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Foto: Reprodução Facebook
Paulette Gonçalves revolucionou Palmares, Mata Sul de Pernambuco, e influenciou outras candidaturas nos municípios vizinhos nos últimos anos. Disputando seu terceiro mandato para a câmara municipal, a única vereadora trans do estado já concorreu pelo PEN, em 2012, e pelo PHS, em 2016. Em 2020, concorre pelo PSL, antigo partido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Mas Paulette – que adotou os dois Ts desde a última eleição – garante: “não sou bolsonarista, nunca votaria naquele louco perturbado”. A escolha foi a forma que ela encontrou de conseguir apoio e aumentar as chances de vitória.
Com 43 anos, ela nasceu em Murici (AL). Se assumiu aos 15, “naquele tempo arcaico, que era muito mais difícil”, e, depois de entrar na política “por acaso”, vem lutando contra o preconceito ocupando o poder institucional. Já foi motivo de piada na cidade e vítima de agressão, em 2017. Ela acredita que sua coragem vem ajudando a impulsionar outras pessoas LGBTQI+ no interior.
Paulette começou a trabalhar muito nova, na roça. Já cortou cana, fez frete com carrinho de mão, vendeu Avon e Natura, trabalhou fazendo sobrancelha e prestou serviço em casa de família e restaurante. A vida dela mudou com a política, com a representatividade de seu corpo, mas também de suas pautas.
Estas são as primeiras eleições municipais em que é permitido o uso do nome social na urna, o que impulsionou as candidaturas trans. Paulette ainda usa o do registro civil e explica por quê. Confira a entrevista que a Marco Zero Conteúdo fez com Paulette por telefone esta semana.
Como você entrou na política e por que se candidatar a uma cargo de vereadora?
Entrei na política por acaso. Um candidato queria uma mulher trans, fez convite para uma colega que tinha um comércio, mas ela não aceitou. Daí eu fui indicada faltando dez dias para o fim do prazo das inscrições. Foi uma novidade na cidade, ninguém nunca tinha visto isso. Na segunda eleição, veio um monte de mulher candidata trans, travesti, gay. Essa mesma a quem foi feito convite também concorreu. Eu encorajei tanto a minha cidade como cidades vizinhas. Era o momento mais esperado dos comícios na primeira eleição. Era divertido.
Pela primeira vez nas eleições municipais, candidatos e candidatas transgêneros, travestis e transexuais podem usar o nome social. Seu nome no registro ainda é o civil. Por quê?
Como resido no estado de Pernambuco, mas sou de Alagoas, eu precisava de uma autorização do juiz para fazer essa mudança de nome. Como não consegui, por causa da pandemia, eu não pude mudar o nome. Onde eu fui registrada é uma cidade pequena, até tentei por telefone, mas a pessoa nem tinha conhecimento de como isso se fazia. Mas vou fazer a mudança sim, até porque todo mundo me conhece por Paulette e eu sou uma pessoa resolvida e assumida.
O Brasil é o país mais transfóbico do mundo. Nestas eleições, tivemos o recorde de candidaturas trans, em meio a um governo transfóbico e ultraconservador. O que isso significa?
Significa que algumas que conseguiram chegar ao poder encorajaram outras a se candidatar, eu sou um exemplo. Isso nunca tinha acontecido antes aqui em Palmares e nas cidade próximas. Agora Água Preta, Barreiros e outros locais também têm candidatos. Isso é bom, uma grande conquista e tem que ter mais e mais mulheres trans na câmara de vereadores. Aqueles que estão lá não aceitam mulher trans numa bancada, é uma luta. Mas eles aceitando ou não, tem que engolir porque fomos eleitas. Em Palmares, são 15 vereadores, sendo 4 mulheres. Esses dias, fiquei sozinha porque as pessoas eram reféns do presidente da casa, e Paulette não. Foi um episódio com o presidente da câmara e um secretário. Existe o carro que foi comprado para servir aos vereadores – eu não tenho carro, tenho moto – e quem fazia uso eram eles dois, exclusivamente para eles, que já têm carro. Eu precisei por duas vezes e foi a maior burocracia para conseguir esse carro. Aí resolvi fazer uma denúncia, mas meu requerimento foi reprovado. Porém, o carro ficou lá e agora quase não sai da garagem da câmara. Filmei e tudo, o carro na garagem da casa do secretário. Mas eu fiquei sozinha com Deus, nem as mulheres me apoiaram.
Um levantamento da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra) aponta que nestas eleições quase 40% das candidaturas trans são de direita. O seu partido é o PSL. Você vê alguma contradição?
Nunca passou pela minha cabeça sair pelo PSL. Para ficar no grupo do atual prefeito, eu terminei indo para o PSL. Eu tinha mais chance de ganhar e me reeleger. Não é que eu seja bolsonatista, eu sou petista, há cinco eleições voto no PT. Em nenhum momento, nunca votaria naquele louco pertubado. Eu procuro fazer o meu, fazer minha campanha. Até porque, nesse momento, é cada um por si. Na câmara de vereadores, eu pensava que tinha pelo menos colegas, mas nem isso tem.
Muita gente ainda acha que pessoas trans só se posicionam sobre a pauta transgênero. Como você avalia isso e quais seus planos na vereança caso seja reeleita?
Hoje sou uma pessoa mais madura, mais experiente. Deixei um pouco a desejar, mas, se eu chegar lá, vou me posicionar com mais pulso, mais firme. Tenho várias causas para classe LGBT, mas também calçamento, saneamento, que o pessoal cobra muito, porque é interior. Também educação e esportes, nosso município é muito carente, não temos um ginásio de esportes. Eu abranjo todas as causas, não só a classe LGBT.
Que projetos você já aprovou na Câmara de Vereadores de Palmares?
Meus principais projetos aprovados foram um terreno para a associação LGBT, que foi uma grande conquista, e o título de cidadão a um sr. do candomblé, o que também foi bem válido. São pautas que outros não teriam coragem de enfrentar.
Você foi vítima de agressão em Palmares, em 2017, quando já era vereadora. Neste ano, sofreu alguma violência de gênero durante a campanha?
Não. A maioria dos covardes fala por trás. Diretamente covarde não fala, o homofóbico.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com