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365 dias de espera: assassinato de rapaz durante abordagem da PM em Jaboatão permanece impune

Marco Zero Conteúdo / 04/08/2021

Crédito: Arquivo de família

por Jorge Cavalcanti*

Amanhã completa um ano que Jhonny Lucindo Ferreira, 17 anos, foi atingido na nuca por disparo de arma de fogo efetuado por um policial militar durante abordagem em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. Até o momento, o processo administrativo instaurado pela Corregedoria-Geral da Secretaria de Defesa Social (SDS) está inconcluso e o agente, após a morte do adolescente, requereu e obteve a aposentadoria pela PM. Réu por homicídio, ele responde em liberdade ao processo em que ainda nem foi notificado para apresentar defesa. Em razão da demora do julgamento do caso, familiares e amigos de Jhonny realizam, na manhã desta quinta-feira (5), o ato #JustiçaParaJhonny em frente ao Fórum de Jaboatão.

“Eu sempre tive medo que isso poderia acontecer comigo ou com meus irmãos e aconteceu da pior forma. Um policial matou meu irmão. MATOU. Faz um ano e ele está solto. É sempre a mesma história: eu puxei o gatilho porque pensava que era ‘bandido’, e sempre é uma mentira. Jhonny não era bandido, ele sempre procurou o seu sustento trabalhando”, contou a irmã Jéssica Maria Ferreira, 19 anos, em entrevista por aplicativo de mensagem. “A importância (do ato de amanhã) é que um dia, no Brasil, isso não mais aconteça, que não seja outro irmão. Como diz a música de Legião Urbana: os bons morrem jovens”, completou.

Segundo a irmã, no dia da execução, ele havia ido buscar uma ferramenta na casa de uma tia, na garupa da moto de um amigo. Ele estava sem camisa e com o celular no bolso. No momento da abordagem, o jovem se assustou e deu três passos para trás, motivo suficiente para o policial disparar e lhe acertar na nuca. 

Ao lado da família de Jhonny, desde o início das investigações, organizações e movimentos sociais, como o Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares) e a Anepe (Articulação Negra de Pernambuco), têm cobrado a responsabilização do policial militar que efetuou o disparo. Em função da pandemia, uma portaria do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) havia suspendido os prazos para processos em que o réu responde em liberdade. “O que tem sido usado como argumento pela lentidão do andamento do processo pela Vara, mas é algo injustificado, não explica o fato de não ter saído sequer a citação do réu”, avalia a advogada Maria Clara D’Ávila, que acompanha o caso pelo Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares).

“Há pessoas que respondem por tráfico de drogas, que também acompanhamos pelo Gajop, e estão presas há mais de dois anos, extrapolando o prazo de prisão provisória, sem acontecer o julgamento do caso. A Justiça tem dois pesos e duas medidas: quando o réu é negro , pobre e responde por tráfico de drogas e, do outro lado, um policial que se encontra em liberdade, recebendo aposentadoria, sem ainda ter sido instado para apresentar defesa”, compara a advogada do Gajop.

Racismo letal: jovens na mira

Em Pernambuco, o número de pessoas mortas pela polícia aumentou 58% entre 2019 e 2020, segundo dados do Monitor da Violência. O aumento é o segundo maior do Brasil, atrás apenas do Mato Grosso. Foram registrados 73 casos de pessoas mortas por policiais na ativa no Estado em 2019. No ano seguinte, quando tiveram início as medidas de restrição de circulação de pessoas, foram 115 pessoas. Quarenta e duas pessoas a mais.

Segundo levantamento do Gajop a partir de dados oficiais da Secretaria de Defesa Social, 93% das vítimas de letalidade policial em 2019 foram pessoas negras, enquanto esta população representa 62% da população pernambucana. “Essa estatística revela um quadro de racismo institucional profundo e consolidado, que leva à morte pelas forças de segurança do Estado milhares de adolescentes e jovens negros, como Jhonny”, avalia Edna Jatobá, coordenadora do Gajop.

“No Brasil, o perfil do jovem, negro e pobre, morador de periferia foi considerado o perfil do inimigo público da sociedade. O racismo faz isso na perspectiva jurídica, mas também quando a nossa sociedade naturaliza isso no seu cotidiano. O racismo desumaniza as pessoas negras; inclusive, para que elas possam ser assassinadas sem que haja uma resposta rápida, justa e eficiente do nosso sistema de justiça criminal”, avalia Ingrid Farias, integrante da Anepe.

Respostas oficiais

Por nota enviada pela assessoria à reportagem, a Secretaria de Defesa Social disse que “está em curso um Conselho de Disciplina em desfavor do policial militar. O processo está em fase adiantada e será concluído, com publicação de portaria, em breve”. Já o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), por meio de sua assessoria de imprensa, comunicou que os prazos deixaram de estar suspensos desde 22 de junho, mas sobre o andamento nada foi informado.

*Jornalista com 16 anos de atuação profissional e interesse em narrativas decoloniais e de defesa e promoção dos direitos humanos. Acumula passagem nas redações do Jornal do Commercio e da TV Jornal e experiência em assessoria de comunicação política no Poder Legislativo (Assembleia Legislativa e Câmara do Recife)

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