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Crédito: evelynlo por Pixabay
Por Juliana Afonso e Nina Rocha, do site Bocado
A definição de cesta básica varia de acordo com o país. No Brasil, essa política diz respeito a um número reduzido de alimentos, o que facilita a implantação de políticas públicas de caráter nacional, mas homogeniza as necessidades da população. No México, a cesta básica abrange 40 produtos diferentes, que vão desde gêneros alimentícios até materiais de limpeza.
“Houve uma modificação na qual o governo federal aponta os bens mais essenciais da cesta básica. Estamos falando de grãos para fazer tortilla, ovos e outros produtos, mas o governo não estabelece quais as proporções que uma família necessita”, afirma o economista e professor da Universidade de Guadalajara, Héctor Iván del Toro. O pesquisador afirma que esses considerados essenciais pelo governo mexicano são insuficientes em qualidade e quantidade para garantir que as pessoas realizem suas atividades.
Héctor realiza uma investigação permanente desde a década de 1980 denominada Cesta básica e índice de preços no varejo na Zona Metropolitana de Guadalajara, que traz um recorte territorial de um dos 31 estados do México. A série histórica busca compreender os alimentos que a população mais consome e as quantidades necessárias para a definição de uma cesta básica para uma família de quatro a cinco membros. Atualmente, eles trabalham com 121 artigos básicos. “No estudo, vemos a evolução da inflação e como ela influencia diretamente nos preços dos produtos. A inflação repercute muito no poder aquisitivo da moeda mexicana e as pessoas conseguem adquirir cada vez menos”, afirma Héctor.
A inflação alcançou 6% nos últimos doze meses, um número relativamente baixo se comparado a outros países latino-americanos. Entretanto, é o dobro do que havia sido projetado pelo Banco Central do México. O aumento dos preços de produtos básicos pegou a população de surpresa: o chile serrano (uma espécie de pimenta) aumentou 54,39%, o abacate, 24,55%, e a carne de porco, 17,45%. Também é importante destacar a relação da alimentação com o valor do gás de cozinha, utilizado na maioria das casas mexicanas, que aumentou 21%. No final de julho, o governo passou a estabelecer preços máximos para a venda do produto em cada região do país.
Segundo o Artigo 123 da Constituição do México, o salário mínimo deve ser “suficiente para satisfazer as necessidades normais de um chefe de família, em ordem material, social e cultural, e para prover a educação obrigatória dos filhos”. O salário mínimo em 2021 subiu para 141,7 pesos por dia, cerca de 4.300 pesos por mês, o equivalente a 216 dólares. É o maior aumento da história do país. Ainda assim, os valores atuais estão longe de garantir o que está previsto em lei: segundo os dados auferidos pelo estudo coordenado por Héctor, seria preciso desembolsar cerca de 11.400 pesos, quase três salários mínimos, para uma família poder consumir a totalidade da cesta básica.
Essa situação influencia diretamente a vida das famílias, que precisam buscar fontes alternativas de renda, contar com o trabalho dos filhos ou deixar de comprar alguns produtos essenciais. “Na zona metropolitana de Guadalajara, cerca de 30% das famílias encontram grandes dificuldades porque seu salário não supera os 8 mil pesos”, afirma Héctor. O corte na quantidade de alimentos ingeridos cotidianamente e sua substituição por artigos com um pior perfil nutricional pode levar a problemas de saúde e a uma queda de desempenho laboral e educativo.
O México implementou o IVA, Imposto sobre Valor Agregado, ainda em 1978. O país aplica uma taxa única de 16% em todo o território nacional, mas isenta alguns produtos, como remédios, água potável, livros, jornais, revistas e alimentos. A isenção do IVA aos artigos alimentícios foi aprovada em 2013 e beneficia toda a população, uma vez que não faz distinção sobre o consumidor ou sobre os produtos.
O tema gera grandes debates e alguns especialistas em Direito financeiro têm cobrado que a taxa seja zero apenas para os produtos da cesta básica. Assim, aumenta-se a arrecadação. Atualmente, a taxa zero é aplicada para alimentos essenciais como leite e pão, mas também para artigos de luxo como caviar, salmão defumado e chicletes.
Uma política contrária ao pioneirismo que o México teve na criação de um imposto especial sobre refrigerantes, sucos e néctares. A medida foi adotada ainda na década passada com o objetivo de desestimular o consumo de produtos que se tornaram um símbolo da maior causa de mortes do país: o diabetes, responsável por ao menos 100 mil óbitos ao ano. O Imposto sobre Produtos Especiais, o IEPS, onera ainda a produção e a venda de cigarros, bebidas alcoólicas e combustíveis.
Organizações ativistas pela segurança alimentar têm lutado para implementar propostas similares na Colômbia. No país, a cesta básica familiar inclui transporte, saúde, educação, recreação, vestuário, serviços públicos e tudo o que um lar necessita. Na categoria alimentação, ela é elaborada através de um processo contínuo de estudo sobre o que as pessoas consomem, por meio da Pesquisa Nacional de Renda e Despesa Domiciliar (Inegi).
Os produtos mais comuns – não exatamente os mais necessários – são incluídos na cesta básica. “Atualmente, são incluídos praticamente todos os tipos de refrigerantes na cesta básica familiar, o que significa que a frequência do consumo deste alimento está aumentando”, explica a economista Marta Sandoval, especialista em Políticas de Desenvolvimento Territorial pela Universidade dos Andes.
Marta pertence à Associação Colombiana de Saúde Pública e trabalha há anos com políticas de ambientes alimentares saudáveis, dedicando-se, entre outros assuntos, ao fortalecimento de políticas públicas que garantam a oferta de produtos saudáveis e a restrição de benefícios aos ultraprocessados. “Isto significa incentivar as economias camponesas, promovendo a diversidade da produção, e restringir o consumo de produtos não saudáveis”, argumenta.
Marta enumera quatro políticas fundamentais para a redução do consumo de ultraprocessados no país: a criação de impostos para bebidas açucaradas, a regulação da publicidade dirigida a crianças e adolescentes, uma política de rotulagem mais rigorosa e a regulação de ambientes saudáveis alimentares.
Um caso concreto mostra que o governo tem trabalhado no sentido contrário: “Durante a pandemia muitos agricultores perderam cultivos que poderiam chegar aos lares das pessoas mais pobres a partir do investimento do governo em garantir transporte das zonas rurais às cidades. Em contraponto, a empresa Pepsico disse certa vez ‘conseguimos sustentar a nossa produção durante a pandemia graças ao governo nacional, que nos apoiou pois somos um produto da cesta básica familiar’”, relembra Marta.
As grandes empresas comumente afirmam que o incentivo aos seus serviços é fundamental pois a diminuição do consumo de refrigerantes, por exemplo, pode afetar o emprego e também a compra das matérias-primas dos produtores do campo por parte destas empresas. “Eles se dizem salvadores da produção campesina”, lamenta Marta.
O governo colombiano tentou emplacar uma reforma tributária no início de 2021. Entre as propostas estava a mudança de bens isentos para bens excluídos. Os bens isentos apresentam uma alíquota de 0% do IVA e os produtores destes artigos têm direito a receber a devolução do imposto, uma vez que eles pagaram essa taxa em outros processos ao longo da cadeia de produção.
Ao passar estes bens à categoria de excluídos, os produtores não teriam direito à devolução e o resultado disto seria o aumento dos custos de produção e o posterior aumento dos preços ao consumidor final. “O governo criou uma comissão de especialistas que recomendou a redução dos benefícios tributários das grandes corporações. O que acontece, entretanto, é exatamente o contrário. A cada reforma tributária, em vez de cortar os benefícios das grandes empresas, o que fazem são impostos regressivos, que afetam todos os lares, principalmente os de baixos ingressos”, afirma Marta.
As fortes mobilizações na Colômbia nos meses de abril, maio e junho fizeram com que o governo federal recuasse e retirasse a proposta de votação. Atualmente, o governo discute uma reforma de apenas 33 artigos, com o objetivo de aumentar a arrecadação do Estado a fim de ampliar os programas sociais necessários para apoiar a população durante a pandemia. Segundo a Pesquisa Pulso Social, do Departamento Administrativo Nacional de Estatística (Dane), 33% dos lares colombianos não conseguem realizar as três refeições diárias.
A situação também é complicada na Argentina, onde a pobreza atinge 40,6% da população e 10,7% vive em situação de indigência, ou seja, sem renda para se alimentar cotidianamente, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec). O cálculo é feito de acordo com a capacidade de acesso às cestas básicas: aqueles que não conseguem adquirir a Cesta Básica Alimentar (conjunto de alimentos e bebidas que satisfazem os requisitos nutricionais e calóricos) se encontram na linha de indigência e aqueles que não conseguem adquirir a Cesta Básica Total (inclui ainda bens e serviços como vestuário, transporte, educação, saúde, moradia e outros) se encontram na linha de pobreza.
No mês de junho de 2021, o valor da Cesta Básica Total para uma família de dois adultos e duas crianças foi de 66.488 pesos. A cifra é 51,8% mais cara que em junho de 2020. E mais: com um salário mínimo de 21.600 pesos, o equivalente a 220 dólares, não é possível adquirir nem a metade dos bens e serviços considerados essenciais. A última vez que o país atravessou índices tão baixos foi em 2001, quando a crise econômica elevou a taxa de pobreza a 58%.
A disparada dos preços tem feito a população comer menos, mas ela também anda comendo pior: um estudo realizado pela Fundação InterAmericana do Coração (FIC Argentina), em setembro de 2018, comparou os custos das dietas saudável e cotidiana da população argentina e identificou que a dieta denominada saudável era em média 32% mais cara que a habitual.
A economista e pesquisadora da FIC Argentina, Florencia Cámara, acredita que uma mudança na política tributária do país pode ajudar a mudar os hábitos alimentares da população. “Os principais impostos sobre consumo não têm uma perspectiva de saúde. Existem programas sociais e alimentares, como o Precios Cuidados [programa vigente desde 2014 e que tem como objetivo controlar o preço de produtos básicos mediante acordos entre o Estado e setores de produção e distribuição], mas ele busca garantir que a população acesse os produtos mais consumidos, não necessariamente os mais saudáveis”, explica Florencia.
A resolução mais recente foi publicada no dia 19 de outubro e estabelece o congelamento dos preços de 1.432 produtos. A proposta, que tem como objetivo frear a inflação e garantir que a população consiga se alimentar, levantou críticas entre o empresariado, que está proibido de aumentar o valor das mercadorias até o dia 7 de janeiro.
O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) na Argentina apresenta uma alíquota geral de 21%, mas alguns produtos largamente consumidos pela população, como farinha de trigo, frutas, verduras, carnes não processadas e outros são taxados com uma alíquota de apenas 10,5%. Existem também os chamados “regimes especiais” para setores produtivos regionais.
“A Argentina é um país muito grande e existem alguns benefícios extras de acordo com a região, como acontece com as frutas e vinhos na província de Mendoza ou o açúcar na província de Tucuman”, explica Florencia. Para ela, a política tributária deve ser pensada em uma perspectiva de saúde, com aumento de impostos aos alimentos não saudáveis e subsídios aos produtos cujo consumo se busca incentivar.
O país caminha para dar um importante passo na promoção de uma alimentação mais saudável: no dia 13 de julho, diversas comissões temáticas da Câmara dos Deputados emitiram parecer favorável ao projeto de lei de Promoção de Alimentação Saudável, conhecido também como lei da rotulagem frontal, que prevê a inscrição de octógonos pretos com informações sobre quantidade de açúcar, gordura e outros ingredientes que causam danos à saúde.
“Temos 40% de crianças e adolescentes com excesso de peso no país. Ao mesmo tempo, oito em cada dez embalagens de alimentos ultraprocessados trazem informações como ‘fonte de cálcio’ e ‘redução de açúcar’ e três em cada dez contêm personagens que dialogam diretamente com este público. Isso é muito preocupante”, alerta a nutricionista Victoria Tiscornia, pesquisadora de políticas de alimentação saudável no FIC Argentina.
A inspiração para o projeto veio do Chile, que adotou a lei em 2016 e já vem colhendo os frutos desta política: o estudo Equilibrium Effects of Food Labeling Policies (Efeitos de equilíbrio das políticas de rotulagem de alimentos) demonstrou uma diminuição de até 9% no consumo de produtos com alto índice de açúcares no país.
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