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Crédito: site da Pref. de Olinda
Era uma tarde nos últimos dias de agosto do ano passado quando a funcionária pública Heloísa* fazia compras no centro do Recife e recebeu o aviso de um filho. Havia um vídeo com a filha dela, então com 14 anos, circulando em grupos de WhatsApp. Nas imagens, a adolescente aparecia ao lado do sacerdote da jurema AlexandreL’Omi l’Odó, um antigo conhecido, que, vez por outra, frequentava o terreiro religioso da família de Heloísa.
Logo após saber do vídeo, Heloísa e a família foram até a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Lá, foram informados de que deveriam registrar o crime na delegacia do bairro – por ter mais de 14 anos a adolescente não se enquadraria mais no atendimento especializado, disseram à família. Na delegacia do Varadouro, a menina foi encaminhada para o exame de corpo delito. Mãe e filha prestaram depoimento. Foram os únicos depoimentos oficiais que prestaram à polícia nos oito meses entre o registro do boletim de ocorrência até a conclusão do inquérito.
Por meses, a família de Heloísa acumulou a dor da exposição com a de uma possível impunidade. Ligavam para a delegacia do Varadouro e não conseguiam informações sobre o caso. Em maio, a angústia de Heloísa aumentou ao ver as notícias sobre o vereador do Rio de Janeiro Gabriel Monteiro (PL), denunciado à justiça pelo Ministério Público por um crime bastante semelhante. “Eu via na televisão e ficava pensando porque o mesmo não acontecia aqui”, diz.
Heloísa ainda não sabia, mas, àquela altura, Alexandre já havia sido indiciado pela Delegacia do Varadouro pelos artigos 240 e 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente.O artigo 240 pune com multa e reclusão de quatro até oito anos quem “produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”. Já o artigo 241 trata da transmissão, venda, troca, publicação, divulgação ou armazenamento dessas imagens e pode dar de três a seis anos de prisão, além de multa.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) aceitou o indiciamento do religioso. No dia oito de maio deste ano, Alexandre L’Omi l’Odó foi denunciado pela 8ª Promotoria de Justiça Criminal de Olinda e o processo foi distribuído para a 1ª Vara Criminal de Olinda. O caso tramita sob sigilo por força do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Heloísa só ficou sabendo do desfecho pela reportagem da Marco Zero, que demorou mais de um mês para receber a resposta da Polícia Civil. Na primeira vez em que foi à delegacia, uma amiga advogada acompanhou a família da vítima, mas essa advogada não mora mais em Pernambuco e, desde então, a vítima está sem apoio jurídico. Heloísa foi mais uma vez à delegacia para levar uma informação sobre outras pessoas que também teriam vazado o vídeo. “Levei o nome de duas pessoas. Mas quando cheguei lá perguntaram se eu tinha o endereço delas, e eu não tinha. Então disseram que não poderiam intimar sem o endereço”, reclama.
Heloísa estranhou o fato de Alexandre não ter sido indiciado também por abuso sexual e percebeu que algumas informações que escutou da filha não terem sido levadas em conta na investigação policial.
Os crimes tiveram efeitos devastadores na família. A vítima passou meses sem conseguir ficar em casa sozinha. “Só ficava chorando dentro do quarto. Dizia até que ia se matar. O que segurou ela foi o atendimento psicológico. O pessoal do colégio também deu muito apoio, disseram que estavam com ela para o que der e vier”, diz. A vida não voltou ao que era antes e o estigma que acompanha as vítimas de crimes do tipo ainda perdura. “De vez em quando tem uma conversinha, umas piadas. Ela foi vítima, ela foi exposta e ninguém tem o direito de fazer isso”, afirma.
Dois dias depois de fazer a denúncia na delegacia, Heloísa recebeu uma ligação de Alexandre. “Eu passei tão mal. Ele ligou pedindo perdão, dizendo que não foi daquele jeito, que queria conversar comigo. Eu disse que queria era vê-lo entrando no presídio algemado”, relembra. Heloísa começou a sentir dores no peito durante a ligação. Dois dias depois deu entrada no hospital por conta de um infarto, aos 53 anos de idade. “Fiz um cateterismo de urgência e passei cinco dias internada. Já trabalhei com crianças vítimas, mas é muito diferente quando é com você. Eu perdi o chão”, lembra. A avó da vítima, que conhecia Alexandre, também foi parar no hospital. “Minha mãe foi internada no mesmo dia que soube do crime. Foi terrível”, diz.
Agora, o que Heloísa e a família querem é que a justiça seja feita. “Ele vive nas redes sociais postando fotos e vídeos de trabalhos, inclusive com crianças e adolescentes. Ele até colocou projetos na prefeitura de Olinda para pegar dinheiro”, diz, revoltada. “Eu quero que ele seja preso, que vá para o presídio. E pague pelo que fez”, afirma.
Além das atividades religiosas e culturais, Alexandre L’Omi L’Odó também tentou carreira política. Em 2018, saiu candidato a deputado estadual pelo PCdoB e, em 2020, a vereador, pela mesma legenda. Teve 182 votos nesta última eleição, o suficiente para ficar como suplente. Após a divulgação da abertura do inquérito contra ele, o PCdoB o afastou de funções e obrigações partidárias “até decisão transitada em julgado pelos órgãos e instâncias do Poder Judiciário”. A reportagem entrou em contato com Alexandre L’Omi L’Odó para solicitar uma nota da defesa dele, mas não obteve resposta.
*O nome foi alterrado para não identificar a vítima
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org