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Destino de casarão na avenida Rosa e Silva é motivo de disputa entre Prefeitura e organização feminista

Giovanna Carneiro / 20/04/2022

Crédito: Movimento de Mulheres Olga Benário

Ocupado por integrantes do Movimento de Mulheres Olga Benário desde o dia 8 de março, o casarão localizado na avenida Conselheiro Rosa e Silva, no Espinheiro, poderá voltar ao controle da Prefeitura do Recife (PCR) nos próximos dias.Ao ocupar o imóvel, a pretensão do movimento era criar o Centro de Referência Soledad Barret de apoio e acolhimento para mulheres vítimas de violência. No entanto, de acordo com a prefeitura, o imóvel já tinha uma função social definida e prevista para ser executada: a criação de um centro de cidadania e cultura para idosos.

O projeto da gestão municipal é fruto do desejo da antiga proprietária do local, Maria da Conceição Guedes Pereira, que antes de falecer, aos 102 anos, em 2013, doou o imóvel para o município e deixou registrado em carta o pedido para que a casa e o terreno se transformassem em um espaço destinado à chamada “terceira idade”. A fim de respeitar o desejo de Maria da Conceição, que sofreu com maus tratos e golpes financeiros por parte seus cuidadores, a prefeitura pretende construir um equipamento de prevenção à violência contra a pessoa idosa, com atividades de lazer e saúde.

No entanto, as obras ainda não haviam sido iniciadas e o local estava sem qualquer manutenção quando as mulheres do Olga Benário o ocuparam, reivindicando uma nova função social para o endereço. Agora, a PCR quer retirar as ocupantes do prédio, argumentando que o processo de vistoria para execução do projeto será iniciado.

Reunião sem diálogo

O Movimento Olga Benário atua no Brasil há dez anos e já foi responsável pela formação de casas de acolhimento para vítimas de violência em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, entre outras cidades. De acordo com Guita Marli, da coordenação nacional do Movimento de Mulheres Olga Benário, a ocupação Soledad Barret é a primeira do grupo em Pernambuco e surgiu devido ao aumento do número de vítimas de violência e feminicídio no estado nos últimos anos. “A gente quer trabalhar junto com a rede municipal porque sabemos que a demanda é muito grande, são muitas mulheres que precisam de ajuda e nós queremos colaborar”, declarou Guita.

Ainda de acordo com Guita, apesar de promover reuniões com as integrantes do movimento, os representantes da Prefeitura do Recife não se mostraram dispostos a negociar e entraram com uma ação judicial de reintegração de posse para que o imóvel seja desocupado o quanto antes. “A prefeitura não ouve nossas propostas, que são dividir o casarão para acolher tanto a nossa iniciativa quanto a dos idosos, fazendo do local dois equipamentos sociais com diferentes demandas ou construir um equipamento no terreno para acolher as mulheres, é um terreno muito grande”, justificou a coordenadora.

A fim de tentar estabelecer um acordo entre a gestão e as mulheres do movimento, o Ministério Público de Pernambuco realizou uma reunião entre representantes das duas partes na primeira quinzena de abril. No entanto, não houve sucesso e nenhum acordo foi firmado. Agora, as ocupantes estão apreensivas com o prazo para a reintegração de posse, que vai até o dia 26 de abril.

“Essa ansiedade da Prefeitura de nos tirar do casarão em um período tão curto dificulta o nosso trabalho. Nós acolhemos e atendemos mulheres vítimas de violência, muitas mulheres estão abrigadas no casarão e essa situação as coloca em risco. Nós gostaríamos que a Prefeitura nos cedesse um imóvel para que possamos sair para um lugar seguro e continuar o nosso trabalho, mas não podemos sair sem ter para onde ir”, declarou Guita Marli.

“Nós não queremos dar nenhum ônus à prefeitura, se eles nos cederem um espaço, nos responsabilizamos em pagar as contas de água, luz, e também já temos voluntários e voluntárias para trabalhar conosco, advogadas, assistentes sociais, psicólogas. Nós já temos uma força de trabalho, só queremos um lugar para continuar as atividades”, completou a coordenadora do Movimento Olga Benário.Segundo a coordenadora do movimento, atualmente o Centro de Referência Soledad Barret estaria abrigando dez mulheres vítimas de violência, além de promover atividades como saraus, reuniões e encontros. A organização sobrevive através de doações e trabalho voluntário.

A Prefeitura do Recife dispõe do Centro de Referência Clarice Lispector, que acolhe e orienta mulheres em situação de violência. Em 2021, o centro ganhou uma nova sede, que está localizada na Rua Doutor Silva Ferreira, 122, no bairro de Santo Amaro, área central da cidade, e passou a oferecer atendimento presencial durante 24 horas.

PCR explica decisão

Em nota enviada à Marco Zero Conteúdo, a Prefeitura do Recife afirmou estar aberta ao diálogo com as integrantes da ocupação e demonstrou apoio à luta das mulheres do Movimento Olga Benário, mas enfatizou a importância da desocupação imediata do imóvel.

A gestão municipal alegou ainda que disponibilizou transporte para levar as mulheres para um local seguro indicado pelo movimento, porém, representantes do Olga Benário, afirmam que a proposta da PCR pode conduzir mulheres vítimas de violência de volta a locais onde correm risco de vida para elas.

Leia na íntegra a nota enviada pela PCR:

A Prefeitura do Recife esclarece que, desde o mês de março deste ano, vem mantendo o diálogo aberto o Movimento de Mulheres Olga Benário (MMOB), no sentido de sensibilizar o grupo e desocupar imóvel situado na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, no bairro dos Aflitos, doado ao município. Representantes das secretarias de Governo e Participação Social (SEGOV), de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Política sobre Drogas (SDSDHJPD) e da Mulher reuniram-se diversas vezes com lideranças do MMOB, onde foi apresentado o projeto de construção de um complexo de convivência, lazer e moradia para a pessoa idosa no local, equipamento destinado à prevenção da violência contra a pessoa idosa, com atividades de cidadania, cultura e lazer. A iniciativa foi pactuada com diversos segmentos da sociedade civil e que tem o aval do Conselho Municipal da Pessoa Idosa.

Desde o início dos diálogos, a gestão municipal vem reiterando que a desocupação do terreno é crucial para que sejam feitos os levantamentos técnicos do terreno para estruturação do projeto-executivo e posteriormente assinatura da ordem de serviço. Além disso, a edificação é, desde 1997, classificada como Imóvel Especial de Preservação (IEP). A medida visa preservar as características físicas do imóvel e o que ele representa na história da cidade.

Sensibilizada com a luta do movimento, a Prefeitura do Recife desde o início disponibilizou transporte para levar as ocupantes do imóvel para um endereço indicado pelo MMOB, além de garantir a segurança alimentar, inclusão no cadastro social e demais programas sociais ofertados pelo município, com o foco na assistência social, acolhimento e combate à violência doméstica e empregabilidade das mulheres vítimas de violência. Contudo, até o momento a gestão municipal não recebeu sinalização positiva a respeito dos pleitos apresentados.

Por fim, a Prefeitura externou apoio à luta do movimento e propôs a união de esforços na busca por fortalecer uma rede de apoio na cidade, visando atender mulheres vítimas de violência.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.