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Superintendente do Iphan assinou ofício favorável a “zeppelin” um mês antes de parecer técnico

Documento é de 22 de setembro, mas superintendente Jacques Ribemboim só se posicionou oficialmente em março

Arthur Maciel / 14/03/2024
Desenho de representação técnica e minuciosa de um edifício no estilo clássico, mostrando tanto sua fachada externa quanto suas estruturas internas, com destaque para estrutura cilíndrica no teto.

Iphan/Reorodução

A controversa decisão de liberar a construção de um restaurante em forma de zeppelin no alto de dois edifícios tombados é anterior ao próprio parecer emitido por três profissionais da coordenação técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Pernambuco. É o que indica um ofício de 22 de setembro de 2023, assinado pelo próprio superintendente do Iphan, Jacques Alberto Ribemboim, e enviado ao Centro de Integração Social José Cantarelli. Somente no dia 31 de outubro o parecer dos técnicos foi concluído.

O documento (ver PDF abaixo) faz parte do processo Pronac 236409, onde essa organização não-governamental busca captar R$ 30 milhões de reais por meio da Lei Rouanet, para a execução do projeto REC Cultural. O Centro de Integração Social José Cantarelli é uma organização mantida pela Ebrasil Energia, empresa responsável pelo REC Cultural.

Textualmente, a íntegra do ofício de Ribemboim diz que “a Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional – IPHAN/PE declara que está ciente e de acordo com a apresentação do projeto em referência ao PRONAC, pela proponente CENTRO DE INTEGRAÇÃO SOCIAL JOSÉ CANTARELLI, para obter o benefício da Lei Federal de Incentivo à Cultura. No entendimento desta Superintendência, o projeto deverá proporcionar impactos fortemente positivos no âmbito cultural e social”.

O ofício favorável ao projeto sequer foi incorporado ao SEI-IPHAN, que é o sistema oficial de informações do instituto e só pôde ser encontrado pela reportagem nos documentos anexados ao processo da Lei Rouanet. Nem mesmo os técnicos da Iphan que assinaram o parecer, tinham conhecimento de sua existência.

A medida é criticada por diversas entidades de preservação de patrimônio arquitetônico e cultural de Pernambuco, pela construção de uma estrutura em forma de zeppelin no teto dos dois prédios, onde funcionariam uma lojinha, um café/lanchonete e um restaurante.

O parecer assinado pelos técnicos avalia que a obra se constitui em “uma intervenção descaracterizante do imóvel e do conjunto arquitetônico e urbanístico tombado”. Entretanto, o parecer técnico foi derrubado pelo superintende Jacques Ribemboim em 4 de março de 2024, sob a alegação de que “as instalações previstas no projeto do REC Cultural de loja, café/lanchonetee o restaurante no formato de Zeppelin configuram a intenção do particular em obter suporte, ainda que parcial, aos encargos financeiros do investimento e às despesas operacionais e de manutenção. Neste cenário, as características de autossustentabilidade vêm ao encontro das políticas públicas defendidas no âmbito do IPHAN”.

O superintendente ainda escreve que “trata-se de um investimento privado de interesse público, reforçando a vocação do bairro do Recife como um importante cluster turístico e cultural, com geração de renda e emprego”. Mas apesar de se tratar um investimento privado, grande parte dos custos, senão a totalidade da obra, almeja dinheiro público, através do processo em tramitação no Ministério da Cultura, onde se solicita a captação de pouco mais de R$ 30 milhões via renúncia fiscal por meio da Lei Rouanet. O projeto já foi pré-aprovado pelo MinC e encontra-se em fase de avaliação pelo próprio Iphan, já que se trata de intervenções físicas em edificações tombadas.

Foto antiga em preto e branco de uma edifício do bairro do Recife com um zeppelin sobrevoando, dando a impressão de que o dirigível faz parte da estrutura do prédio em estilo clássico.

Projeto é inspirado nesta imagem

Wilson Carneiro da Cunha

A decisão do superintendente provocou indignação em representantes de entidades como o Conselho de Arquitetos e Urbanistas em Pernambuco, Conselho Estadual de Preservação e Patrimônio Cultural, Instituto de Arquitetos do Brasil e o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE. Todos se posicionaram contra a construção do restaurante Zeppelin e manifestaram apoio ao parecer assinado pelos técnicos do Iphan.

O projeto original previa a construção em alvenaria das instalações do Restaurante Zeppelin, o que resultaria no acréscimo, em definitivo, de dois andares ao prédio. Entretanto, uma alteração desse porte não é permitida em edificações tombadas pelo Iphan. A Prefeitura do Recife, no entanto, se posicionou favoravelmente em parecer assinado gestores que ocupam cargos comissionados, como é o caso do secretário de Políticas Públicas e Licenciamento, Carlos Eduardo Muniz Pacheco, a secretária executiva de Licenciamento, Taciana Maria Sotto-Mayor Porto Chagas, e a assessora Executiva de Planejamento, Emília Márcia Lapa Teixeira Avelino.

A decisão do superintendente de ignorar o parecer técnico da equipe do Iphan ainda pode ser revista pela presidência do órgão em Brasília, onde devem ser protocolados os recursos das entidades contrárias ao projeto.

Procurada pela equipe de reportagem, a coordenação-geral de comunicação do Iphan pediu prazo até a tarde desta quinta-feira para responder aos questionamentos sobre o ofício de 22 de setembro assinado por Ribemboim. O prazo solicitado foi atendido e respeitado. Caso a instituição se posicione, este texto será atualizado.