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Crédito: Géssica Amorim/MZ Conteúdo
O único retrato de Maria Cordeiro que se tem notícia está guardado na Casa de Cultura de Serra Talhada, junto às imagens e histórias de outras personalidades importantes para a cidade. Segundo informações do acervo da instituição, teria sido na década de 50, durante uma passagem de Frei Damião por Serra Talhada, que Maria Cordeiro decidiu se converter. Ao ouvir uma das pregações do frade, que viajava pelo sertão do Pajeú em uma de suas missões, Maria teria sido tocada e, então, resolvido abandonar a vida de prostituição e aliciamento de meninas e decidiu deixar tudo para trás e mudar o seu destino.
A história exposta na Casa da Cultura conta que Maria Cordeiro abriu mão do dinheiro que acumulou se relacionando com ricos fazendeiros da região, dos seus pertences, e da casa onde morava, para passar a viver de caridade, sob a guarda do padre espanhol Jesus Garcia Riaño, que chegou à cidade em 1936 e permaneceu à frente da Paróquia de Nossa Senhora da Penha, padroeira de Serra Talhada, por 54 anos.
A agora beata, que dormia no chão de um quartinho da Matriz de Nossa Senhora da Penha sem lençóis ou qualquer conforto, por muito tempo, foi proibida de frequentar missas e assistir a casamentos locais. Carregando o estigma de mulher desonrada e mal vista pelos serratalhadenses da época, Maria deixou o bordel para tocar o sino, cuidar da limpeza, preparar as missas e organizar a igreja onde muitas vezes foi rejeitada.
Crianças da época, hoje pessoas adultas, contam que Maria era uma figura sisuda, séria, brava e muito rígida. Andava com um vestido fino de algodão azul, com um corte que lembrava as vestes franciscanas, e usava um cordão branco amarrado à cintura, além de um véu cobrindo os cabelos e parte do rosto.
Quem foi vítima da rigorosa e inflexível ira de Maria Cordeiro à frente da organização da igreja matriz foi dona Maria das Graças de Moraes, 61 anos, conhecida como Gracinha do Padre, que, àquele tempo, tinha 14 anos. Um dia, Gracinha, com traquinagem de criança, tocou o sino da igreja sem permissão e fora de hora. Maria não poupou a menina do seu desagrado, lhe advertindo com dureza e fúria.
Apesar do sermão e do desgosto, Gracinha do Padre foi a escolhida por Maria para lhe substituir. Gracinha, que era sobrinha de dona Doralice, amiga íntima de Maria Cordeiro, aprendeu com a beata a organizar a igreja e o altar para o início e andamento das missas, até, finalmente, ocupar o seu lugar.
Segundo Gracinha do Padre, Maria Cordeiro lhe ensinou “com muito gosto e paciência”. Atenta, ela aprendeu tudo e, às 18h30 do dia 02 de fevereiro de 1974, acendeu as luzes, organizou o altar e tocou o sino da igreja de Nossa Senhora da Penha para anunciar a missa da noite. Horas antes, às 6h30 da manhã daquele dia, Maria Cordeiro havia falecido, vítima de uma crise aguda de asma. “Ela tinha mais de 80 anos, com certeza. Aquela figura enjoada, bruta e malcriada era só por fora. Comigo, apesar da bronca que eu levei por me intrometer e tocar o sino da igreja, ela era muito boa pessoa. Ela vivia de caridade mesmo. As pessoas é que davam comida a ela. Eu ia buscar o almoço dela um dia na casa de um, outro dia na casa de outro. Ela deu tudo o que podia para a igreja. A sua disposição em servir era admirável”, conta Gracinha.
O corpo de Maria foi velado na igreja Matriz. Muitos serratalhadenses compareceram ao seu velório e acompanharam o cortejo até o cemitério local, onde foi enterrada e o seu túmulo marcado com uma cruz que, um dia, esteve no alto da Igreja de Nossa Senhora da Penha. Gracinha conta, ainda, que padre Jesus segurou uma das alças do caixão de Maria demonstrando muita tristeza, lamentando ao longo de todo o caminho até o cemitério público municipal. “Padre Jesus ficou muito abalado. Ele gostava muito de Maria. Ela cuidava de tudo mesmo. Era como uma mãe para ele. Ele segurou o caixão até a chegada ao cemitério, como alguém da família, estava muito triste”.
Após o falecimento de Maria Cordeiro, Gracinha do Padre passou 20 anos à frente da organização da Igreja. Hoje, ela trabalha vendendo doces e artigos religiosos em frente à lotérica da praça Doutor Sérgio Magalhães, em Serra Talhada. Quem quiser saber sobre Maria e o tempo em que ela viveu, pode chegar até a banca de Gracinha, que, gentilmente, ela irá contar a história da cafetina que virou beata e outros personagens e acontecimentos que testemunhou. A poucos metros, também na praça Doutor Sérgio Magalhães, está o pequeno museu que cujo acervo trata da história da cidade e de gente como o forrozeiro Assisão, o cangaceiro Lampião, o padre Jesus e a beata Maria Cordeiro.
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