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“Vi agora que o Geneton morreu. Mais uma despedida”.
Foi a primeira mensagem que vi ao celular, logo ao acordar. E meus olhos marejaram. E o dia perdeu todas as cores.
Essas ironias da vida. Justamente ontem à tardinha, estava no cemitério de Santo Amaro, com meu amigo Inácio França. Fui levar meu novo livro de poesias para o inesquecível Arsênio Meira Jr, morto em outubro de 2015. E ficamos lá, eu e o França, conversando e rendendo uma homenagem póstuma ao nosso amigo. Nem imaginávamos que, no Rio de Janeiro, àquela mesma hora, outro grande homem morria.
Ah, Geneton Moraes Neto, que bom tê-lo conhecido pessoalmente, ter desfrutado talvez, esses mesmos cinco anos de sua amizade.
Primeiro num desses encontros literários que nós jornalistas e escritores ocasionalmente somos convidados. Depois, por um elo comum: eu, assessor de imprensa do então secretário de governo, Ariano Suassuna, e você, repórter dos mais completos que conheci, mantendo Ariano sempre à vista.
Foi amizade à primeira vista. Um dos maiores jornalistas do Brasil, reconhecido, premiado, já no primeiro instante, revelava por inteiro. Era uma simplicidade tão evidente, tão natural, tão pura, que transformava o ofício do jornalismo no próprio ofício de viver. Em 2014, pouco depois da morte de Ariano, na Fliporto, fiz parte de uma mesa com ele e outro gigante: Vladimir Carvalho.
Geneton falou das muitas entrevistas que fez, ao longo da carreira, e Vladimir Carvalho mostrou imagens feitas com Ariano, ainda bem moço. Durante dois dias, antes e depois da mesa, conversamos animadamente. Eu estava diante de dois grandes homens, e cada um tinha para dar somente a simplicidade limpa, a modéstia natural, a vontade de seguir criando, até o último respiro. E outra qualidade admirável nos dois – o riso fácil.
Como eu estava com planos de escrever um livro sobre as entrevistas de Ariano, Geneton teve a delicadeza de escanear e me mandar várias entrevista que Ariano dera por escrito, quando era secretário do então governador Miguel Arraes.
E voltamos a nos ver em Curitiba, quando lançou seu documentário sobre os 11 jogadores que estavam em campo, na Copa de 1950. Dividimos uma mesa e depois fomos para uma farra noite adentro, com o velho e bom Mário Hélio. E era mesmo comovente, ver como ele fazia do jornalismo o melhor dos ofícios, e como os jovens ficavam espantados, diante de tanta vontade de contar histórias.
Uma frase, que era sua bandeira e slogan, me acompanha:
“Fazer jornalismo é produzir memória”.
Acreditava que fazer jornalismo era olhar o mundo, os fatos, os personagens e as histórias “com os olhos de uma criança que estivesse vendo tudo pela primeira vez”. Só assim, poderia ser vívido, interessante, inquieto, “não este monstro burocrático, chato e cinzento que nos assusta tanto”.
Nosso último encontro foi em dezembro de 2014, quando fui ao Rio de Janeiro, receber um prêmio da Fundação Biblioteca Nacional. Marcamos um almoço e pudemos conversar longamente sobre a vida, jornalismo, projetos. Estava animado com seu novo documentário sobre Glauber Rocha.
Seus olhos brilhavam, sempre que começava a falar de uma nova saída de casa, para buscar seus personagens, histórias.
Ficou de ir à premiação, no dia seguinte, mas não deu.
Mas está aqui, guardado, seu abraço, sua imensa doçura, seu amor ao jornalismo ético, de qualidade, com o cheiro das ruas, questionador, instigado, inquieto.
Nós, do Marco Zero, te saudamos.
Samarone Lima, jornalista e escritor, publicou livros-reportagens e de poesia, entre eles "O aquário desenterrado" (2013), Prêmio Alphonsus de Guimarães da Fundação Biblioteca Nacional e da Bienal do Livro de Brasília, em 2014. Em 2023, seu primeiro livro, "Zé", foi adaptado para o cinema.