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Ato número 1: censurar as universidades

Débora Britto / 26/10/2018

CENSURADO é o letreiro de uma faixa estendida na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro. Às vésperas do segundo turno das eleições que trouxerem ao debate público a ameaça do autoritarismo e da censura, ambos representados pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL), a Justiça Eleitoral cumpriu o papel de anunciar como pode ser o governo do capitão reformado, caso alcance a vitória nas urnas.

direito uff antifascistaNa última terça-feira (23), a UFF foi notificada para retirada da faixa, no mesmo local, em que se lia “Direito UFF Antifacista”. A instituição não foi a única. Casos como esse aconteceram em outras universidades pelo país e acenderam um alerta na comunidade estudantil e de professores. Até o momento, mais de 30 centros universitários sofreram algum tipo de ação judicial ou política com recolhimento de materiais, proibição de eventos acadêmicos ou dentro dos campi.

A investida nos últimos dias em diversas universidades no país levantou a desconfiança de que as ações dos TREs foram enviesadas para favorecer a candidatura de Jair Bolsonaro e silenciar seus opositores.

“Não sabemos até o momento se essa simultaneidade e abrangência se deve a uma ação coordenada de denúncias ou a uma ação planejada das forças policiais. Alguns dos alvos foram atividades ou materiais que poderiam ser caracterizadas como propaganda irregular, mas houve muitos relatos de abusos, incluindo análises de filmes, cursos de história e documentos em defesa da democracia”, relatou Pablo Ortellado, professor da USP, que está reunindo denúncias pelas redes sociais.

Em nota, a Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro defendeu que manifestações em favor da democracia ou contra o fascismo não configuram propaganda eleitoral e fez recomendação às universidades para que assegurem a liberdade de expressão no mundo acadêmico. No texto, a defensoria reforça a autonomia das universidades para a realização de debates “sem qualquer cerceamento no exercício do livre direito à expressão, independentemente de posição político-ideológica, ainda que haja debates sobre o quadro eleitoral vigente, o que não se constitui propaganda político-eleitoral”.

No Twitter, o professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro João Felippe Cury disse que existe uma “caça às bruxas” do TRE. “Não há isonomia. Há caça às bruxas. O TRE não fez força tarefa nas Igrejas que claramente apoiavam o Bolsonaro cometendo crimes eleitorais aos montões. O elo visível foi o espetáculo nas universidades. O que eles ignoram é a força da resistência. O caminho é resistir e testemunhar.”

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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, também publicou uma nota nesta sexta-feira (26) sobre o caso e chamou atenção para a diferença entre proibir propaganda eleitoral e censurar o debate de ideias em espaços públicos.

“Conceber que o repúdio ao fascismo possa representar o apoio a uma determinada candidatura seria admitir que a Constituição brasileira endossaria tal forma de regime, o que é inaceitável. Em realidade, poderia se criticar uma manifestação anti-fascismo por platitude num cenário de normalidade democrática, mas em hipótese alguma de propaganda a uma candidatura. Uma interpretação em favor da proibição de manifestações dessa natureza é uma ladeira escorregadia e, em breve, se poderia alegar que qualquer símbolo ou manifestação solidária ou trivial está associado a candidaturas. Até mesmo a simples presença de crucifixos em ambientes públicos poderia ser considerada um posicionamento contra, por exemplo, candidatos judeus ou ateus”, critica o documento do MPF.

Sem arrodeios, o documento considera que a Justiça Eleitoral passou dos limites ao interpretar manifestações como “Marielle Franco presente” e “Ditadura nunca mais” como posicionamentos político partidários. “A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) entende que são potencialmente incompatíveis com o regime constitucional democrático iniciativas voltadas a impedir a comunidade discente e docente de universidades brasileiras de manifestar livremente seu entendimento sobre questões da vida pública no país – tais como as que ocorreram nos últimos dias 23 a 25 de outubro, em mais de uma dezena de universidades brasileiras”, argumentou.

Como deveria agir a Justiça Eleitoral

Em meio às denúncias nas universidades, a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) publicou uma nota de esclarecimento sobre notificação que recebeu da Justiça sobre atividades realizadas no campus. Ao contrário do que houve em outros locais, a Unicap foi notificada de modo padrão, com base § 2º do art. 37 da Lei nº 9.504/97, que demanda que a instituição “fiscalize e não permita a veiculação/divulgação de toda e qualquer forma de propaganda eleitoral”.

Manoel Moraes, professor e titular da Cátedra Dom Helder Camara de Direitos Humanos UNESCO/UNICAP, explicou que a natureza do que aconteceu com a Unicap é diferente das ações em outros estados e universidades. Segundo ele, a ação está dentro da normalidade da Justiça Eleitoral.  “Essas medidas são resultado de um programa chamado Pardal em que a pessoa notifica dizendo que está tendo campanha em algum lugar. A partir disso, o juiz despacha notificações. O que foge à razoabilidade é quando operações sistêmicas nas universidades federais”, explicou.

O posicionamento explica que foram realizados dois eventos não partidários, mas de natureza distinta, o que cumpriria um equilíbrio nas atividades dentro do campus. As atividades aconteceram em dias diferentes. “Se o debate aconteceu como a Universidade afirmou isso está totalmente dentro da legislação. Se abriu espaço para pessoas que defendem uma chapa falarem e depois para outras. Você tem uma troca de ideias no ambiente acadêmico e tem aí uma manifestação de liberdade de expressão das pessoas”, explica a advogada eleitoralista Luísa Leite, especialista em direito eleitoral pelo ESA/TRE-PE.

“Eu acredito que a pessoa que fez a denúncia só viu um dia de debate. Como as eleições estão polarizadas acho que a universidade agiu bem em dar espaço a uma e depois a outra”, ponderou a advogada.

Para evitar a circulação de boatos, a Unicap afirmou em nota que “a referida Notificação foi deflagrada por denúncia realizada, a partir de debates realizados por iniciativa de estudantes e professores da Unicap, no dia 16.10.2018, no hall do Bloco G, supostamente em prol de uma das candidaturas à Presidência da República. Cumpre assinalar que, no dia 18.10.2018, militantes da outra candidatura se dirigiram ao mesmo local, também para a realização de debates, em apoio à candidatura que defendem”. Para evitar questionamentos como esse, a instituição também afirmou que evitou, nestas eleições, pedidos para outros eventos de candidaturas estaduais e nacional.

“O caso aqui foi um pouco diferente dos casos que ocorreram em outras universidades. Lá o que estava se fazendo era manifestações genéricas em prol da democracia, contra o fascismo. Isso é um ponto de diferença do que houve na Unicap”, alertou a advogada.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.