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Crédito: Fiona Forte
Por LIVROTECA BRINCANTE DO PINA*
A comunidade do Bode se situa na Zona Sul de Recife, Pernambuco, às margens do Rio Capibaribe e entre os bairros de Boa Viagem e do Pina.
A Igreja do Pina e seus arredores em 1920. Nessa época ainda não existiam prédios no Pina e em Boa Viagem. O manguezal estava ocupando quase todo o espaço atrás da igreja. Foi nos anos 1930 que famílias começaram a ocupar o trecho de ilha “Encanta Moça” que iria ganhar o nome de Comunidade do Bode por conta da criação do animal à beira da maré.
Os pescadores tomaram a posse do Pina por fruto de muito trabalho, aterrando os terrenos para construir casas de alvenaria, além das palafitas.
A comunidade do Bode vista desde a Via Mangue: o Rio Capibaribe e o manguezal, as palafitas e as casas de alvenaria. No fundo, os prédios de Boa Viagem. Uma verticalidade que contrasta com a horizontalidade das moradias das 10 mil pessoas que vivem na beira da maré. Uma evidência visual da especulação imobiliária e da desigualdade social.
As palafitas são moradias tradicionais dos pescadores e pescadoras da Comunidade do Bode, fazendo parte do patrimônio da cidade do Recife. Ainda assim, o olhar das políticas públicas de urbanização desconsidera toda essa história, negligenciando seu papel fundamental para garantir os direitos básicos dessas pessoas.
O bairro da Beira Rio, apelidado como Beco do Sururu, faz parte do manguezal do Pina, na Zona Sul do Recife. Na localidade falta acesso a serviços básicos como esgoto, água, ou eletricidade.
Para chegar até as casas do Beco do Sururu, é preciso passar entre becos feitos de madeira. Os moradores constroem as suas habitações com o material que encontram. Usando gambiarras para conseguir eletricidade, que são extremamente perigosas por causa dos riscos de incêndio.
O Beco do Sururu tem apenas uma torneira e uma bomba de água para mais de 50 famílias. Os moradores vêm sofrendo há mais de um mês sem água nas torneiras, tendo que pegar em baldes no rio para lavar alimentos e para usos pessoais.
Por serem construídas na beira do rio e expostas às oscilações da água, as palafitas precisam de muito cuidado e manutenção para não desabar. A cada seis meses as colunas de sustentação deveriam ser trocadas.
Muitas palafitas são construídas com restos de madeira, apresentando altos riscos de cair.
Basta olhar para descobrirmos o manguezal: um ecossistema costeiro de transição terrestre e marinha. Aqui no Pina encontramos o “Parque dos Manguezais”, resistindo há tempos como a maior reserva desse tipo de vegetação em área urbana do Brasil.
Ainda que indevidamente poluído, o Rio Capibaribe abriga uma imensa biodiversidade, como por exemplo a garça-azul. A ave se reproduz nesse ecossistema e costuma viver em pequenos grupos ou sozinha. Se alimenta de peixes e pequenos invertebrados.
A maré é a fonte de renda principal de uma grande parte dos moradores e das moradoras na Comunidade do Bode. Eles vivem da pesca do sururu, mariscos e caranguejo.
Os pescadores e pescadoras produzem seus próprios barcos para pesca e transporte.
Por vezes, pescadores e pescadoras passam toda uma noite catando e tratando marisco para garantir que esse alimento chegue até a mesa.
A poluição presente na Bacia do Pina, gerada principalmente pela falta de acesso a coleta de lixo e saneamento básico, ameaça a biodiversidade da maré e a pesca. Ocasionada pela quantidade de resíduos presentes nela, já tem resultado na morte de mariscos e na migração de peixes da região.
O descaso de políticas públicas orientadas para reduzir a poluição da maré, precariza as vidas dos moradores e moradoras da Comunidade. Ratos entram nas casas onde dormem crianças, trazidos pela maré ao lado de todo tipo de embalagens.
“Depois que foi construído esse Shopping RioMar, destruiu a gente aqui. Porque até a poluição de lá, tá prejudicando a gente na pesca”, explica Leydiane, moradora da Comunidade Beira Rio. O centro comercial, inaugurado em 2012, ocasionou na destruição de boa parte do manguezal e no aumento da poluição, afetando principalmente o ecossistema e as pessoas que moram às margens da Bacia do Pina.
Para lutar contra a poluição da Maré, a Livroteca Brincante do Pina organiza cada ano a Gincana Ecológica. Voluntários e voluntárias se juntam a moradores para limpar a beira da maré.
A arquitetura da Comunidade do Bode representa a diversidade e reúne as camadas da memória e da urbanização da cidade, entre palafitas e casas de alvenaria. No fundo os prédios de Boa Viagem num agressivo contraste.
Em meio aos arranha-céus, a Comunidade do Bode se ergue como um símbolo de resistência contra a especulação imobiliária.
Mais perto da avenida Herculano Bandeira, na rua Encanta Moça, há vestígios de outra época: são casas inspiradas no estilo colonial, habitadas ou abandonadas como essa.
O terreno fica entre as ruas Artur Lício e Eurico Vitrúvio. Foi batizado Sítio dos Pescadores porque a maioria das famílias que mora na ocupação era de pescadoras expulsas de palafitas localizadas na margem do manguezal.
A ocupação foi iniciada em 2015 e abriga hoje mais de 96 famílias. Ao lado dos moradores, o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) organizou várias ações para defender o direito à moradia digna e segurança que vem sendo fragilizado de maneira repetitiva como testemunha Banzay, um dos representantes do hip hop na cidade e morador do Sítio: “Desde quando ocorreu essa ocupação, a gente vem enfrentando muitos problemas, com o próprio sistema. E o que o sistema chama de segurança pública, a gente aqui chama de agressão social”.
O processo de limpeza e revitalização da Livroteca Brincante do Pina, a biblioteca comunitária que nasceu numa palafita, foi iniciado em agosto de 2013 pelos moradores, artistas locais e afins. Com o poder coletivo local, o prédio abandonado se transformou em um lugar de arte, militância e cultura para as crianças e adolescentes da comunidade do Bode.
O Pocilga do Bode, popularmente conhecido como o “Chiqueiro de Wala”, é provavelmente o único lugar em Recife onde há criação de porcos flutuante. “Em relação aos porcos, de vez em quando eles correm pra rua. Fogem. Entram pra debaixo do barraco. Começa a tremer as estroncas. Chega dá medo de quebrar alguma, como já quebrou”, diz Daniela, moradora de um barraco que fica em frente ao chiqueiro do Bode.
Além dos problemas rotineiros como incêndios e ratos, os moradores da comunidade sofrem em dobro os impactos da pandemia da Covid-19. ¨Como vou me prevenir se nem água na torneira tem?” pergunta o Passinho da Prevenção interpretado pelos MCs Boby e Alê do Pina.
Apenas durante os primeiros meses da pandemia distribuições de cestas básicas foram organizadas. Esses paliativos temporários aliviaram, por parte emergencial, a sobrevivência dos moradores que estão em uma situação constante de extremo abandono.
Terreno do antigo Aeroclube, onde serão construídos os habitacionais Encanta Moça I e II. Promessa feita há 8 anos pela atual gestão da cidade e que tiveram as obras iniciadas no segundo semestre de 2020: ano de eleições municipais.
Maquete do projeto de habitacionais no antigo Aeroclube divulgada pela Prefeitura de Recife. O conjunto de moradias está se erguendo com a ausência da opinião popular e de forma lenta.
A pichação é um ato político, símbolo da liberdade de expressão e da chegada aos espaços que geralmente são negados a partes da sociedade. Esta pichação foi feita pelo artista Crânio, no muro onde estão sendo construídos os habitacionais Encanta Moça I e II. Desde o início das obras, foram implantadas paredes que cercam o antigo terreno do Aeroclube.
O problema não é a existência de palafitas, moradias tradicionais de comunidades pesqueiras, e sim da falta de um olhar respeitoso vindo do Estado. É o exemplo de palafitas como essas, na cidade de Manaus, Amazonas, que recebem cuidado e são consideradas patrimônio a preservar, que as políticas públicas precisam seguir.
*A Livroteca Brincante do Pinaé um projeto de incentivo à leitura, integração artística, cultural e ambiental que tem como base uma biblioteca comunitária, com foco na informação popular. É localizado na Comunidade do Bode, bairro do Pina, Zona Sul do Recife.Nesse tempo de pandemia, a Livroteca se mobiliza para informar a população do Bode acerca do coronavírus e realiza ações de assistência emergencial, entregando comida e materiais de higiene para as famílias da comunidade.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.