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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Professora aposentada, sindicalista e ex-presidenta do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação de Pernambuco (Sintepe), aos 70 anos, Teresa Leitão (PT), se prepara para assumir o cargo mais importante de sua carreira política. A partir de 1º de fevereiro de 2022 ela será senadora de Pernambuco, eleita para o assento que, hoje, é ocupado por Fernando Bezerra Coelho (MDB).
Após cinco mandatos na Assembleia Legislativa de Pernambuco, onde foi líder da bancada petista, Leitão foi convidada pelo presidente Lula para coordenar a equipe de transição de seu governo na área da Educação, tema cujas discussões em seu partido era realizada no setorial coordenado por ela. Com a primeira missão no âmbito da política nacional concluída, o relatório com dados e diretrizes para as ações de investimento no Ministério da Educação do próximo governo foi entregue a Lula, a senadora eleita reafirmou que a educação seguirá sendo a pauta prioritária do seu mandato. “Não é nem mais pauta, é a causa da minha vida”, disse Teresa Leitão.
Em entrevista à Marco Zero Conteúdo, a primeira mulher eleita senadora em Pernambuco com pouco mais de 2 milhões de votos (46% do total de votos válidos), fala sobre os desafios e expectativas de seu novo mandato, a educação no Brasil, e a relação com o governo estadual sob a gestão de Raquel Lyra (PSDB).
Marco Zero – Depois de cinco mandatos na Alepe e com uma extensa carreira política no estado, a senhora agora vai partir para um cargo majoritário se tornando a primeira mulher eleita senadora em Pernambuco. Como tem encarado esse desafio e quais são as principais dificuldades que espera enfrentar?
Teresa Leitão – Eu acho que a minha maior dificuldade vai ser esse enfrentamento político, e eu preciso estar muito preparada pra isso, porque,apesar da vitória de Lula, o governo Bolsonaro investiu muito na eleição para as casas legislativas, tanto no Senado quanto na Câmara de Deputados. Mas, felizmente, existe uma condição que vai me ajudar bastante que é a bancada do PT, que elegeu quatro senadores nessas eleições e ampliou a bancada, então, nós vamos conseguir trabalhar em unidade e acredito que isso vá ajudar bastante, afinal ser parlamentar da base do governo demanda muito estudo e muita dedicação para defender os programas e projetos desenvolvidos. Eu espero que os bolsonaristas não levem para o Senado um debate antidemocrático como o que eles estão defendendo agora, espero que eles reconheçam a vitória, porque divergências vão existir e não tem como não existir diante do que a gente viu nessa eleição e do perfil político da base de Bolsonaro no Senado, mas para haver o mínimo de governabilidade é preciso que respeitem a democracia e o espaço institucional do Senado.
Professora aposentada, fundadora e ex-presidenta do Sintepe, a senhora sempre manteve a educação como sua principal causa política. Além dessa, quais serão as demais pautas prioritárias na sua atuação no Senado?
A primeira pauta que eu quero dar conta é ajudar a recuperar a boa imagem da política no Brasil. Bolsonaro ocupou o maior cargo da república sem ter nenhuma liturgia do exercício, é uma bizarrice, uma coisa totalmente fora dos padrões, um presidente que não respeitou o Poder Legislativo porque ou barganhava com o centrão ou o barganhava com orçamento secreto por não ter condições de realizar um debate republicano. A relação com o Judiciário então, nem se fala. Vivemos uma verdadeira vulgarização da atividade institucional e acredito que ela precisa ser recuperada. A segunda pauta é a educação. Eu acho que se essa pauta já era pra mim prioritária e agora, depois do GT da transição em que participei como coordenadora executiva, se tornou mais ainda. O diagnóstico que a gente fez é um diagnóstico de terra arrasada e vai exigir muito trabalho do executivo e do legislativo para recuperar. Por isso, essa é e vai continuar sendo a causa da minha vida. Por outro lado, também quero fortalecer a pauta do direito das mulheres. No senado tem uma organização de mulheres, uma bancada feminina, que hoje é coordenada pela senadora Eliziane Gama, e eu acredito que isso também é uma questão importante para se dedicar Além da pauta dos serviços públicos, porque, como eu disse na campanha, serei uma senadora municipalista, vou me dedicar muito às necessidades e as demandas dos municípios de Pernambuco.
Com quem a senhora tem dialogado na articulação de uma frente de apoio ao governo Lula no Senado?
Já começamos a nos articular e dialogar com outros senadores e senadoras. Temos a bancada do PT e podemos ter uma composição ainda maior com alguns outros partidos que apoiaram a candidatura do presidente Lula, entre eles o PSD e o PSB. Já tivemos duas reuniões para discutir os espaços políticos e os líderes, mas só com aqueles partidos que apoiaram Lula.
Nos dois turnos das eleições para o governo de Pernambuco o PT não apoiou a candidata eleita Raquel Lyra (PSDB), mas a senhora sinalizou disposição para dialogar com ela em suas redes sociais. Assim, o que podemos esperar da relação entre o Governo Federal e o Governo Estadual? A senhora já se reuniu com a governadora eleita?
Ainda não nos reunimos. Eu participei de um almoço que Raquel realizou com todos os deputados e deputadas estaduais e eu fui na condição de deputada estadual, cargo que ocupo até o dia 31 de janeiro de 2022. A Assembleia Legislativa de Pernambuco tem três deputados do PT que vão estar acompanhando a atuação da governadora mais de perto e poderão dar o tom da oposição. Da minha parte, eu quero analisar para onde o PSDB vai nacionalmente. Acho que não vai apoiar Lula. Pelo menos a primeira declaração de Bruno Araújo, que é o presidente nacional do partido, foi essa, mas ainda não sabemos o posicionamento do PSDB no cenário nacional e isso é uma coisa que vai ter repercussão em todos os estados que o PSDB governa. Por outro lado, Raquel fez o movimento de se reunir com todos os prefeitos, independente se apoiaram ela ou não, e eu acho que isso é um ponto importante na relação institucional porque o diálogo federativo não existiu no governo Bolsonaro, a União não estabeleceu diálogo com governadores e prefeitos de maneira proativa. Como senadora, tenho um cargo majoritário e não proporcional, mas eu sigo tendo obrigações com o povo de Pernambuco e se houver necessidade de dialogar com a governadora evidentemente que vou fazê-lo sem nenhum problema, inclusive, já me coloquei à disposição.
Existem dois debates ambientais que são bem importantes para o estado de Pernambuco, que é o caso da Ilha de Cocaia em Suape, um paraíso natural e que é fonte de renda para centenas de famílias que vivem da pesca, que está ameaçada pela construção de um terminal de exportação de minérios que ligaria o litoral pernambucano ao estado do Piauí, e o caso da Escola de Sargentos de Armas, a ser instalada ao sul na Área de Proteção Ambiental Aldeia-Beberibe, que é considerada um santuário da Mata Atlântica. Ambos os casos envolvem a esfera federal além da estadual, sendo assim, gostaríamos de saber o posicionamento da senhora sobre esses casos.
O PT está totalmente envolvido no caso da Ilha de Cocaia, e sendo contra isso, porque não só é uma área de preservação como o que vai ser produzido lá faz mal ao meio ambiente a longo prazo também. Já a escola de sargento está em processo, não é? A Assembleia Legislativa fez uma audiência pública e deve fazer outra. Eu acredito que a questão da política ambiental agora vai ter que ter uma atenção muito especial, a transição já indicou isso. Os órgãos e as autarquias de fiscalização ambiental como o Ibama, que existe nos estados e que precisa dialogar com o federal e o estadual não podem ter uma ação isolada do governo do estado e das prefeituras. O que a comissão de transição indicou para o governo Lula é bem preocupante, porque pelo que a gente viu, a tal da boiada passou e fez estrago, e as ações dos estados são peças chave para recuperar o meio ambiente, por isso, é fundamental que haja um diálogo sobre essas questões também.
O Estatuto do Nascituro é um projeto de lei que prevê a instituição de direito à vida desde a concepção, ou seja, proteção integral ao nascituro. Essa é uma pauta extremamente importante para as mulheres porque põe em risco o direito ao aborto, inclusive em caso de estupro. Como representante feminina no Senado, qual a sua opinião sobre o Estatuto do Nascituro?
O diálogo está sendo muito duro na Câmara de Deputados. Muito duro, inclusive, com homens que querem mandar na autonomia das mulheres e querem ter direitos sobre nossos corpos. OEstatuto do Nascituro não é só uma legislação contra o aborto é um estatuto a favor do estuprador, e inclusive é inconstitucional, porque no Brasil nós temos três casos de aborto legal e o que está sendo proposto é acabar com a legalidade da garantia do aborto nesses casos que já estão aprovados em lei. Uma mulher que é estuprada e deseja por conta disso interromper a gravidez, porque a lei lhe garante, tem muita dificuldade em realizar o procedimento, principalmente se ela for pobre. Então, a gente não pode recuar de uma coisa que já é de fato assegurada por lei, há muito que se fazer em relação ao aborto desde que a gente coloque essa questão no âmbito das políticas públicas de saúde da mulher, da saúde sexual reprodutiva da mulher, pois, enquanto a gente tratar isso sobre o aspecto da opinião religiosa e da opinião moral, a gente não avança. Uma mulher que é estuprada, uma jovem, uma criança, ela precisa ter o direito de fazer um aborto seguro e assistido por uma equipe médica de qualidade, e o que acontece hoje em dia é que só mulheres ricas conseguem ter acesso a esse serviço, a questão social também está refletida nisso. Todas essas contradições estão escancaradas no Estatuto do Nascituro, por isso, a gente precisa denunciar e combater, não podemos colocar uma questão de saúde pública em um contexto de escolha do fundamentalismo religioso.
Quais foram os pontos críticos encontrados pela equipe de transição e quais ações foram apontadas como fundamentais para promover melhorias na Educação?
O que vimos é terra arrasada. O MEC teve um primeiro ministro que não se comunicava com ninguém e introduziu a disputa ideológica na educação [Ricardo Vélez Rodríguez]. O segundo a ocupar o cargo introduziu uma disputa ideológica na educação com escolas sem partido, com escola cívico-militar, com ideologia de gênero, falta de liberdade de cátedra, tudo que ele pôde fazer para recuperar o fundamentalismo nas escolas ele fez [Abraham Weintraub]. Depois veio aquele que praticou falsidade ideológica, foi anunciado mas não foi nomeado porque o currículo não era dele [Carlos Alberto Decotelli]. Em seguida veio o pastor das barras de ouro [Milton Ribeiro]. E depois veio o atual [Victor Godoy] que é um técnico e que, na reunião que a gente teve com ele, parece que ele não está no Brasil não, ele acha que está na Finlândia, porque está tudo correndo muito bem na educação, segundo a exposição que ele fez pra equipe de transição. Então, um dos principais problemas encontrados pela equipe de transição do governo Lula é a guerra ideológica, uma guerra cultural, que a gente não vence se a gente não tiver uma concepção de educação libertadora, emancipadora, laica e inclusiva. Por isso, precisamos recuperar o plano nacional de educação com esses princípios e valores. Outro problema é a disputa pelo orçamento, o governo Bolsonaro propôs um orçamento de 11 bilhões de reais. É insuficiente. É preciso, no mínimo, R$ 12 bilhões, mas o ideal mesmo seriam 15 bilhões no próximo ano para começar o plano de recuperação, porque existem muitas dívidas e verbas congeladas. Há atrasos na questão do transporte escolar, no livro didático. Os cortes e bloqueios orçamentários atingiram a educação básica, sobretudo a educação infantil, que aparentemente não existe para esse governo, além disso há os cortes orçamentários para as universidades e os institutos federais de educação.
O governo Bolsonaro também extinguiu algumas estruturas importantes do MEC como a Secadi [Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão], secretaria que tratava da diversidade, da inclusão, da política de gênero nas escolas, da política LGBTQIA, da política antirracista, e da saúde e prevenção nas escolas, tudo isso foi acabado, e deu lugar a uma secretaria para tratar só das relações fundamentalistas na educação, então, essa vai ter que ser extinta para que a Secadi possa voltar.
A orientação de Lula é que a gente não crie novas estruturas nos ministérios, para criar uma tem que extinguir outra. Além disso,nós estamos apontando para a revisão de alguns decretos e leis, entre eles, o decreto das escolas cívico-militares, a revisão do novo ensino médio e da BNCC [Base Nacional Comum Curricular], e também uma resolução do Conselho Nacional de Educação sobre as novas Diretrizes Curriculares para Formação Inicial de Professores. Tudo isso está indicado como o que a gente chamou de ‘pontos de atenção’ no relatório de transição. E a ampliação do orçamento é fundamental para a recuperação da educação no Brasil.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.