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Antiproibicionistas: as candidatas feministas que querem a liberação das drogas

Maria Carolina Santos / 03/10/2018

No Brasil, mais de 44 mil mulheres estão presas por tráfico. Foto: Smoke Buddes/Reprodução

adalgisasaberturaQuando Dilma Rousseff foi afastada da presidência em 2016, a então estudante Flávia Hellen começou a se interessar por política partidária. Quando Marielle Franco foi assassinada, em 14 de março deste ano, ela decidiu que era a hora de se candidatar. “Marielle era umamulher negra que ousou ocupar os espaços institucionais para levar a pauta da mulher trabalhadora negra. Me identifiquei”, diz.

Natural de Paulista, na Grande Recife, Flávia Hellen é negra, feminista e antiproibicionista. Vê a luta pelo fim do atual modelo de luta contra as drogas como uma questão de sobrevivência para a juventude negra nas periferias brasileiras. “É um debate muito difícil, mas o preço de não se fazer esse debate é maior, principalmente para nós, mulheres negras. O ódio, o conservadorismo e o fundamentalismo vêm forte nessas eleições. Defender as pautas antiproibicionistas é central: a atual política de drogas e o proibicionismo são um dos inimigos da juventude e da classe trabalhadora negra. É o proibicionismo que arma os territórios e justifica a violência. É o proibicionismo que faz com que as mulheres estejam encarceradas com os filhos nos presídios”, diz Flávia, que sai candidata a deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores.

A candidata Flávia Hellen (PT). Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

A candidata Flávia Hellen (PT). Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Assim como Flávia, várias mulheres candidatas no Brasil colocam o antiproibicionismo na pauta de propostas feministas e antirracistas: Gabi Conde e Michelle Santos, ambas do Psol, são outras candidatas federais da causa aqui em Pernambuco. O alto número do encarceramento feminino pelo tráfico é o ponto convergente maisurgente entre a luta feminista e o antiproibicionismo.

Representante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), Ingrid Farias cita dados doDepartamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça, que apontam um crescimento de 698% napopulação carcerária feminina:no ano2000, 5.601 mulheres cumpriam pena no país. Em 2016 este número saltou para44.721. “É um absurdo um aumento de 700% em apenas 16 anos. E a maioria das mulheres (60%, segundo o mesmo estudo do Depen) presas por trabalharem nas camadas mais baixas do tráfico, como avião, mula, guarita”, diz.

Para a historiadora e militante antiproibicionista Leilane Assunção, este aumento do encarceramento é uma tragédia social incomensurável. “Quando a mãe vai presa, muitas vezes não sobra nenhum responsável. Há a desestruturação da família. A gente fala que 80% dessas mulheres presas são mães, mas por trás desses números há pessoas que tinham sonhos, há filhos, há jovens. Há uma desproporçãona renovação da juventude, até na força de trabalho no país. A proibição no Brasil gera mais mazelas que o uso da droga em si. É uma herança da escravidão: se criminaliza mais os negros. É algo muito grande para ser tão pouco debatido nas eleições”, critica.

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A historiadora Leilane Assunção. Foto: SaibaMais.Jor

“Historicamente é uma pauta não eleitoral, que tira votos. Boa parte da sociedade não consegue compreender os benefíciosda legalização. Nenhum candidato com reais chances de ganhar jamais pautou abertamente, nem mesmo o PT, nem mesmo Dilma Roussef. A legalização das drogas e o aborto ainda são tabus namaioria das campanhas. São pautas que mesmo os parlamentares que as defendem no período eleitoral, por uma questão de cálculo eleitoral, as escondem. Isso, infelizmente, não ajuda em nada”, lamenta Leilane. Para ela, a legalização pode ter ficado mais distante com o avanço de candidatos conservadores. “O golpe contra Dilma tem um ranço moral. Tem uma pauta de moralização. Não combina com a nossa pauta: queremos tirar o debate do ponto moral, para o campo científico, humano e de saúde”, diz.

Sobre o último aspecto, Leilane é receosa. “A maneira como o uso medicinal da maconha está sendo pautado é complicado. Gera-se uma espécie de “uso correto”. Ao passo que as milhares de mortes pelo tráfico ficam na conta do uso recreativo. Com isso, não se vislumbram mudanças na política de drogas. E ainda há o fator social: quem for de classe média pode colocar na Justiça e obter o uso medicinal. A guerra às drogas é para os negros, para a população LGBT, para os pobres”, critica a historiadora.

Apoios políticos

Em termos de legislatura, o poder estadual não pode avançar muito na legalização. Mas isso não significa que não haja ganho de capital político para o antiproibicionismo quando candidatos e candidatas se colocam favoráveis à causa. Em Pernambuco, as duas mulheres (Ana Patrícia, do PCO, desistiu) candidatas ao governo – Dani Portela (Psol) e Simone Fontana (PSTU) – defendem nos seus respectivos planos de governo a liberação do uso da maconha.

Quanto às outras drogas, há uma divisão.Simone defende a liberação de todas as drogas, reafirmando a necessidade de uma rede de apoio maior para usuários de crack. Dani Portela diz que ainda não há um consenso no Psol sobre outras drogas.

Carol Vergolino (preto) e Jô Cavalcanti. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Carol Vergolino (preto) e Jô Cavalcanti. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Candidata a uma cadeira na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), Carol Vergolino (Juntas/Psol) diz que oantiproibicionismo é central na sua campanha. “Temos que fazer um debate sobre o mercado das drogas, para que as indústrias não disputem essa pauta e o consumo de drogas não vire uma Souza Cruz (empresa de cigarros) da vida. Eu acho que quem está na políticas públicas das ruas pode construir uma síntese junto com o pode público e construir juntos uma política antiproibicionista que debata a questão das drogas, a questão da população carcerária”.

Para queo ciclo deviolência do tráfico seja quebrado, Carol defende também uma série de ações, como a desmilitarização das polícias. “Massobretudoo amparo àsfamílias que foram vítimas desse genocídio. Se um policial mata um jovem negro e não tem investigação em relação a isso, o estado brasileiro também é culpado. Então, é preciso resgatar essas famílias. Oferecendo inclusão no mercado de trabalho, educação básica, cultura, lazer. Não existe democracia em um país que mata milhares de jovens negros”.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com