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Uma barqueata para pressionar pela criação da Reserva Extrativista no litoral sul de Pernambuco

Raíssa Ebrahim / 27/07/2022
Foto de cinco barcos de pequeno porte durante barqueata no estuário do Rio Formoso

Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Pescadoras e pescadores artesanais celebraram o Dia Internacional para a Conservação dos Manguezais, nesta terça-feira, 26 de julho, com uma barqueata no estuário do rio Formoso, litoral sul de Pernambuco, a 85 quilômetros do Recife. Mais do que celebrar, o objetivo foi chamar a atenção e pressionar o Governo do Estado pela criação de uma Reserva Extrativista (Resex) numa área de 2,6 mil hectares de manguezal dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guadalupe.

Há dez anos, mulheres e homens das águas, juntamente com pesquisadores e organizações da sociedade civil, lutam pela criação dessa reserva num importante complexo estuarino que reúne os municípios de Rio Formoso, Sirinhaém e Tamandaré. A região, que inclui três rios (Formoso, Passos e Ariquindá), é utilizada por 2.492 famílias de pescadoras e pescadores artesanais, incluindo 80 famílias quilombolas.

Cerca de 62% dessas pessoas são mulheres. Cercadas pela disputa econômica de grandes empreendimentos, pelo avanço imobiliário e o turismo predatório, elas vivem da pesca de ostra, marisco, sururu, peixe, siri e outros crustáceos ao mesmo tempo em que são as guardiãs do ecossistema.

O que é uma Resex?

Resex é uma categoria de Unidade de Conservação (UC) utilizada por populações tradicionais extrativistas com o objetivo básico de proteger os meios de vida e também a cultura dessas pessoas, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais através de uma gestão participativa. Diferentemente de outros tipos de UCs, a Reserva Extrativista precisa partir de uma mobilização popular.

A barqueta reuniu cerca de 30 embarcações e percorreu 4,27 quilômetros do estuário do rio Formoso, passando pelo píer de Maria Assu e pela praia da Pedra, finalizando com um ato público na Prainha do Reduto.

A proposta de criação da Resex, com estudos técnicos que envolvem desde levantamentos biológicos até desenhos fundiários, passando por questões socioeconômicas, foi encaminhada ao governo de Pernambuco há um ano, em julho de 2021. Neste 2022, Ano Internacional da Pesca e Aquicultura Artesanal, declarado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o grupo quer finalmente tirar do papel a primeira reserva extrativista de Pernambuco na esfera estadual.

Se aprovada pelo Governo de Pernambuco, a unidade irá assegurar renda, sobrevivência e manutenção da tradição secular da pesca artesanal. “Juntos somos mais fortes e venceremos. Porque não estamos aqui para desistir e, sim, persistir no processo da implantação da Resex no nosso estuário”, frisou, durante a barqueata, Cícera Estevão, presidente da Colônia de Pescadores Z7, de Rio Formoso. “Os pescadores e as pescadoras artesanais dependem de um manguezal sadio e limpo e os animais marítimos precisam de um manguezal limpo para reprodução”, explica.

Barqueata no Píer Maria Asssu, no estuário de Rio Formoso. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Moacir Correia, vice-presidente da Associação Comunidade Quilombola do Engenho Siqueira, contabiliza que a região já está na quinta geração de pescadoras e pescadores. “Eu costumo dizer que o manguezal é um pulmão no mangue e a mata atlântica é um pulmão na terra”, compara o pescador, artesão e também fundador do Museu Remanescente, no quilombo onde vive. As comparações de Moacir na tentativa de gerar conscientização não ficam só aí. Segundo ele, o local onde se pretende criar a Resex funciona como “berço, maternidade e hospital”: “Berço e maternidade porque as espécies vêm, nascem aqui, e se criam. E hospital porque as espécies vêm e aqui, acidentadas, moram também, servindo de alimento para outras espécies”.

Regiões estuarinas como o Complexo de Rio Formoso são ecossistemas estruturantes extremamente importantes por serem berçários da vida marinha, abrigando muitas espécies juvenis. Os manguezais têm capacidade de abrandar os efeitos das marés ao mesmo tempo em que protegem as bacias hidrográficas e atenuam os efeitos de enchentes. Também são essenciais para o controle do aquecimento global por serem grandes captadores de carbono.

É desse estuário que sai o pescador de siri, ostra, aratu, caranguejo uçá, unha de velho, siri pimenta, perdigão, marisco e tantas outras espécies citadas por Moacir, além dos mamíferos que se alimentam nessa localidade. “As pessoas aqui acham que tem muito mangue, mas não tem. É tempo de tirarmos essa realidade que está escondida”, alerta.

Além das colônias de pesca Tamandaré (Z5), Sirinhaém (Z6) e Rio Formoso (Z7) — todas presididas por mulheres —, estão envolvidas na articulação pela reserva Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Associação Mangue Verde, de Sirinhaém, e a Associação da Comunidade Quilombola do Engenho Siqueira, em Rio Formoso.

São parceiros e apoiadores: Rare Brasil; Meros do Brasil; Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável (Peld Tams), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Instituto Recifes Costeiros; e o Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), ligado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Pescadora coleta mariscos durante barqueata em prol da Resex Rio Formoso. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

O caminho para criação da Resex Rio Formoso

Não bastam só a mobilização popular e os estudos técnicos para criar uma Resex. Neste mês, em entrevista à Marco Zero, a secretária-executiva de Meio Ambiente e Sustentabilidade em exercício na ocasião, Andréa Olinto, garantiu que o estado está interessado na proposta. Ela também informou que o projeto da reserva ainda precisa se adequar a algumas exigências da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). Os responsáveis pelo projeto disseram à reportagem que estão trabalhando nisso.

Neste primeiro semestre, após pressão dos pescadores e das pescadoras, foi montado junto à pasta um cronograma de ações. As codeputadas estaduais Juntas (PSOL) também colocaram o assunto em pauta na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), em maio, aprovando um apelo pela criação da Resex Rio Formoso.

Em ano eleitoral, a demonstração de interesse do governo estadual se torna estratégica não só do ponto de vista socioambiental, mas também político. É uma oportunidade de o PSB reforçar o discurso de oposição ao desmonte ambiental bolsonarista. Além das adequações legais, o projeto da Resex depois precisará ainda ser encaminhado para apreciação do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), posteriormente para a Alepe para só então finalmente ir à sanção do governador Paulo Câmara (PSB).

As imagens que compõem esta reportagem foram produzidas com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com