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A “nova” velha Câmara do Recife

Sérgio Miguel Buarque / 04/10/2016

O próximo ano começa com uma mudança significativa nos nomes que compõem a Câmara dos Vereadores do Recife. Depois das eleições do domingo, a Casa terá 14 novos integrantes, o que corresponde a uma renovação de quase 36% dos seus quadros. A troca, pelo voto, de mais de um terço dos vereadores recifenses poderia representar uma mudança significativa no perfil e na correlação de forças do Legislativo municipal. Mas uma análise inicial dos discursos, das origens, dos partidos e, até mesmo, dos sobrenomes dos novos eleitos indica que a próxima Legislatura já nasce velha.

O adjetivo “velho” foi empregado aqui no sentido de continuidade. Isso porque, de maneira geral, os 14 novos integrantes em muito pouco diferem dos colegas que não conseguiram renovar os mandatos. Veja aqui quatro pontos que mostram que a Câmara de Vereadores do Recife deverá continuar conservadora, com a bancada evangélica ainda mais fortalecida, com perfil assistencialista e fisiológico, pulverizada do ponto de vista partidário e mantendo as relações familiares misturadas com a política:

1) As urnas dizem “Amém”

No dia 26 de fevereiro de 2013, portanto um mês após a posse, onze vereadores se reuniram para formar a Frente Parlamentar Evangélica da Câmara do Recife. O objetivo do grupo era “construir ideias coletivas visando apoiar as ações do segmento evangélico no Recife”. Pelo menos no que diz respeito a diversidade partidária, a Frente era eclética. Assinaram a ata de fundação os vereadores Luiz Eustáquio (PT), Carlos Gueiros (PTB), Alfredo Santana (PRB), Eduardo Chera (PTN), Almir Fernando (PCdoB), Irmã Aimée (PSB), Michelle Collins (PP), André Ferreira (PMDB), Jodeval Lima (PTN), Eduardo Marques (PTB) e Marcos Di Bria (PTdoB).

Quase quatro anos depois, da chamada Bancada Evangélica apenas Luiz Eustáquio, Alfredo Santana, Eduardo Chera e André Ferreira não estão na lista dos eleitos homologada pelo Tribunal Regional Eleitoral nesta segunda-feira. No caso de André Ferreira, o problema não foi falta de votos. Aconteceu justamente o contrário. André foi eleito deputado estadual em 2014 e, em 2016, sua vaga na Câmara foi ocupada por seu cunhado Fred Ferreira. Fred herdou os votos, a fé, o jingle chiclete (aquele do “vinte-meia-vinte”) e até o sobrenome (o nome verdadeiro dele é Frederico Menezes de Moura Sobrinho).

Fred acabou sendo o terceiro vereador mais votado do Recife (14.277). Só ficou atrás de suas duas futuras colegas de Bancada Evangélica. Michelle Collins ficou em primeiro lugar, com 15.357 votos, e Irmã Aimée, em segundo, com 14.338.

Primeira reunião da Frente Evangélica da Câmara do Recife, em fevereiro de 2013

Primeira reunião da Frente Evangélica da Câmara do Recife, em fevereiro de 2013

2) Política no DNA

Dos 39 eleitos para a próxima Legislatura da Câmara de Vereadores do Recife, pelo menos 13 deles trazem a política no DNA. Aqui não se trata, porém, de uma questão biológica. A herança genética é o mandato e ela é passada – de pai para filho, avô para neto, tio para sobrinho ou mesmo de marido para mulher – através do sobrenome.

Além do já citado Fred Ferreira (PSC), algumas novas caras vieram acompanhadas de conhecidos sobrenomes. Natália de Menudo (PSB), por exemplo, é filha de Estéfano Menudo que não pôde concorrer à reeleição por ter sido condenado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco pelos crimes de formação de quadrilha, falsificação de documento público, tortura e concussão. Rodrigo Coutinho (SD), filho do deputado federal Augusto Coutinho (SD), completa a lista dos herdeiros novatos.

3) Há governo? Sou situação

Se existe uma tradição que se fortalece a cada Legislatura na Casa José Mariano é a do prefeito ter sempre a maioria. Como a definição de quem comandará a prefeitura foi para a votação em segundo turno, resta esperar para ver como ficarão as composições. Mas já dá para fazer algumas previsões.

Se Geraldo Julio for reeleito, não resta dúvida, o rolo compressor do Executivo continuará. Isso é fácil de ver pelos resultados da eleição de domingo para o Legislativo. Das coligações e partidos que apoiaram o governo – ou a máquina pública como preferem os mais críticos – foram eleitos 30 vereadores. No campo da oposição, para se ter uma ideia, João Paulo “elegeu” cinco; Daniel Coelho, três; Edilson Silva, um. E só.

Mas se João Paulo vencer no dia 30 de outubro? Bem, o histórico da Casa mostra que composições em nome da “governabilidade” deverão ser feitas e, muito rapidamente, o governo será maioria. Mais, por enquanto, é só uma hipótese.

4) Uma sopa de letras

Fazer as composições para manter ou criar as condições de “governabilidade”, porém, será trabalhoso e dispendioso para quem ganhar a Prefeitura. Isso porque, a representatividade na Câmara dos Vereadores saiu das eleições ainda mais pulverizada do que já vinha acontecendo. Nada menos do que 21 partidos elegeram representantes na Casa. Lembrando que há quatro anos eram 18 legendas.

Quem não for muito bem familiarizado com o dia a dia da política certamente irá se atrapalhar para entender e diferenciar um partido do outro. É possível que algumas pessoas nunca tenham nem ouvido falar de alguns deles. Para quem tiver curiosidade, segue a lista: PSB, PP, PSC, PT, PEN, PMDB, PTB, PRB, PROS, PDT, PSDB, SD, PRTB, PSDC, PCdoB, PSL, PTC, PSD, PRP, PSOL e PPS.

AUTOR
Foto Sérgio Miguel Buarque
Sérgio Miguel Buarque

Sérgio Miguel Buarque é Coordenador Executivo da Marco Zero Conteúdo. Formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, trabalhou no Diario de Pernambuco entre 1998 e 2014. Começou a carreira como repórter da editoria de Esportes onde, em 2002, passou a ser editor-assistente. Ocupou ainda os cargos de editor-executivo (2007 a 2014) e de editor de Política (2004 a 2007). Em 2011, concluiu o curso Master em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais.