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As ruínas da Braskem em Maceió e a luta daqueles que ainda esperam em um bairro deserto

Giovanna Carneiro / 09/08/2023

Crédito: Arnaldo Sete / MZ Conteúdo

Existe um lugar onde nós fincamos as nossas raízes. A vida circula, apresenta novas demandas, novos deslocamentos, diversos movimentos, mas existe um eixo, um ponto de encontro, uma segurança infinda, um espaço onde depositamos nossas melhores lembranças. Esse lugar é o sonho de milhares e milhões de brasileiros, principalmente daqueles que vivem em uma condição social vulnerável, basta perguntar: qual é o seu sonho? E a resposta é mais comum do que se imagina: uma casa própria.

Um imóvel decorado com móveis comprados com sacrifício, cada espaço pensado para ser ocupado por algo ou alguém por quem temos afeição. Amores, amigos, filhos, netos, parentes, parceiros de parentes, tudo preenche o ambiente de uma forma genuína. Quem nunca passou pela ansiedade de fazer uma mudança? A sensação de colocar tudo que é nosso dentro de uma caminhão, a agonia de ver um espaço vazio, um vão.

Ter uma casa própria é ter menos uma agonia na vida. Saber para onde voltar todo dia sem pensar na próxima mudança de endereço, sem a ansiedade de mudar os móveis de lugar e o melhor, ter um lugar pra chamar de seu por tempo indeterminado. E no resguardo do lar é que nascem também os planos a longo prazo, de criar os filhos, ter um emprego mais próximo de casa, formar amizades duradouras com a vizinhança, conhecer o posto de saúde e as escolas que prestarão assistência ao longo da vida.

Muito mais do que paredes e telhados, casas são verdadeiros centros de formação de histórias, sonhos, vida, dentro de outros centros maiores, que são os bairros, e outros centros maiores ainda, que formam as cidades, e assim seguimos em uma ordenação que nos caracteriza enquanto país, nação. E existe uma movimentação, um barulho, uma excitação constante na dinâmica do cotidiano das cidades que nem um vírus mortal como a Covid conseguiu extinguir, foi possível alterar, diminuir o fluxo da circulação, mas paralisar não.

Mas em Maceió, capital do estado nordestino Alagoas, existem bairros onde as dinâmicas do cotidiano foram completamente alteradas, anuladas, silenciadas. É possível encontrar depoimentos em pichações feitas em muros de casas e prédios esvaziados, deteriorados, tomados pela vegetação, que na ausência do homem cresce desenfreada. É no mínimo estranho, diferente, andar por ruas movimentadas e poucos metros depois estar entre vielas vazias e se deparar com construções em estado de decomposição.

Ruínas do bairro Vila Saem, em Maceió. Créditos: Arnaldo Sete / MZ Conteúdo

“A gente foi feliz aqui”. “Cada rua uma dor”. As palavras encontradas nas paredes revelam a história de angústia vivida pelos moradores dos bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto, que precisaram abandonar suas casas condenadas pela Defesa Civil por risco de desabamento graças aos impactos causados pela exploração de sal-gema da mineradora Braskem na cidade.

O sofrimento dos moradores da capital alagoana começou em 2018, quando um terremoto de magnitude 2,4 na escala Richter afetou os bairros condenados. Diante do ocorrido, que causou rachaduras em alguns imóveis, as famílias precisaram deixar suas casas. Com isso, mais de 50 mil pessoas foram removidas dos quatro bairros afetados pelo tremor de terra.

De acordo com a Prefeitura de Maceió, os primeiros movimentos do solo começaram a ser sentidos em 2005, mas as atividades da Braskem, responsável pelos danos, continuaram e só foram definitivamente encerradas em 2019.

Os moradores ainda passaram por dificuldades para conseguir ser indenizados pela mineradora que, de acordo com os depoimentos coletados pela Mídia Caeté, apresentou valores irrisórios, acordos com falta de transparência e demora na realização dos pagamentos. A revolta com a Braskem virou parte da história de Maceió e também está estampada nos muros dos bairros abandonados. “Braskem criminosa”; “Pague o justo, saia daqui”; “Estado e Braskem parceiros da opressão”, são afirmações presentes nas pichações.

Em 2019, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) atribuiu o terremoto às atividades de mineração da Braskem. Entre as conclusões da CPRM está o apontamento que algumas minas desativadas, que deveriam permanecer estáveis, foram se desestabilizando ao longo dos últimos anos. As explorações de sal-gema em Maceió tiveram início em 1976 e abriram crateras ao longo dos anos até provocar o colapso do solo causando terremotos e rachaduras nos imóveis.

Os bairros perderam seus moradores, não por escolha, mas por falta de opção, e não foram abandonados mas sim esvaziados. Agora servem de rota de passagem para os veículos e estacionamento. Rara são as pessoas que circulam a pé pelas ruas e a natureza tomou o espaço antes ocupado pelo humano. Nas construções tomadas por árvores e com vegetação crescendo em meio ao asfalto podemos encontrar pássaros, borboletas, papagaios e urubus que vagueiam e pousam entre as ruínas. E os escombros seguem vigiados por seguranças particulares, contratados pela própria Braskem, que estranham e desconfiam do nosso interesse pelo lugar.

“Não a revitalização, realocação já”

Não são só as pessoas realocadas que convivem com as consequências causadas pela exploração de minério da Braskem. Próximo aos bairros abandonados muitas famílias perderam o acesso a escolas, postos de saúde e transporte públicos que pararam de funcionar devido aos riscos causados pela alteração no solo de Maceió.

“Eu tenho 51 anos e moro aqui há 32 anos. Hoje, para mim, dizer e estar aqui falando dessa situação, me dá até tristeza. Porque eu construí uma história aqui, um sonho e agora estou sendo forçado a ter que sair daqui. Eu nem queria estar mais aqui”.

Valdemir Alves dos Santos é morador da rua Flexal de Baixo, no bairro de Bebedouro, um das áreas danificadas pelas atividades de mineração. Diferente de boa parte do bairro que foi realocada, os moradores das ruas Flexais (dividida em Flexal de Cima e Flexal de Baixo) permanecem vivendo dentro do local desprezado porque, de acordo com eles, a Defesa Civil do município determinou que suas casas não apresentam risco de desabamento.

Agora, junto com a Braskem, a Prefeitura de Maceió pretende revitalizar a área do Flexais, no bairro de Bebedouro, e tem promovido reparos em alguns prédios da região, porém, para os moradores, a revitalização não anula nem compensa os danos causados.

Fachada de casa na Rua Flexal de Cima, no bairro de Bebedouro. Crédito: Arnaldo Sete / MZ Conteúdo

“A gente tinha posto de saúde perto, tinha escola para os nossos filhos e netos, agora é tudo muito longe, estamos isolados, distantes de tudo. Até para pegar um ônibus eu tenho que andar quase uma hora. Fora que com as casas abandonadas aqui também virou um ponto de fuga e esconderijo para os bandidos, nós não temos segurança”, declarou Antônio Domingos dos Santos, também morador de Flexais.

Ao passar pelas ruas de Flexais é possível encontrar pichações defendendo a realocação e contra a revitalização, além de marcas do isolamento social enfrentado pelos moradores como a afirmação “Perigo, bairro fantasma” presente no muro de uma das entradas que dá acesso à rua. As inúmeras placas de “Rota de Fuga” penduradas em postes de diversas esquinas também anunciam o risco a que esses moradores estão expostos. No trajeto até a casa dos moradores dos Flexais passamos por praças, igrejas, escolas e postos de saúde interditados. As poucas famílias que ainda permanecem convivem com o silêncio e com a ausência de assistência social, em um ambiente localizado entre um barranco de terra e a Lagoa Mundaú.

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.