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Quatro ações pedem impugnação do edital de licitação para TV Alepe

Débora Britto / 05/06/2019

Crédito: Alepe

Atualização em 07/06/2019.

Publicada sem alarde, a chamada de licitação para a TV Alepe é o mais novo capítulo da saga para implantação da emissora de TV e rádio da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).

Ao longo do mês de maio, o aviso de licitação foi publicado e sofreu dois adiamentos, seguidos de alterações do conteúdo do edital, passando a ser alvo de críticas internas e externas. Organizações da sociedade civil e o Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom) apontaram irregularidades no edital e protocolaram quatro pedidos de impugnação em órgãos de controle – Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Tribunal de Contas da União, Ministério Público de Pernambuco e Ministério Público Federal – além de solicitar esclarecimentos à Ouvidoria da Alepe.

Publicado no dia 14 de maio, o aviso de licitação apontava como objeto a “contratação de empresa, legalmente habilitada, para fornecimento de equipamentos de produção e pós-produção para SBTVD-T (Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre), incluindo serviços de instalação, integração, treinamento e garantia de funcionamento, pelo período mínimo de 12 meses, para atender as dependências físicas do Plenário, Plenarinhos, Auditório e Estúdio da Alepe”.

O valor máximo estabelecido pelo edital foi R$ 80.266,67. Os estranhamentos começaram por aí.

Especialistas da área de comunicação e do mercado audiovisual alertaram que o valor estava absolutamente fora da realidade para tudo aquilo o que o edital determia. Ao mesmo tempo, organizações da sociedade civil questionaram a razão de escolher a modalidade presencial para o pregão. Para Odilon Lima, do Fopecom, isso restringe a possibilidade de mais empresas e produtoras participaram do processo licitatório. “O edital parece direcionado. Com o pregão presencial uma empresa tem que chegar lá e dar lance na hora. Se fazia muito pregão presencial até se perceber que estava havendo direcionamento. O TCU passou a orientar que, sempre que houver condições técnicas, que se faça o pregão digital”, explica Odilon.

Para justificar a realização de pregão presencial é necessário um parecer que, segundo Odilon, não foi apresentado pela Alepe.

O texto também não deixa claro se está tratando de aluguel ou compra de equipamentos para estruturação de emissora de TV e rádio. A dúvida gerada pelo termo utilizado, no entanto, provocou mais reações. Os principais questionamentos se referem ao pouco tempo estipulado para submissão de propostas, o valor determinado e também às especificações técnicas exigidas no documento.

O primeiro adiamento, publicado logo no dia 16 de maio, alterou a data de abertura da licitação para um dia depois, ficando para o dia 28 de maio, e continha também a a retificação do valor máximo para submissão de propostas: foi para R$ 963.200,00. Uma diferença de quase 1.100% em relação ao valor original.

A última modificação publicado no Diário Oficial aconteceu no dia 25 de maio. Desta vez, a licitação foi adiada para dia 07 de junho. De acordo com a apuração, as mudanças feitas no edital correspondem apenas à data de abertura do processo e à alteração da descrição do objeto do edital: em vez de contratação de empresa “para fornecimento de equipamentos”, estabelece agora “para realização de serviços”.

Entenda o caso

Com sinal digital, mas sem recursos, TV Alepe depende de vontade política

Além dos problemas já citados, a própria estrutura do edital chama atenção por trechos que teriam sido copiados de outro documento. “O que aparenta é que pegaram edital que estava pronto. Claramente existem erros e só por esses erros já não poderia acontecer”, critica Odilon Lima, que enxerga na impugnação da licitação a oportunidade de abrir um canal de diálogo com a Alepe para que a sociedade civil participe da construção do projeto da TV.

“A assembleia precisa explicar para a sociedade porque tem recursos e não compra equipamentos, porque tem recursos e vai contratar uma TV para tocar um negócio. A gente está falando de comunicação pública. A gente vem lutando ao longo de muitos anos para que certos aspectos do direito à comunicação sejam garantidos, e o direito das próprias estatais. Comunicação é um direito, não é um luxo. Para a gente é fundamental que a Alepe chamasse a sociedade. Estamos totalmente a disposição para construir junto”, argumentou Odilon.

Publicação no Diário Oficial e retificações no edital.

Publicação no Diário Oficial e retificações no edital [clique na imagem para ler]

Denúncias

As denúncias foram construídas e apresentadas em conjunto pela Associação Brasileira de Documentaristas e Associação Pernambucana de Cineastas (ABD/APECI), Fórum Pernambucano de Comunicação e MAPE – Mulheres no Audiovisual de Pernambuco. De acordo com Marco Bonachela, produtor executivo e integrante da ABD/APECI, há dois problemas centrais no edital. O primeiro, segundo, é a abertura de licitação para terceirização da produção e equipamentos.

Esse esquema de terceirização, pensando estruturalmente e historicamente, não é benéfico. acaba gerando uma forma de trabalho que é claramente precarizada e que tem gerado, na prática, duas horas semanais de programa veiculadas em outros canais. Para a gente, como era promessa do superintendente, é muito mais valido que exista a estruturação do canal em vez da terceirização”, diz Bonachela.

Para o produtor, que trabalha diretamente com serviços audiovisuais, algumas exigências do edital também soam estranhas, como a exigência de um engenheiro na composição de equipe. “A gente acha estranho a imposição de um engenheiro no contrato social – entre os sócios da empresa proponente. Depois, o modelo da tomada de preço, o fato de terem optado pelo pregão presencial, que acelera o processo, mas diminui a publicização do edital”, diz.

No final das contas os críticos afirmam que o edital transparece exigir a contratação de uma emissora de TV, não uma produtora.

Bonachela completa que “é espantoso que esse edital que coloca essa terceirização seja posto novamente em praça. Porque a expectativa diante desse cenário político é de que a transparência para as casas legislativas – não só a Alepe – fosse cada vez mais importante”.

Resposta da Assembleia

Procurada pela reportagem, a Assembleia Legislativa informou que não tem conhecimento sobre as ações protocolados.

Com relação ao adiamento do edital de licitação por duas vezes, a Alepe apenas justificou que “a republicação do edital ao qual se refere, entendemos necessária para aperfeiçoamento do termo de referência, objetivando a participação de maior número de empresas no certame”.

Situação das ações judiciais

O TCU acatou denúncia e abriu um processo para investigar o pedido de impugnação e os problemas apontados pelas organizações da sociedade civil. No TCU, o processo está sob responsabilidade do ministro Raimundo Carreiro Silva.

Ao mesmo tempo, o TCE alegou que a ação teria perdido sentido em razão do adiamento realizado pela Alepe no prazo para início da licitação. As organizações, no entanto, afirmam que o teor e os problemas apontados no edital continuam, apesar do adiamento do prazo, e, por isso, entrarão com nova representação no órgão, uma vez que não houve mudança no conteúdo do edital. “Na prática mudaram de dia e um item no objeto do pregão. Somente. Mas todas as falhas e erros, os vícios doe edital continuam”, argumenta Odilon Lima. Segundo ele, a nova ação será protocolada ainda essa semana, antes da data de abertura da licitação – sexta-feira (07).

O Ministério Público do Estado de Pernambuco também acatou a ação civil protocolada e abriu processo para investigar a denúncia. A 14° Promotoria de Patrimônio encaminhou o processo para a Procuradoria Geral de Justiça do MPPE. Uma que a licitação é assinada pelo presidente da Alepe, a atribuição é encaminhada para o Procurador Geral. Ainda não há informações sobre a ação protocolada no MPF.

Atual empresa prestadora de serviço também pediu impugnação

A Empresa Pernambuco de Comunciação (EPC) também entrou com pedido de impugnação do edital de licitação e teve negado. Não a toa, a empresa pública atualmente é quem executa os serviços de captação e produção dos programas da TV Alepe, além de veicular dentro da programação da TV Pernambuco o conteúdo da TV Alepe.

O contrato de prestação serviços de produção e pós-produção de televidão para a Alepe custa, anualmente, R$ 387.332,76. O edital atual estabeleceu como teto anual o valor de R$ 930.160,00.

No documento apresentado pela EPC, a impugnação do edital seria necessária devido a, pelo menos, 5 problemas identificados: o valor, especificação da proposta, qualificação técnica e viabilidade da entrega do serviço em tempo hábil. A EPC pediu acesso à planilha de preços, parecer técnico e pesquisa de mercado que foram base da construção doe edital.

Não tiveram o acesso permitido. A Alepe alegou que por se tratar de prestação de serviços, não se aplicaria. No dia 05/06, a negativa, assinada pela pregoeira Meliana Martim, manteve “o objeto do instrumento convocatório nos mesmos termos”, ou seja, não acatou nenhuma das pontuações feitas pela empresa.

Também foi negado o pedido de impugnação registrado pelas organizações da sociedade civil diretamente na Alepe, por meio da Ouvidoria. Na resposta, enviada por e-mail também no dia 05/06, a pregoeira acatou parcialmente o pleito. Com a decisão, publicaria uma errata, mantendo a data, local e horário do pregão – agendado para a sexta-feira (07/06).

De acordo com informações de interlocutores da Alepe, o pregão presencial Nº 03/2019 aconteceu nesta sexta-feira e teve um vencedor. Durante todo o dia, o site da Alepe esteve fora do ar, inclusive sem expediente do setor de comunicação.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.