Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Linda Brasil é filiada ao Psol desde 2015 e disputou três eleições. Foto: Divulgação
Você talvez tenha lido sobre o alto índice de pessoas trans que se candidataram em 2020 por partidos de direita ou extrema direita. Tivemos um exemplo em Pernambuco: Paulette, a única vereadora transexual do estado, tentou , e perdeu, a reeleição pelo PSL, mesmo partido de Eduardo Bolsonaro. Um levantamento nacional da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) mostrou que quase 40% das candidaturas de pessoas trans foram por partidos de direita neste ano.
Não é, nem de longe, o caso da vereadora mais votada de Aracaju, capital de Sergipe. Essa foi a terceira eleição que Linda Brasil (Psol) disputou. Nas duas primeiras, ela conseguiu boas votações, e, se estivesse em partidos com resultados mais expressivos, poderia até ter conquistado uma vaga ou uma suplência. Mas para Linda não fazia sentido: ela queria fazer um mandato de esquerda, com participação dos movimentos sociais.
“Tive convites, mas eu jamais iria para um partido de direita, mesmo que fosse para ser eleita. Não me representam. Se em um partido como o Psol, que tem setoriais de LGBT e de negros e negras, ainda há problemas para pessoas trans, imagina em um partido em que não há essa discussão”, disse a vereadora eleita com 5.733 mil votos, em entrevista por telefone ao projeto Adalgisas, da Marco Zero Conteúdo. Além dela, outras seis mulheres trans foram as mais votadas em cidades brasileiras.
A história de Linda Brasil tem um ponto de inflexão ligado ao qual credita sua entrada na política partidária. Linda foi empurrada para a prostituição e passou cinco anos trabalhando na Itália. Ao voltar para Aracaju, em 2008, não encontrou espaço no mercado formal. Abriu um salão de beleza e, em 2013, passou no Enem e foi cursar letras na Universidade Federal de Sergipe. Já no primeiro dia de aula, aconteceu o fato que a levaria para a militância LGBTI e ao movimento estudantil.
“Um professor se recusou a me chamar pelo meu nome. Se eu, que já tinha toda uma identidade social e estava dentro dos padrões aceitos da feminilidade, estava passando por aquilo, imagina o que não acontecia com outras mulheres trans e travestis”, lembra. A indignação a levou a prestar uma queixa formal contra o professor, que resultou em uma portaria da universidade assegurando o direito ao nome social. E fez com que Linda entrasse na militância estudantil, abrindo novas portas. “Consciência é empoderamento”, diz.
Na universidade, Linda participou de oficinais e palestras sobre teoria queer, entrou no movimento feminista Mulheres de Aracaju, ajudou a organizar edições da Marcha das Vadias e a criar a Associação e Movimento Sergipano Educação Trans, que incentiva pessoas trans a fazer Enem e entrar na vida acadêmica. Em 2015, se filiou ao Psol. “Antes, eu tinha verdadeira ojeriza à política. Sou de Santa Rosa de Lima, um povoado sergipano onde o coronelismo ainda reina, onde só ganha aquele mesmo dono do partido, com as mesmas pessoas há décadas. Mas conhecendo a militância que se faz junto aos movimentos sociais mudei minha visão sobre política”, diz.
Para vencer essa campanha, tanto Linda quanto o Psol tiveram que mudar as estratégias. Primeiro, o partido aumentou o número de candidatos, para tentar ter uma votação mais expressiva. Foram 11 candidaturas lançadas, com 9 candidatos que chegaram às urnas. A sindicalista Sônia Freire foi uma das candidatas que ajudou a puxar votos para a legenda, mas não conseguiu ser eleita.
Da sua parte, Linda mudou a estratégia no meio da campanha. “Foi tudo imprevisível com a pandemia. Decidimos focar nas redes sociais. Mas nas redes não ia adiantar tanto, o fascismo estava indo pras ruas. Mas estávamos receosos, por conta da Covid”, lembra. Um dia, Linda teve que ir no banco abrir uma conta para a campanha e aproveitou para levar uma plaquinha com a foto dela e o número. “Umas quatro pessoas vieram pedir para tirar foto, aí aproveitei para falar com elas. Ali vi que não ia adiantar só entregar papel. As pessoas estavam tristes, desanimadas com a política. E na conversa eu explicava a importância de se ter a primeira travesti na Câmara, as pessoas se animavam, havia uma energia muito legal, que também se refletia nas redes sociais”, conta.
Hoje com mestrado em educação, Linda Brasil pensa em um mandato alinhado com os movimentos que a fizeram chegar na Câmara Municipal de Aracaju. Na Câmara, vai ter a companhia de outras três mulheres. Os direitos LGBTI estão na pauta, claro, mas perpassam outras áreas . Um dos projetos que Linda quer aprovar é um para que guardas municipais e professores façam um curso de formação em direitos humanos. “A educação é a base para toda e qualquer política pública”, diz.
Números
28 travestis e mulheres trans eleitas 2 homens trans eleitos 41% são negras (pretas ou pardas)
Pelo Brasil: 23 no Sudeste, 2 no Nordeste, 1 no Norte e 4 no Sul
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org