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Missão impossível: fazer um teste para covid-19 no Recife

Inácio França / 26/01/2022

Crédito: Ikamahã/Sesau

Não era nem para estar aqui escrevendo este texto. O corpo e a vontade pedem uma coisa só: ficar deitado. No entanto, o senso jornalístico se impõe, pois sei que a experiência que estou vivendo há quatro dias é compartilhada por muita gente e interessa a outras tantas.

Na madrugada de sábado para domingo chegou a tosse, chata e insistente, atrapalhando o sono que já não era dos melhores. Três dias antes, no mesmo dia em que lidava com os efeitos da terceira dose no braço esquerdo, Geórgia, minha esposa, havia voltado mais cedo do trabalho com o comprovante de um teste positivo para covid-19. A apreensão se somou ao transtorno que o isolamento causa na rotina da casa.

O domingo passei arriado no sofá, mas ainda alimentava a ilusão de ser cansaço. Ou a preguiça que cultivo desde sempre e é uma das minha maiores virtudes. A dor de garganta, a secreção, a moleza e as dores nas pernas só deram as caras no dia seguinte, me levando à lona.

A partir daí, a vida passou a girar em torno de um verbo: testar. Ou melhor, dois verbos: tentar testar. Perdão pela cacofonia.

Já havia decidido que não me submeteria a, doente e sob suspeita de portar o vírus, me aglomerar durante três ou quatro horas em um posto de testagem sob o sol de janeiro. Afinal, duvido muito que o senhor prefeito ou a senhora secretária de Saúde entrem numa fila daquelas que vimos por dias seguidos aqui mesmo na Marco Zero ou nos telejornais locais.

Então, recebi aquilo que pareciam ser duas boas notícias. Primeira: os testes para a covid passariam a ser agendados pela internet. Segunda: na segunda-feira começara a funcionar um novo centro de testagem perto de casa, no Sesc Casa Amarela. Ingenuidade acreditar que seria assim tão fácil.

Diante do notebook, pacientemente esperei o relógio bater 18 horas, quando começaria o agendamento para o dia seguinte. O sistema saiu do ar pouco antes das 18h. Ao mesmo tempo, milhares de outros recifenses estavam tentando fazer o mesmo que eu. Cansei de recarregar o site, sair, entrar novamente, recarregar de novo. O sucesso de Raíssa Ebrahim, repórter da Marco Zero que conseguiu agendar o teste para o dia seguinte, realimentou minhas esperanças. Continuei tentando. Duas horas depois, desconfiei que seria inútil. O campo em branco sob o título “selecione” que tomou lugar do gerúndio “carregando agendamentos”, significava que não havia mais testes para o dia seguinte.

O outro dia foi pior. Aos sintomas que os médicos chamam de “leves”, se juntaram a febre e um cansaço generalizado. Um médico, amigo desde a adolescência, mandou por zap requisições para que eu e meu caçula pudéssemos fazer teste RT-PCR nos laboratórios privados usando o convênio saúde. Passei o dia com várias abas abertas no notebook tentando, simultaneamente, em tudo quanto é rede de laboratórios. Todas sem horários disponíveis. A não ser que eu fosse testar na filial de Caruaru.

Em um desses laboratórios tentei agendar por whatsapp, mas o sistema informou que , “devido ao aumento da demanda etc etc”, seria mais rápido no atendimento telefônico. Seria uma vitória da tecnologia analógica sobre as novas mídias? Nada disso. Pelo telefone, escutei a voz digital informar que só havia agendamento possível para daqui a 12 dias. Dispensei, até lá estarei, na melhor das hipóteses, negativado.

À noite, o sistema de agendamento da prefeitura voltou a cair. Parece que desta vez foi mais grave. Ou, pelo menos, se deram ao trabalho de colocar esse aviso no ar: “Diante do alto número de acessos simultâneos, o sistema apresentou instabilidade. Nossas equipes estão trabalhando para que retorne o quanto antes”.

Pelo zap, amigos e amigas com covid não paravam de enviar dicas para mim ou para minha esposa: “Por que não tentam na farmácia tal?”. Tentamos na farmácia “tal” e também na “qual”. Numa delas, Geórgia passou duas horas escutando musiquinha digital no telefone. A outra nem respondeu às mensagens pelo canal do whatsapp.

Enquanto isso, sob efeitos do paracetamol, nos intervalos tentava revisar um texto da parceria com o Instituto Fogo Cruzado.

Abre parênteses: interrompi a redação dessa crônica para insistir no serviço Bora Testar, da prefeitura, que hoje, quarta-feira, prometeu iniciar os agendamentos mais cedo. Pra variar, está fora do ar. Fecha parênteses.

Ontem, outro amigo, enfermeiro experiente, disse por telefone “amanhã fazem quatro dias que começaram seus sintomas. Já pode testar”. Perguntei se ele pensava que estávamos na Noruega.

E pensar que, no longínquo março de 2020, início da pandemia, infectologistas e epidemiologistas – como os da Rede Solidária em Defesa da Vida, que viriam a se tornar fontes constantes de nossas reportagens – chegaram a propor às autoridades de saúde do estado e do município investir em testagem em massa, como já faziam com sucesso outros países. Não foram ouvidos e deu nisso.

Aviso do sistema Bora Testar informando que página está fora do ar.

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Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.