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Governo Bolsonaro promete, mas não paga auxílio a pescadores prejudicados pelo petróleo

Raíssa Ebrahim / 12/11/2019

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

O Governo Bolsonaro acumula mais uma promessa não cumprida e segue sem oferecer qualquer auxílio a pescadoras e pescadores prejudicados pelo vazamento de petróleo. Enquanto há trabalhadoras e trabalhadores à beira da fome, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) não depositou o pagamento de um salário mínimo a que havia se comprometido.

Segundo o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, José Bertotti, o dinheiro deveria ter caído na conta ontem, mas, até o fechamento desta matéria, o depósito não havia chegado. Ao todo, 7.500 pessoas no Estado aguardam o auxílio.

“Vocês [pescadores] receberão por esse período que ficaram sem poder fazer a pesca artesanal, a coleta de mariscos e caranguejos. O governo federal, como prometido, vai fazer o pagamento desses dias que não puderam trabalhar e levar para casa o sustento de famílias”,prometeua ministra Tereza Cristina no último dia 30.

Primeiro, o Governo Federal anunciou a antecipação do seguro-defeso, que só contemplaria uma parte das pessoas que vivem da atividade pesqueira. Em Pernambuco, por exemplo, o seguro só vale para quem pesca lagosta, menos de 400 pescadoras e pescadores. Depois, o governo voltou atrás revogando a portaria e anunciou a ampliação do auxílio, que não chegou até agora.

De acordo com Bertotti, o Governador Paulo Câmara (PSB) segue cobrando e, caso o descumprimento continue, o executivo estadual estudará uma maneira de não deixar milharesde famíliasdesamparadas.

“Seguimos sem conseguir vender. Sábado foi que chegou um rapaz aqui comprando, mas não vendemos tudo. Está muito difícil a situação da gente, só Deus é quem sabe o que estamos passando aqui. Não aparece ninguém para ajudar de verdade, é só conversa e promessa”, desabafa Regiane Maria da Silva chorando. Ela pesca em Mangue Seco, no litoral norte, tem 42 anos e vive da pesca desde os 16. Mãe solteira, precisa sustentar duas filhas.

Regiane conseguiu vender somente 10 dos 50 quilos de marisco que estavam estocados no freezer desde que a reportagem conversou com ela pela primeira vez, no dia 30 de outubro, durante a audiência pública que aconteceu na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Na ocasião, trabalhadoras e trabalhadores da atividade pesqueira do estado denunciaram a omissão do poder público e pediram ajuda para voltar a trabalhar e viver da pesca novamente.

“Ontem à noite, fui pescar, peguei um monte de siri para tirar a carne para vender. Fui para não ficar sem fazer nada, na esperança de que apareça alguém para comprar. Mas está complicado”, conta Regiane. “Estou me virando fazendo faxina em casa de família nos finais de semana. Às vezes aparece, às vezes não. Fiz uma fim de semana passado e estou esperando para saber se o pessoal vem no feriado para eu fazer novamente”, acrescenta.

Quando conversamos com ela nessa terça (12), ela tinha desistido de esperar o ônibus prometido pela Prefeitura de Igarassu para ir à audiência pública sobre o tema na Câmara de Vereadores da cidade. O transporte não chegou e o grupo resolveu voltar para casa.

Por meio de nota enviada pelo Conselho Pastoral do Pescadores Regional Nordeste (CPP-NE), o agente social Severino Santos confirma a situação: “Não há adiantamento de parcela referente ao seguro-defeso para os pescadores artesanais pernambucanos. A informação que o CPP-NE recebeu é que seria publicada uma Medida Provisória para garantir um pagamento emergencial aos pescadores, devido ao desastre ambiental produzido pelo derrame de petróleo em territórios de pesca artesanal. Até agora, essa Medida Provisória não foi publicada. O CPP também não tem conhecimento sobre a entrada de recursos na conta do Governo do Estado por conta do seguro-defeso”.

A pesquisadora da Fiocruz Lia Giraldo, que também integra o Grupo Temático Saúde e Ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva), chama a atenção para uma profunda insegurança alimentar de pescadoras e pescadores artesanais, que, por conta da difícilsituação financeira e da ausência de auxílio, seguem se alimentando do que pescam.

“São pessoas que estão correndo risco de intoxicação, mas também riscos para a saúde mental”, frisa. Lia defende que é preciso fortalecer o sistema de acompanhamento da população pesqueira daqui para frente. “Essas pessoas não são amostras, é preciso produzir conhecimento com eles, e não para eles”, afirma, lembrando que são trabalhadoras e trabalhadores que lutam pela soberania alimentar, e não por esmolas.

A Marco Zero Conteúdo entrou em contato com o Mapa a lentidão do pagamento do auxílio prometido e se há previsão desse dinheiro chegar às famílias pesqueiras. O ministério, no entanto, não respondeu.

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O Mapa anunciou na segunda (11) que os exames mostraram que os pescado de áreas atingidas pelo petróleo estariam próprios para consumo. Mas nesta terça (12), o Portal UOL publicou uma matéria em que autor de estudo citado pelo governo diz que “não é bem assim”. Segundo o professor Renato Carreira, da PUC Rio, instituição responsável pelas análises, através do Laboratório de Estudos Marinhos e Ambientais, os dados não permitem dizer que a pesca esteja liberada, nem que não haja animais contaminados.

“Nunca, em momento algum nosso laudo serve para dizer que a pesca está liberada”, disse Carreira ao UOL. Ao todo, o laboratório está analisando 21 amostras coletados na Bahia, no Ceará, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. A nota do ministério se baseou no resultado de 12 dessas amostras. Ainda falta o resultado das outras nove.

Outra informação fundamental, que consta na própria nota do Mapa, é que as amostras de peixes e lagostas não foram retiradas do mar especificamente para esses testes, mas coletadas em estabelecimentos registrados no Serviço de Inspeção Federal (SIF), ou seja, diretamente de peixarias nos dias 29 e 30 de outubro, nos estados da Bahia, do Ceará, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte.

Governo de Pernambuco, UFRPE e PUC Rio vão analisar pescados

O Governo do Estado anunciou uma parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e a PUC Rio para avaliar a qualidade dos pescados locais. Serão coletadas 150 amostras em 12 localidades atingidas pelo derramamento de petróleo: rio Capibaribe, Itapissuma, Itamaracá, Igarassu, Goiana, Paulista, Cabo de Santo Agostinho, Rio Formoso, Tamandaré, Ipojuca e São José da Coroa Grande.

As análises serão da pesca artesanal, não contemplada pelas fiscalizações do Mapa e da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária (Adagro). Entre as espécies coletadas estão moluscos (ostra, marisco e sururu), peixes (budião, saramunete, sapuruna, tainha, xaréu, manjuba, agulha, camurim, vermelho, pampo, bonito, dourado, bagre, raias e cações) e crustáceos (lagosta, camarão, caranguejo, guaiamum e siri).

A previsão é que em dez dias sejam liberados os primeiros resultados. As primeiras 50 amostras foram enviadas à PUC nesta segunda-feira (11) e as amostras restantes devem ser enviadas ainda esta semana. Após essas primeiras coletas, o governo anunciou que será iniciado também um trabalho de monitoramento dos pescados no litoral de Pernambuco, por prazo indeterminado.

A Marco Zero Conteúdo questionou a Secretaria de Desenvolvimento Agrário sobre a demora para tomar essa iniciativa, somente mais de dois meses depois do início do desastre. Em nota, o pasta explicou que o processo requer um levantamento das espécies e das localidades, além de uma definição das instituições responsável pelas análises, o que leva tempo.

Confira a nota na íntegra:

A parceria entre o Governo de Pernambuco e a Universidade Federal Rural de Pernambuco vem sendo construída desde que foram identificados os impactos na cadeia produtiva da pesca. A coleta, no entanto, precisou ser precedida de um levantamento das espécies a serem recolhidas, assim como das localidades onde essas amostras deveriam ser recolhidas. Também foi necessária a definição da instituição responsável pela análise, que precisa possuir laboratório certificado para análise de Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs), sendo escolhida a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), que apresentou o menor prazo para apresentação dos resultados: dez dias.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com