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Crédito: Fetape
No final do ano passado, trabalhadores e trabalhadoras do Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, na Mata Sul, comemoraram a decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) de determinar que os conflitos de terra no local fossem resolvidos por meio do diálogo, impedindo assim o despejo das famílias naquele momento. Era 12 de outubro, Dia das Crianças. De lá para cá, no entanto, a mediação não avançou.
Agora, quatro meses depois, a polícia investiga se a morte do menino Jonathas, de apenas nove anos, filho de uma liderança rural da região, está ligada à disputa agrária.
O engenho já foi palco de muitos conflitos. Alguns agricultores e agricultoras, que não receberam salários nem indenização após a falência, foram em busca de seus direitos e conseguiram na Justiça tornar-se credores das terras.A massa falida da Usina Santo André foi arrendada pela empresa agropecuária Javari, que pediu na justiça a reintegração de posse.
Neste último ano, o cenário de disputa parecia relativamente apaziguado no engenho, segundo o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), Bruno Ribeiro. Mas a situação murou. O assassinato brutal da criança por homens encapuzados pôs fim à aparente paz e chocou a comunidade no último dia 10.
Em sessão realizada pelos desembargadores da 2ª Câmara Cível, em outubro, foi determinada a intimação do Núcleo de Mediação do TJPE para a tentativa de conciliação entre as partes envolvidas. Entretanto, pouco tempo depois da decisão, comemorada pelas famílias, o judiciário entrou em recesso. Após o retorno às atividades dos tribunais e fóruns, no início deste ano, a mediação em Roncadorzinho o caso seguiu sem desdobramentos. A Justiça sequer marcou a primeira audiência e as partes nem chegaram a sentar para dialogar.
De acordo com o TJPE, há dois recursos sobre o conflito no 2º Grau (segunda instância) do Judiciário estadual. Um é para suspender a reintegração de posse, feito por um trabalhador rural através da Defensoria Pública de Pernambuco. O outro é da Javari, que briga pela saída das famílias.
“É preciso esforço para dar andamento a esse diálogo”, diz Bruno, lembrando que o processo de falência da Usina Santo André tramita há 22 anos. Enquanto a questão não avança, correm informações em Barreiros de que os empresários da região estão se articulando na tentativa de conseguir a realização do leilão das terras e, em consequência, o despejo de trabalhadores e trabalhadoras. O advogado enfatiza a preocupação de que esse tipo de manobra se concretize.
“A Mata Sul está parecendo o Congresso Nacional, com gente que representa os bois, a bíblia e as balas”, comenta a presidenta da Fetape, Cícera Nunes. Ela reforça que a lentidão do Judiciário termina influenciando a questão dos conflitos na região e o desinteresse do Governo do Estado, e não se refere somente ao Engenho Roncadorzinho. “Muitas questões de desapropriação, onde famílias têm direito às terras e direitos trabalhistas a serem recebidas, têm o governo como credor. Os usineiros e as empresas devem ao Estado. É, portanto, uma decisão também política ter uma saída”, detalha, lembrando que situações assim têm acontecido em várias partes do Brasil, não só em Pernambuco.
A Marco Zero já mostrou, em outras reportagens, que o cenário de conflitos e ameaças vem acontecendo também em outros locais da Mata Sul pernambucana, como no Engenho Batateiras, no município de Maraial, e no Engenho Fervedouro, no município de Jaqueira. O Balanço da Questão Agrária no Brasil em 2021, da Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 (CPT NE2), chamou a atenção para o que vem acontecendo na região e as organizações sociais já falam e pressionam por uma solução há anos.
O que antes eram usinas de monocultura da cana para produção de álcool e açúcar hoje são imóveis com dívidas milionárias. Em crise, muitas usinas faliram e terminaram sendo repassadas a empresas do ramo imobiliário e da pecuária. As denúncias citam episódios de roubo, queima e destruição de lavouras, contaminação de fontes de água e de cacimbas e aplicação de veneno sobre casas e plantações.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados em Pernambuco (OAB-PE), Renan Castro, também avalia a necessidade de que o processo de mediação avance na tentiva de resolver questões estruturais e garantir direitos: “A mediação de conflitos por parte do Tribunal de Justiça poderia ser uma ótima oportunidade de o poder judiciário tomar o conhecimento apurado a respeito da disputa de terras e tudo que a envolve. Não somente tratar aquilo como um número de um processo. Na verdade, temos processos que tratam de conflitos fundiários de décadas, talvez centenas de anos, que remontam a como famílias deram sua vida e seu trabalho para a agricultura em Pernambuco. E tentar, através do processo de mediação, conferir uma oportunidade estruturante para esses conflitos, de modo a evitar remoções abruptas nos territórios”.
Nesta quarta-feira (16), o governador Paulo Câmara (PSB) assinou um decreto que destina R$ 2 milhões para a criação do Programa Estadual de Prevenção de Conflitos Agrários e Coletivos (PPCAC), no âmbito da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH). O chefe do Executivo falou sobre o caso em suas redes sociais nesta terça, 15, somente cinco dias após a morte de Jonathas.
O programa vai concentrar a política pública de apoio às pessoas ameaçadas por sua atuação na defesa de minorias e em causas como os conflitos rurais em todo o estado. Segundo a divulgação oficial, atualmente, 45 lideranças rurais e suas famílias estão sendo acompanhadas pela SJDH. Com o PPCAC, a capacidade de atendimento será multiplicada em cinco vezes.
A secretaria disse que vinha monitorando os conflitos agrários em Pernambuco através do Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PEPDDH), criado em 2012. O Estado ofereceu aos familiares a inclusão no programa de proteção de proteção e o apoio das equipes do PEPDDH. A família ainda não aceitou.
De acordo com o governo, o programa de proteção registrou uma intensificação dos casos de lideranças envolvidas em conflitos agrários, nos últimos três anos, em 15 municípios da Região Metropolitana do Recife e do interior, sendo três deles na Mata Sul (Maraial, Jaqueira e Barreiros).
Entre as medidas que já vinham sendo adotadas está a inclusão de lideranças no programa de proteção, instalação de câmeras de segurança nas residências dos ameaçados, realização de rondas policiais diárias e mediação das questões processuais junto ao Poder Judiciário.
As ações do novo programa, anunciado nesta quarta (16), vão envolver outras secretarias: de Justiça e Direitos Humanos; Defesa Social; Prevenção à Violência e às Drogas; Desenvolvimento Social; Saúde; e Educação, além da Defensoria Pública do Estado.
“A criação de um programa específico para casos de conflitos agrários é uma mensagem bem clara que estamos dando: não vamos tolerar perseguições, atos de violência e ameaças contra pessoas que estão lutando por seus direitos e os de seus pares. Nossa rede de apoio está sendo ampliada e todos os crimes relacionados com esse tema terão sua investigação tratada com prioridade”, declarou Paulo Câmara.
O secretário de Justiça e Direitos Humanos em exercício, Eduardo Figueiredo, disse que “Os conflitos agrários vinham sendo tratados dentro de um programa mais abrangente de proteção aos defensores de direitos humanos. Agora, vamos ter uma política específica para esse tema e, por isso mesmo, ainda mais consistente”.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com