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A comunicação sob a ótica de Paulo Freire no centro dos debates do 44º Intercom

Raíssa Ebrahim / 05/10/2021
Paulo Freire

Crédito: Reprodução Intenet

É difícil falar em comunicação sem remeter aos pensamentos do pernambucano Paulo Freire, que faria 100 anos neste último mês de setembro. Para o patrono da educação brasileira, a comunicação é uma troca dialógica (em forma de diálogo) que necessariamente carrega um ponto de vista político e social. Quando levamos isso para a comunicação popular, comunitária e periférica, os ensinamentos freireanos encontram uma potência enorme, sobretudo em tempos de obscurantismo e ameaças democráticas. Afinal, é a comunicação um dos grandes marcadores das democracias, cuja base fundamental é a pluralidade de vozes.

O educador faleceu em 1997. Na época, o protagonismo do espaço público e da formação da opinião pública, relembra o professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), Venício Artur de Lima, era da chamada velha mídia, sobretudo da TV, cujas concessões são dos grandes grupos privados. Paulo Freire, logicamente, não viveu a época atual da revolução digital, da popularização da internet – com outros grandes grupos dominantes -, o uso frenético das redes sociais e a controversa infodemia, com enxurradas de fake news.

Dar opiniões colocando-se no lugar de alguém que já partiu é uma tarefa por vezes complicada. Mas, no caso de Freire, sabendo-se o mínimo sobre ele, fica relativamente fácil imaginar o caminho que as críticas dele teceriam. “Ele evidentemente ficaria muito triste com a situação em que nós vivemos, onde a mentira virou uma estratégia política, e há, inclusive, justificativas teóricas de que a mentira é um meio válido para se atingir determinados fins. Paulo Freire evidentemente não concordaria com isso”, diz Venício, provocado por uma pergunta da Marco Zero, o veterano e pioneiro no estudo da obra de Freire para além da alfabetização.

Num contexto que deixa nítido que vozes são silenciadas e que vozes são amplificadas pelas grandes empresas de comunicação, colocar Paulo Freire em evidência para debater comunicação é vital, sobretudo diante dos ataques reacionários à sua contribuição intelectual e transformadora para diversos países, não só o Brasil.

A comunicação como prática de liberdade, resistência e cidadania é um dos grandes temas do 44º Intercom – Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, que começou nesta segunda-feira, 4 de outubro, e vai até sábado, 9 de outubro. O maior evento científico da área de comunicação da América Latina acontece este ano na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), no Recife.

“Com relação à chamada infodemia, nem ele (Paulo Freire) nem ninguém que tenha o mínimo de racionalidade pode contar com a divulgação de notícias falsas que tem como resultado a perda de vidas”, reforça Venício, relembrando o sujeito que o educador era, comprometido com o homem, a vida, o amor e felicidade.

“Paulo, quando encostava na parede para opinar sobre a mídia de massa, sempre remetia o interlocutor para o conceito de comunicação dele, que se apoia numa teoria do conhecimento”, recorda o pesquisador, com a licença que possui para chamar Freire somente pelo primeiro nome. O estudioso, aliás, fala justamente sobre isso em seu recém-lançado livro, Paulo Freire: a prática da liberdade, para além da alfabetização (Autêntica e Fundação Perseu Abramo). Venício estuda Freire há nada menos do que 50 anos, enfatizando a relação entre comunicação e cultura.

Com relação aos meios de comunicação de massa, “Paulo Freire reconhecia a importância deles no mundo em que vivia, mas também fazia críticas”, recorda Venício. Falava que era preciso ver criticamente os meios de comunicação, por serem os principais portadores e reprodutores dos mitos, que o educador lista em Pedagogia do oprimido e que mantinham boa parte da população no silêncio, na falta de voz no espaço público, sem que certas vozes fossem levadas em conta nos grandes debates.

Diante disso, o professor acredita, sem qualquer prepotência nesse exercício de trazer Paulo Freire para uma análise da atualidade, que qualquer pessoa que sabe o mínimo sobre a vida do educador pode imaginar os compromissos que ele tinha com a humanização do homem, a verdade e a justiça.

Essas e outras diversas temáticas em torno do legado freireano estão sendo apresentadas e debatidas no Intercom, olhando para o agir comunicativo de forma horizontal e libertadora, como pregava o eterno Paulo Freire.

Nesta segunda, 4, o primeiro dia do congresso contou com a primeira parte do colóquio “A pedagogia freireana e a comunicação para a transformação social – práticas de resistência na construção da cidadania”, com participação de José Luiz Aguirre (Universidad Católica Boliviana San Pablo/Bolívia) e Manuel Chaparro Escudero (Universidad de Málaga/Espanha) e medicação de Cicilia Krohling Peruzzo (Uerj/Ufes). O colóquio seguiu nesta terça, 5, com Jorge Gonzalez (Unam/México) e Gustavo Cimadevilla (UNRC/Argentina).

Nesta terça, 5, o assunto também foi tema da mesa “Comunicação e a pedagogia libertadora de Paulo Freire”, que o professor Venício participou junto com Andrea Trigueiro (Unicap), Cicilia Peruzzo (Uerj) e Ismar Soares (USP) e medicação de Juçara Brittes (Ufop).

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com