e os serviços de proteção do Estado. O valor deve ser transferido para os fundos das gestões municipais e o montante de cada administração vai variar conforme os serviços socioassistenciais ofertados por cada município.

O investimento vai contemplar as unidades de Centros de Referência da Assistência Social (Cras), com R$ 10,2 milhões, e também os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), com R$ 5,8 milhões. A partir do dia 30 de maio até dezembro, todos os municípios pernambucanos vão receber os valores pactuados.

Segundo a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, o município está “na fase de celebração de assinatura do termo de aceite com o Governo do Estado de Pernambuco e ainda não recebeu essa verba. O montante do repasse financeiro no bloco da Proteção Social de Média Complexidade Creas/Paef será de R$ 30 mil para todo o ano de 2023. Esse recurso será utilizado para custear ações já desempenhadas pelo município, não sendo suficiente para ampliar serviços, neste momento”.

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AUTORES
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Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com

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Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.