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Cláudia Ribeiro: candidatura para divulgar o socialismo

Maria Carolina Santos / 11/11/2020

É sempre complicado analisar as propostas do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU). O alicerce de todas as candidaturas está sedimentado em uma revolução do proletariado e no consequente fim do capitalismo. Para uma eleição municipal, as consequências práticas disso são nulas. Mas o PSTU raramente entra numa eleição para ganhar: é mais para divulgar a palavra do socialismo.

Nessa cruzada, dificilmente o partido faz alianças. O PSTU está com candidatura própria em 16 das 26 capitais brasileiras. São todas campanhas feitas sem verbas do Fundo Partidário, já que o PSTU não atingiu a cláusula de barreira (1,5% dos votos) nas eleições passadas, ficando também sem tempo na TV e nas rádios.

Ao participar de eleições, o PSTU faz um plano de governo emergencial que é, digamos, levemente pragmático. Ainda que de difícil implementação – como o combo congelamento de tarifas mais aumento de salários – são propostas para serem implementadas enquanto a revolução não vem.

Neste ano, o PSTU apresenta no Recife a única candidatura 100% composta por mulheres: Cláudia Ribeiro para prefeita e Kátia Telles para vice. Nascida no Rio de Janeiro, Cláudia Ribeiro veio ainda criança para o Recife com a família – o pai é pernambucano – e aqui teve toda a sua formação política. Cursou pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde ingressou no movimento estudantil.

Fez parte do Partido dos Trabalhadores, militando na corrente trotskista Convergência Socialista. Saiu quando a corrente se desvinculou do PT e virou o PSTU, entre 1992 e 1993. Em 2007, começou um ciclo de três gestões na direção do Sindicato Municipal dos Profissionais da Rede Oficial de Ensino do Recife (Simpere). É professora em uma escola na Imbiribeira, e, por conta da função sindical ou de eleições, alterna momentos em sala de aula com licenças. Esta é sua terceira campanha: em 2006 concorreu para deputada estadual e em 2008 para vereadora.

Entrevista// Cláudia Ribeiro

Kátia Telles e Cláudia Ribeiro, na única chapa 100% formada por mulheres

Por que montar uma chapa 100% feminina para disputar essa eleição?
Nossa candidatura apresenta um programa alternativo para a cidade do Recife diante de uma grave crise econômica que se abate sob os trabalhadores e tem demonstrado que os políticos que estão no poder nada fizeram além de garantir os lucros dos ricos e milionários. Então a chapa do PSTU é para apresentar um projeto alternativo, socialista, de socializar a riqueza que a gente produz. A produção é coletiva , mas a apropriação é privada. Nesse sentido, construímos uma chapa que é o reflexo do que é a nossa sociedade. Embora isso para a gente não seja determinante, é importante ter essa representatividade. Poderia ser também uma chapa com uma mulher e um homem…

Quais serão as suas prioridades nas políticas públicas voltadas para as mulheres?
Para além de sermos a maioria da população, qualquer política que se apresente e você não organizar essas políticas, você deixa de fora metade da população. Não é possível apresentar um projeto de sociedade que não tenha uma ruptura com o capitalismo. Qualquer outro projeto dentro desse sistema econômico está ameaçando a nossa existência. É preciso romper, construir uma sociedade socialista através da revolução.

Mas o PSTU traz também um plano com propostas de governo.
Nas eleições a gente traz um projeto emergencial, porque esse sistema capitalista tem nos condenado a uma vida precarizada e decadente, e isso influencia muito na violência. Não tem como falar em políticas para as mulheres sem falar em orçamento, em taxar as grandes fortunas, aumentar o IPTU, para que uma parcela da sociedade que lucra muito pague mais.

E no programa emergencial, o que tem voltado para as mulheres?
A cidade do Recife tem sua metade sem saneamento, e quem mais sofre são as mulheres e as mulheres negras. Você tem 150 mil pessoas desempregadas. E a maioria que sofre com o desemprego são mulheres pobres e negras. É um plano para a cidade como um todo e que vai beneficiar as mulheres. No que diz respeito à violência contra as mulheres, a gente entende que é possível ampliar as delegacias de atendimento às mulheres, é possível construir uma delegacia em cada bairro para que funcionem 24 horas…

Cláudia Ribeiro em campanha de rua

Mas isso seria uma função do Governo do Estado, certo?
Não necessariamente. O que acontece…estamos falando de orçamento, da cidade, de uma política que interfere profundamente na outra. A gente pretende que a Prefeitura do Recife, sob a organização do PSTU, seja uma trincheira na luta por políticas que atendam a maioria da população. E obviamente as mulheres. Então, isso é um plano para que a Prefeitura do Recife tenha a obrigação de ajudar a organizar e lutar para que esteja à disposição das mulheres trabalhadoras. É parte do nosso projeto que a cidade se organize por meio de conselhos populares, com 100% do orçamento. E nesses conselhos, formados por mulheres e homens, a gente possa discutir as prioridades dos bairros. A prioridade é que a cidade tem de se voltar para nos atender. E somos nós, e em especial as mulheres negras, que estamos expostas às consequências danosas da decadência da cidade. Uma cidade escura, sem saneamento, com milhares de crianças fora das creches, com uma prefeitura que destina pouco dinheiro para a saúde.

Na área de educação, como você avalia a condução do prefeito Geraldo Julio nesse cenário de pandemia? o que faria diferente?
É uma prefeitura que tem ódio da população pobre. As escolas localizadas na periferia são sem saneamento, as crianças moram em casas sem tratamento de esgoto. A pandemia veio para jogar para a superfície que a população não tem acesso à internet, a grande maioria não tem celular. A prefeitura está colocando as professoras em jornadas exaustivas de trabalho remoto. As professoras têm filhos, a responsabilidade das mulheres com crianças e idosos gera uma jornada exaustiva de trabalho. Não há investimento também em tecnologia.

Você fez parte da convergência socialista, a corrente do PT que deu origem ao PSTU. Como você avalia a disputa do PT com o PSB e acha que Lula pode influenciar no resultado da eleição no Recife?
Se Lula ainda pudesse influenciar talvez tivesse outro cenário. Houve uma ruptura muito grande da população em relação a Lula. As pessoas acreditaram que suas vidas iam se transformar no governo do PT, mas Lula assumiu o governo e deu uma trégua aos grandes empresários e repassou verbas para os bancos. A votação em Bolsonaro demonstrou isso. Agora, a briga entre PT e PSB é só para ver quem vai sentar na cadeira, porque do ponto de vista de projeto não tem a menor diferença. O PT está coligado com o PSB em 46 municípios de Pernambuco. O PT estava compondo o governo do estado poucas semanas antes da campanha começar. Nacionalmente são coligados, é uma briga apenas pela cadeira. Quando passar as eleições estarão juntos de novo. Os trabalhadores não têm a ganhar nem com um nem com outro.

Você já sofreu com machismo em partido político ou em campanhas?
O machismo é um instrumento do sistema capitalista. Ele não vive sem o capitalismo e usa dessa ideologia para extorquir mais valia da classe trabalhadora, na hora que nos divide, rebaixa nosso nível salarial e coloca mulheres e homens uns contra os outros. E nos impõe uma vida miserável, à mercê da violência…que a gente não tem direito ao nosso corpo, que o Estado e a Igreja que determina o que vamos fazer com nosso corpo. Já sofri machismo em todas as esferas da sociedade. Como a gente trata disso é que é diferente. Não acreditamos que possa existir dentro desse sistema um modelo de homem ideal, mas achamos que dentro da nossa classe é possível sem tréguas o combate ao machismo. Deve ser dado entre homens e mulheres da classe trabalhadora, sem nos dividir.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com