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Intercom discute os efeitos perversos do monopólio das cinco gigantes da internet

Raíssa Ebrahim / 07/10/2021

Crédito: Reprodução/Faixa Livre

Os últimos dias têm sido difíceis para a imagem do Facebook. Primeiro, foram as denúncias da ex-funcionária Frances Haugen. Em seguida, a queda da rede social e também do Instagram e WhastApp, ambos controlados pela empresa. Certamente, nas seis horas de interrupção dos serviços, na última segunda-feira, 4 de outubro, o prejuízo para micro e pequenos empresários que dependem dessas plataformas foi bem maior, proporcionalmente, do que para o lucro estratosférico de uma das (poucas) gigantes da internet.

As denúncias de Frances Haugen, de que Facebook “& cia” manipulam os desejos dos usuários para fazer dinheiro, não são exatamente uma novidade. Mas, vindas de alguém que viveu isso por dentro, têm um grande peso na discussão sobre a internet como um ambiente regulado num mundo altamente conectado através de uma rede monopolizada e colonizada por Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft (“Gafam”).

É nessa trincheira que se encontra a comunicação, com o desafio da democratização dos meios não só pelo acesso, mas também pela equidade tecnológica. Esse foi um dos pontos debatidos nesta quinta, 7 de outubro, no 44º Intercom – Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, na mesa “Sobre o direito e o dever de resistir: a comunicação na trincheira”, com os debatedores Fernando Oliveira Paulino (UnB/Socicom), Helena Martins (UFC) e Marcos Dantas (UFRJ), com mediação de Erick Felinto (Uerj).

Paulo Freire e a comunicação como prática de liberdade, resistência e cidadania são os grandes temas do maior evento científico da área de comunicação da América Latina que acontece este ano na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), no Recife, até o próximo sábado, 9 de outubro.

Professor titular de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marcos lembrou do poder de destruição ética e estética que a internet e as redes sociais introduziram na sociedade e que não é a tecnologia que determina relações sociais; são as relações sociais que determinam o rumo das tecnologias. “A internet tornou-se tão essencial quanto a energia elétrica”, resumiu, ao falar do apagão da última segunda, enfatizando a necessidade de submeter esses rumos a algum controle público, um movimento que conta com a resistência de segmentos que lutam por efetiva democratização dos meios através de um sistema regulatório. “Cada vez mais, o mundo clama por regular a internet, mais precisamente as grandes plataformas que operam sobre a internet”, afirmou.

A denúncia da ex-funcionária do Facebook vem reforçar que não somente os usuários, mas, em grande parte, os provedores de acesso e as grandes plataformas são também responsáveis pelo conteúdo que circula na rede, com seus algoritmos e impulsionamentos para gerar mais vínculos e interações. O problema é que estão nisso conteúdos de ódio, fake news e obscurantismo. “Esses discursos sempre existiram. A questão é se têm direito de circular livremente pela internet”, provocou Marcos, que é membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e foi, entre outros cargos públicos, secretário de Planejamento e Orçamento do Ministério das Comunicações (2003).

No Brasil, o Projeto de Lei 2630, conhecido como PL das Fake News, busca impor alguns desses limites a toda essa “liberdade”. O projeto trata da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, cujo parecer do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), tem data de entrega agendada para esta sexta, 8 de outubro.

Professora da Universidade do Ceará, Helena Martins afirmou que “não dá mais para manter esse estado das coisas e ver a internet se transformar em mais um campo de mercantilização, como aconteceu com o rádio e a TV”. “Há urgência de pensar não só o uso, mas a superação desse estado de coisas”, explicou. Para ela, essa crise mais recente demanda uma retomada do pensamento crítico que faça uma articulação de resistência com estratégias em relação às formas de comunicação.

O professor Fernando Oliveira Paulino, da Universidade de Brasília, destacou que, nesse hall de ataques, há um alvo muito presente: as instituições públicas de educação. Ele definiu o sistema acadêmico brasileiro como sendo ainda muito “autofágico, autocentrado”. “O baixo grau de educação científica no país contribui com esse desaguar de ressentimentos com as instituições”, avaliou ele, que também é da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Sociocom).

A fala de Fernando foi para reforçar a importância de a comunicação das universidades e dos institutos fortalecerem a difusão de suas produções, atividades, pesquisas e extensões e também o diálogo entre os pares e com a sociedade. “Uma grande trincheira é necessidade de trabalhar ombro a ombro nesse momento”, definiu.

AUTOR
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Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com