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A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) obteve nova vitória na Justiça Federal e retomou, pela segunda vez, em menos de uma semana, o edital de seleção para o curso de Medicina exclusivo para assentados da reforma agrária e quilombolas numa parceria com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).
Parlamentares contra a iniciativa, com apoio de algumas entidades e associações médicas, têm travado uma guerra judicial nos últimos dias na tentativa de cancelar o curso. Há ainda uma terceira ação em curso contra a universidade na Justiça Federal de Pernambuco (JFPE), além de uma no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
No recurso em que obteve a decisão favorável desta sexta (10), a que a Marco Zero teve acesso, os advogados da UFPE argumentaram que, ao conceder a mesma liminar em um processo posterior, a primeira instância desconsiderou a decisão proferida pelo tribunal, violando a hierarquia das decisões judiciais. Somente a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) pode se opor ao que já foi decidido.
A nova decisão, proferida pelo desembargador Fernando Braga Damasceno, do TRF-5, derrubou a suspensão do edital concedida na quarta (8) pelo juiz Ubiratan de Couto Maurício, da 9ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco após denúncia do vereador de extrema direita do Recife Thiago Medina (PL) — Medina, aliás, tem propagado desinformação, ao dizer que o curso seria “exclusivo para o MST”, o que não é verdade.
Essa foi a segunda vez que a seleção foi suspensa e liberada logo em seguida. A primeira foi a partir de uma denúncia do também vereador do Recife Tadeu Calheiros (MDB). O juiz de primeira instância e o desembargador são os mesmos nos dois casos, Couto e Braga, respectivamente. Ambas as decisões de segunda instância ainda precisam passar pela 4ª Turma do TRF-5, sem data marcada.
Juiz Ubiratan Maurício concedeu duas liminares que foram suspensas pelo TRF-5
Crédito: Ascom Unicap/Reprodução site “Direto da Sacristia”
Mais uma vez, um dos argumentos centrais para a nova liberação do edital foi a autonomia da universidade e o Pronera como uma política pública de inclusão educacional já consolidada, com quase 30 anos de existência, com convênio previsto legalmente.
Em entrevista à MZ, na quarta (8), o reitor da UFPE, Alfredo Gomes, declarou: “Vamos às últimas instâncias para garantir a autonomia da universidade, de oferta de turma extra, no caso, para Medicina. Mas, se fosse de outros cursos, faríamos a mesma decisão. É uma decisão amadurecida, aprovada nas nossas instâncias dentro da universidade, então devemos seguir com ela até o fim”.
Segundo Gomes, 1,2 mil pessoas se inscreveram na seleção, que será feita através de prova de redação e análise de currículo. Por conta da batalha judicial, o cronograma precisou ser alterado. A aplicação da redação acontecerá somente no dia 2 de novembro e o início das aulas, em 2 de dezembro.
Em suas redes sociais, na manhã desta sexta (10), o reitor disparou: “precisamos conversar seriamente sobre a postura de alguns políticos. Afinal, para onde foi o compromisso com as pessoas, o cuidado com quem mais precisa? Para onde foi a preocupação com as necessidades vitais da população? Essa gente só pensa em likes? São quase sempre políticos de extrema direita que, distorcendo a verdade, agiram contra a democratização da educação e contra o direito de gente simples ter acesso à formação em medicina. Difamaram, ameaçaram, judicializaram e tentaram impedir que essas pessoas pudessem ter a chance de mudar suas vidas, as vidas de suas famílias e de suas comunidades. Uma agressão desmedida contra a educação, contra a saúde e contra a justiça social. Chegamos ao limite da irresponsabilidade. Chegamos ao limite do cinismo, da manipulação maldosa da informação e da distorção da verdade. Não aceitamos o ataque à autonomia da universidade pública”.
O deputado federal Mendonça Filho (União-PE) é outro parlamentar que se apõe ao curso de Medicina pelo Pronera e tem proferido duras críticas à UFPE. Como lembrou o site Política com Opinião, Mendoncinha, que foi ministro da Educação no governo Michel Temer, também se opôs ao ProUni e cotas raciais.
Gomes disse também que trata-se de “uma vitória importante da universidade pública, da autonomia, da justiça social”. “Vamos seguir, portanto, firmes nas nossas ações para concretizar as políticas da universidade e a política consolidada do Pronera”, declarou.
Desembargador Fernando Braga Damasceno, do TRF-5
Criado em 1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o Pronera, realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), já formou quase 200 mil estudantes em 545 cursos em todos os estados brasileiros, da alfabetização à pós-graduação.
A seleção de Medicina prevê a oferta de 80 vagas extras, numa turma específica, no Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da UFPE, no campus Caruaru, sendo 40 de ampla concorrência e outras 40 destinadas a cotas. A turma não irá tirar vagas do curso de Medicina da universidade, por ser a parte.
Estão aptos a se candidatarem assentados da reforma agrária e integrantes de famílias beneficiárias do crédito fundiário; educandos egressos de cursos de especialização promovidos pelo Incra; educadores que exerçam atividades voltadas às famílias beneficiárias; acampados cadastrados pelo instituto; e quilombolas.
Os dados da Demografia Médica do Brasil 2025 mostram que, dos 266 mil estudantes de medicina em 2023, apenas 9% entraram por programas de reserva de vagas. Quase 70% dos alunos de medicina no país são brancos e 66% são oriundos do ensino médio privado. Somente 34% são egressos da escola pública, muito abaixo da média nacional, de 65,7% dos estudantes quando comparados a todas as graduações.
A concentração das vagas em instituições privadas também chama a atenção, segundo o levantamento: 77,7% das matrículas em Medicina estão em faculdades particulares.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com