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Novo calçadão põe em risco obra que custou R$ 41 milhões nas praias de Jaboatão

Inácio França / 07/02/2020

Engorda com areia do fundo do mar salvou praias de Jaboatão (Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Às 9h da terça-feira, 18 de fevereiro, a prefeitura de Jaboatão dos Guararapes abrirá as propostas das empreiteiras dispostas a realizar uma obra orçada em até R$ 8,5 milhões e que põe em risco a engorda da praia que custou R$ 41,5 milhões e, desde 2013, contém os efeitos da erosão provocada pelo mar.

O edital de licitação, lançado em meados de janeiro, prevê a requalificação da orla entre as avenidas Barreto de Menezes e Aniceto Varejão, na altura da curva do SESC. São mais de dois quilômetros nos quais a faixa de areia acrescentada pela engorda chega ao muro dos prédios construídos rente à praia. O valor máximo aceitável para a obra é R$ 8.495.508,49.

Nesse caso, “requalificação da orla” significa a construção de um calçadão ligando os trechos já existentes em Piedade e Candeias. Esse trecho nunca pôde ser construído porque, até a engorda acontecer, o mar havia destruído completamente a faixa de areia e ameaçado a estrutura dos edifícios. A maior parte dos mais de R$ 40 milhões gastos nas obras da engorda vieram do Governo Federal.

O problema é que construir sobre a areia da engorda pode ser inviável.

Tiro no pé

A Marco Zero Conteúdo teve acesso a um relatório elaborado pela consultoria contratada pelo Governo do Estado para apontar alternativas para proteger o litoral da Região Metropolitana do Recife da erosão e fazer os estudos de viabilidade da engorda da praia. As recomendações da Coastal Planning & Engineering, empresa norte-americana cuja sede brasileira está em Florianópolis, não poderiam ser mais claras:

“Após
a execução da obra não se deve construir nenhum tipo de estrutura
rígida sobre o engordamento. Não é recomendado em hipótese alguma
a construção de calçadões, muros de contenção, quiosques,
calçadas, quadras esportivas, estruturas arquitetônicas, etc. (…)
O sedimento colocado faz parte da faixa dinâmica da praia e a
construção de estruturas rígidas não é condizente com a forma e
a estabilidade que se almeja do engordamento proposto depois de
equilibrado. Após execução da obra, a praia passa por um longo
período de retrabalhamento de sedimentos até atingir a sua forma de
equilíbrio, o que significa que a praia irá passar por mudanças
contínuas em sua dinâmica sedimentar após a execução da obra.”

O coordenador da equipe responsável por esse parecer afirmou que o conteúdo do relatório de 2011 continua válido. Na época, o oceanógrafo e doutor em Engenharia Ambiental Rodrigo Barletta trabalhava na Coastal do Brasil.

“Com base no conhecimento científico acumulado a partir de obras semelhantes em vários locais do mundo, recomenda-se que nada seja pavimentado sobre a praia engordada. Caso seja feito, é um tiro no pé, pois gasta-se um dinheirão para fazer os estudos e para fazer a intervenção. A praia é móvel, é instável, como construir uma estrutura rígida sobre algo móvel?”, questiona o oceanógrafo.

Mais areia

Professor de morfodinâmica e geologia costeira no curso de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Pedro de Souza Pereira, estuda praias há duas décadas. Quando a obra da engorda da praia de Jaboatão estava prestes a começar, ele era professor e pesquisador da UFPE, onde lecionou até 2018. Na época, foi um dos consultores acadêmicos que acompanhou a elaboração do projeto.

Ao saber da intenção da prefeitura de Jaboatão, Pereira foi enfático: “Se essa obra sair do papel, será uma tragédia, para dizer o mínimo. É um ato de ignorância, de falta de conhecimento e de zelo pelo dinheiro público. O município tinha apenas 300 metros de praia, passou a ter quase seis quilômetros após a engorda. Essa obra pode fazer tudo voltar à estaca zero”.

Trecho da praia de Piedade recuperado com a engorda (Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Pereira explica que, se havia a intenção de construir um calçadão de 10 metros de largura, essa informação teria de ser repassada para o projetista que, por sua vez, acrescentaria 10 metros na faixa de areia da engorda.

Para ele, se por alguma razão política o Estado se ver obrigado a aprovar o calçadão, só há uma saída técnica: “É preciso adicionar mais areia para compensar aquilo que seria impermeabilizado com o calçadão”.

Prefeitura precavida

Inicialmente,
a assessoria de comunicação da prefeitura de Jaboatão dos
Guararapes informou por telefone que o edital de licitação foi
lançado apenas para ganhar tempo, possibilitando a contratação de
uma empresa antes de 4 de julho. A partir desta data, de acordo com a
legislação eleitoral, os municípios serão impedidos de firmar
novos contratos.

Segundo a assessoria, a decisão de realizar a obra ainda não estava tomada, pois os estudos de impacto sequer tinham sido realizados. Em seguida, a prefeitura enviou uma nota oficial com maiores detalhes:

“A Prefeitura do Jaboatão dos Guararapes informa que não recebeu qualquer comunicado oficial da Semas. O projeto de requalificação da orla está na fase de estudo junto com outros órgãos ligados ao meio ambiente para avaliar a viabilidade e os impactos ambientais. A decisão sobre a obra será definida após a conclusão do referido estudo.”

Imagens extraídas da apresentação da prefeitura de Jaboatão

Alerta ligado no Estado

Apesar
de, publicamente, a prefeitura de Jaboatão informar não haver nada
certo sobre a obra, pouco antes
de publicar o edital de licitação, a
equipe do município fez uma
apresentação detalhada do
projeto para a
Comissão Técnica Estadual da
Orla, composta
por especialistas de organismos estaduais e federais com atuação na
política costeira em Pernambuco. Na
ocasião, foram exibidas imagens de um calçadão com quiosques,
bancos, postes e palmeiras.

Na nota, os técnicos alertam que o licenciamento ambiental do município não será o bastante: “cabe à Agência Estadual de Meio Ambiente [CPRH] a emissão do licenciamento ambiental, uma vez que as intervenções propostas (…) são caracterizadas como obras costeiras, e que também pode acarretar no processo de erosão costeira, e/ou provocar a erosão nas áreas adjacentes, gerando o conhecido efeito dominó, o que implica em um impacto ambiental em escala regional. (…) cabe ao licenciamento ambiental municipal somente as tipologias consideradas de impacto local”.

A iniciativa de Jaboatão deixou os gestores da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semas) numa saia justa. Como o prefeito Anderson Ferreira (PL) faz oposição ao governador Paulo Câmara (PSB), os responsáveis pela pasta evitaram se posicionar contra o projeto. Havia o risco disso ser usado politicamente pelo prefeito. O corpo técnico da secretaria passou a pressionar para tentar impedir a concretização da proposta. Por essa razão, uma nota técnica elaborada pela gerência de Política Costeira foi enviada ao Tribunal de Contas do Estado (TCE).

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.