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Cientistas calculam que mudanças climáticas intensificaram em 20% chuvas no Nordeste

Raíssa Ebrahim / 05/07/2022
rua cheia de lama, com reflexo das fachadas das casas na água suja e parada. Ao fundo, encostada na parede de uma das casas, um sofá vermelho bastante danificado pela enchente.

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

As chuvas que atingiram o Nordeste ficarão mais intensas e mais frequentes nos próximos anos. No último mês de maio, o que alguns estados da região vivenciaram foi intensificado em 20% pelas mudanças climáticas causadas pelo homem. É um preâmbulo de um futuro já próximo, segundo um estudo feito por uma iniciativa internacional de colaboração entre cientistas climáticos através do World Weather Attribution.

Mas não só: a catástrofe também é fruto de um modelo de urbanização em que um grande número de pessoas vive em áreas com risco de inundações e deslizamentos de terra, além da lacuna existente entre os alertas precoces e as ações efetivas capazes de diminuir os estragos. Foram 133 mortes e mais de 25 mil pessoas desabrigadas no Nordeste entre maio e junho.

A Zona da Mata e o Agreste pernambucanos também vêm sofrendo com as chuvas neste início do mês de julho. De acordo com o balanço divulgado nesta segunda-feira, 4 de junho, o número de cidades afetadas pelas chuvas subiu para 29. Ao menos 15 delas já encaminharam decretos municipais de situação de emergência à Secretaria Executiva de Defesa Civil do Estado. Na vizinha Alagoas, as chuvas dos últimos dias já deixou mais de 56 mil pessoas desabrigadas. Mais da metade das 102 cidades alagoanas estão em situação de emergência, informou o governador Paulo Dantas (MDB).

O estudo da World Weather Attribution é o primeiro sobre um evento extremo no Brasil e há quatro pesquisadores brasileiros envolvidos. O grupo avaliou a influência das mudanças climáticas causadas por atividades humanas, como uso de combustíveis fósseis e desmatamento, sobre as chances dessas chuvas extremas acontecerem, assim como sua intensidade. Para isso, analisou dados meteorológicos e simulações de computador para comparar a temperatura média do clima de hoje, 1,2°C grau acima da era pré-industrial, com a temperatura do clima no passado, seguindo métodos revisados ​​por pares.

Os cientistas analisaram os níveis de chuva em períodos de sete e 15 dias na região mais afetada, uma área abrangendo localidades litorâneas do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Em menos de 24 horas, o Recife e Região Metropolitana experimentaram cerca de 70% da quantidade total de chuva prevista para todo o mês de maio. Embora ainda seja um evento considerado raro atualmente, com cada um dos volumes para esses dois períodos (7 e 15 dias) tendo probabilidade de ocorrer com mais frequência, dizem os especialistas.

Governo e população ainda não compreendem os alertas para agir com rapidez. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Tempestade estava prevista

Na manhã desta terça-feira, 5 de junho, o Instituto ClimaInfo promoveu uma coletiva de imprensa com alguns cientistas responsáveis pelo estudo e uma representante da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), a meteorologista Edvânia Pereira dos Santos. Ela revelou que, em janeiro, a agência já começou a prever que poderia acontecer um evento mais intenso no período chuvoso de 2022 em relação a anos anteriores.

Ela relata que foi feito um informe climático, um prognóstico de três meses (abril, maio e junho), e, através dele, a Defesa Civil e o Governo de Pernambuco foram alertados de que precisariam estar preparados. “A partir disso, decisões foram sendo tomadas”, afirmou Edvânia. “A resposta não foi tão eficiente porque o evento foi maior do que a gente esperava”, justificou.

Na avaliação de Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas, também presente na coletiva, agências locais de meteorologia trabalharam a questão dos alertas, mas existem falhas, incluindo a compreensão da população em receber e conseguir agir. Esses são pontos que precisam ser melhorados não só no Brasil, mas em várias regiões do mundo, observa.

“O Brasil precisa muito trabalhar ainda ações de mitigação. Há três pilares: a ciência, provendo a informação; a população, compreendendo o problema; e as agências e os governos, provendo as necessidades básicas para assistir essas pessoas”, resume Lincoln.

A análise do World Weather Attribution, embora não quantifique as questões socioeconômicas, reforça que a chuva extrema causou mais danos porque muitas pessoas vivem em áreas baixas propensas a inundações e em encostas íngremes com risco de deslizamentos de terra. Para evitar eventos como os de maio e para lidar melhor com os eventos extremos do futuro, é preciso reduzir a exposição ao risco dessas populações, além de melhorar as previsões de chuvas fortes e implementar ações de prevenção rápidas.

Na opinião de Friederike Otto, professora sênior do Grantham Institute do Imperial College de Londres, “mais uma vez, vemos como a combinação de eventos climáticos extremos alimentados por mudanças climáticas e alta vulnerabilidade da população pode levar a consequências dramáticas. Governos no Brasil e em todo o mundo precisam se esforçar mais para reduzir rapidamente as emissões globais de carbono, mas também implementar estratégias para reduzir os riscos dos impactos climáticos localmente”.

Alexandre Köberle, fellow de pesquisa avançada também do Grantham Institute, vai na mesma linha: “À medida que as cidades crescem, os planejadores precisam encontrar maneiras de diminuir a exposição das pessoas a eventos climáticos extremos e aumentar a resiliência. Um desenho urbano eficaz pode reduzir muito os impactos das chuvas fortes e salvar vidas e infraestrutura, assim como melhorar a eficácia dos sistemas de alerta precoce que levam a ação antes de eventos extremos. Essas são ferramentas poderosas para se adaptar às mudanças climáticas e seus impactos”.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com