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Indígenas Truká destruíram obra de templo da Assembleia de Deus que não tinha autorização para ser construída em seu território. Crédito: Divulgação
Homens e mulheres do povo Truká munidos de marretas e entoando cânticos demoliram a estrutura de uma obra que seria um templo da igreja Assembleia de Deus, na Ilha de Assunção, na zona rural de Cabrobó, sertão de Pernambuco. As imagens viralizaram nesta terça-feira (27), mas a cena parou a aldeia no sábado (24), marcando mais um capítulo da história de pelo menos uma década de resistência dos indígenas ao avanço do protestantismo.
Duas semanas antes de impedir que a igreja fosse erguida no território herdado de seus antepassados, às margens do rio São Francisco, os indígenas Truká foram alvo de uma pregação do pastor Jabson Avelino, líder da Assembleia de Deus na cidade. Em um culto transmitido ao vivo pelo Youtube, Avelino disse que o pajé Adão e outras lideranças tinham proibido cultos e emendou com ironia e risos: “porque os espíritos de luz deles não estão descendo, parece que cortaram a energia lá”.
A narrativa ultrapassou as paredes da igreja e ganhou a cidade e as redes sociais que se encheram de comentaristas tentando ligar os rituais sagrados dos indígenas com o demônio relatado pela cultura judaico-cristã. O que o pastor Avelino não disse é que em um território demarcado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e, portanto, oficialmente dos indígenas Truká, cabe à comunidade local autorizar a construção de qualquer empreendimento na terra, o que não aconteceu.
“Há mais ou menos 10 anos, quando alguns parentes se tornaram crentes, a gente vem tentando o diálogo para explicar que todos podem seguir a religião que quiserem, mas a prática deve acontecer fora do território. Como a gente vai ter aqui dentro da aldeia pessoas que ofendem o nosso sagrado e dizem que nossa religião é do diabo?”, questiona o cacique Bertinho.
A liderança indígena classificou a fala do pastor como incitação ao ódio e intolerância religiosa, e registrou um boletim de ocorrência na delegacia de Cabrobó. Bertinho também notificou a Funai e ainda esta semana pretende pedir a abertura de uma investigação no Ministério Público Federal. A Marco Zero Conteúdo tentou contato com o pastor Jabson por telefone e pelo e-mail, mas não obteve retorno.
Em nota, a assessoria de imprensa da Igreja Assembleia de Deus em Pernambuco (IEADPE) se isentou da responsabilidade pela tentativa de construção do templo e reconhece que não há consenso dos moradores da aldeia nem “há autorização das autoridades para que a obra fosse erguida”. “Desse modo, respeitando a legislação e na busca constante de evitar conflitos, a IEADPE não construiu, não incentiva e nem vai construir nenhum templo na região sem as devidas autorizações legais”, diz o texto.
A filial da Assembleia de Deus começou a ser erguida no terreno onde mora um indígena Atikum acolhido há alguns anos na terra Truká. Convertido ao protestantismo, o homem conhecido como diácono Adeildo foi quem, segundo o cacique Bertinho, autorizou o início das obras. “O território indígena é para usufruto de todos, por isso para construir todos devem ser consultados. O diácono Adeildo permanece na aldeia sem problemas, mas isso não pode se repetir”, afirma o cacique.
“Infelizmente muitas comunidades indígenas estão infestadas de igrejas, o que essas organizações religiosas têm feito é cooptar indígenas para poder respaldar esse tipo de construções”, afirma a assessora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Samara Pataxó. “Cabe à coletividade indígena decidir o que pode ou não acontecer em suas terras, desde que respeite seus modos de vida, cultura e tradições”, completa.
O professor do Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Renato Athias, avalia o episódio no território Truká como mais um resquício de cinco séculos de história de submissão indígena ao cristianismo. Para o pesquisador, que também coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (Nepe), e estuda os povos indígenas há quase 50 anos, houve uma tentativa de criminalização dos Truká.
“A estratégia em 2021 é a mesma que começou no início do século 15, que é de salvar a alma do ‘selvagem’, dando-lhe uma alma cristã. O povo Truká foi corajoso e disse não, mas os membros da igreja lá fizeram de propósito para tentar convencer a sociedade de que os indígenas são beligerantes, quando na verdade são pessoas pacíficas e que tinham tentado o diálogo”, argumenta Athias.
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O território do povo Truká não tem nenhum templo protestante, mas tem uma capela dedicada à Nossa Senhora Rainha dos Anjos. De acordo com o cacique Bertinho, a presença da Igreja Católica é um exemplo da convivência pacífica entre cristãos e indígenas, e mostra que não há intolerância por parte de seus parentes com outras religiões. A relação histórica com o catolicismo, lembra o líder Truká, é marcada por dores, mas também por salvação.
“Todos sabem o que a Igreja Católica fez com os povos indígenas, aqui um bispo chegou a vender as nossas terras. Mas também foram católicos capuchinhos que protegeram nossos antepassados dos fazendeiros, se não fossem eles teríamos sido dizimados”, diz Bertinho. “A comunidade autorizou a construção da igreja e o padre respeita nossas tradições, inclusive dançamos o Toré dentro do templo e louvamos Nossa Senhora Rainha dos Anjos”, acrescenta.
Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo Representativo, com o apoio do Google News Initiative”.
Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com