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As táticas de desinformação a favor da empresa que causou o afundamento de cinco bairros de Maceió

Marco Zero Conteúdo / 17/07/2023
Foto aérea do bairro do Mutange, com centenas de pequenas casas sem telhado vistas de cima.

Crédito: Jonathan Lins

por Wanessa Oliveira*, publicada originalmente no site Mídia Caeté

Quando fake news ganhou a alcunha de palavra do século, em 2017, pesquisadores já estavam a postos para sinalizar que o termo não dá conta de abranger a complexidade que é – agora sim – o fenômeno da desinformação. Evidenciada mundialmente em eleições e, mesmo durante a pandemia da Covid-19, a desinformação foi alvo de estudos ainda mais avançados que já rompiam a ideia de um “fenômeno”, apresentando-a também como um conjunto de técnicas maliciosas cujo intuito é propositadamente induzir ao erro e confundir quem recebe o montante de conteúdos.

Estudos em todo o mundo demonstram o quanto a desinformação – em seu caráter de manipulação ativa – tem um intuito evidente de obtenção de vantagens, geralmente econômicas. De acordo com o Índice Global de Desinformação, essas técnicas representaram um mercado lucrativo que já mobilizou cerca de US$ 235 milhões em publicidade online, em 2019.

O modo como a desinformação atravessa a história da mineração ganha mais evidência, entretanto, sob ocorrência de grandes desastres ambientais. Quando o desastre acontece, a desinformação – enquanto um fenômeno que acompanha o pânico do momento – pode receber duas possíveis respostas por parte de quem o causou: a organização para prestar serviço de transparência ou o manuseio do pânico instaurado para promover ainda mais confusões de entendimento. Fica tênue a linha entre a desinformação enquanto fenômeno disperso, e aquela sistematicamente programada.

No caso da Braskem, a desinformação nestas duas formas configura um trunfo à parte para a mineradora, o que vinha garantindo ampla vantagem por meio de um esforço contínuo de isenção de responsabilidade, diante do crime socioambiental que atingiu diretamente mais de 55 mil pessoas, em pelo menos seis bairros em Maceió.

Reunindo uma avalanche de conteúdos parciais em seus canais, greenwashing e poluição de algoritmos, a mineradora é apontada por compor um mosaico heterogêneo de táticas de controle de narrativa, que também se valeram de acordos institucionais com órgãos públicos, afastando sua responsabilização criminalmente. Assim, ora provocam e produzem, ora se beneficiam da confusão de informações impostas às vítimas e à opinião pública, sobre o que de fato acontece em Maceió, desde os primeiros tremores. Ou talvez bem antes.

A Mídia Caeté realizou entrevistas, nos últimos seis meses, com ativistas, pesquisadoras e vítimas da mineração – além de buscar livros e artigos – com o objetivo de debater como vem se caracterizando esse processo de informação. As análises foram sintetizadas em uma série de reportagens. A última publicação será composta, ainda, por uma seleção de produções diversas, de caráter contra-hegemônico, sobre o “Caso Braskem”, cujo pontapé parte do compilado produzido pelo Instituto Ideal.

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Fakes desde o começo: a promessa de riqueza

e vamos finalizar a série falando sobre as resistências, também iniciaremos por uma destas iniciativas produzidas com o intuito de revelar e denunciar o caráter de desinformação produzido pela Braskem desde que se instalou em Maceió. Trata-se do livro Rasgando a Cortina de Silêncios, que reuniu artigos de diversos autores que estudam o caso.

Organizador da obra, o economista Elias Fragoso rememora em seu artigo que a primeira “fake” produzida pela mineradora aconteceu ainda durante as negociações para sua implantação em Maceió, “quando os grupos responsáveis pela exploração do sal-gema venderam às autoridades a lorota de ser o Pontal da Barra a única área adequada para a construção da planta industrial”.

Outra “fake” sinalizada pelo pesquisador é a ideia de que a instalação seria a “redenção econômica de Alagoas”, ideia que mesmo agora respalda a decisão dos órgãos estatais sobre como se relacionar com a empresa desde a descoberta de que a extração de sal-gema nos poços causou a subsidência no solo e a destruição de pelo menos cinco bairros – ”. Lá atrás, ao menos, essa propaganda não se confirmou, segundo o economista, dado o desastre provocado e os níveis de prejuízos que extrapolam os cálculos possíveis e tornam irrisórios os valores multimilionários que a empresa se colocou a pagar, quando comparado à extensão dos danos.

As explorações de sal-gema sob a cidade iniciaram em 1976 e abriram crateras até provocar o colapso do solo, o que veio a ser sentido pela população, a partir do estremecimento do solo e das rachaduras em 2018. Segundo a coordenadora do Movimento Unificado de Vítimas da Braskem (MUVB), Neirevane Nunes, desde este momento a desinformação começa a operar.

“É uma prática da empresa desde o início. É cometida desde que começou a apuração sobre o que teria causado as rachaduras, que iniciaram no Pinheiro e depois chegaram aos outros bairros. A Braskem começou a desinformar quando não quis admitir ser a causadora dos danos”, conta. “Demorou muito para que fosse reconhecida a responsabilidade. Mesmo assim, cinco anos depois, ela não responde criminalmente”, relata Nunes.

Além disso, segundo Neirevane, até hoje o relacionamento com a população que habita nos bairros atingidos segue problemática.

“Primeiro, a Braskem faz a ação, não comunica a ninguém da comunidade sobre o que irá fazer. Uma tática que toma constantemente. Depois, aparece propaganda na televisão com o ‘Braskem Explica’, tentando ludibriar a população. Só quem vive na pele que sabe.”

Na nesma linha, Elias Fragoso conta que, desde os primeiros tremores sentidos em 2018, no Pinheiro, os grandes investimentos para controlar a identificação do afundamento de solo como um “fenômeno geológico” caminhavam de mãos dadas com aquela propaganda anterior de que a Braskem veio para ser, desde sempre, parte da solução:

“Na realidade, ao invés do regalo de riqueza, a exploração do sal-gema de Alagoas escancarou a amarga sensação de se estar vivendo uma alucinação coletiva típica de mineração: a quimera de que Alagoas ‘bombaria’ e ficaria rica com a descoberta do nosso ‘filão de ouro’ – desde sempre a pior fake, por ter levado o alagoano a sonhar e acordar, anos depois, num pesadelo”, escreve o pesquisador, no livro, para na sequência, caracterizar como as passagens das mineradoras nos territórios acontecem de forma frequentemente problemática.

O modus operandi das mineradoras

A afirmação é endossada pela pesquisadora e mestranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, Rikartiany Cardoso, ao contextualizar como a prática de destruir e silenciar faz parte da história da mineração. “É a metodologia sob a qual toda empresa mineradora opera desde a invasão das Américas. Expropria, se apropria e precisa colonizar. E o “colonizar” precisa ser também o saber. É dificultar o que se tem de informações sobre o caso. Quando se tem informações, são, na maioria, deturpadas, parciais e sem atender critérios metodológicos mínimos”, explica.

m dos exemplos mais recentes deste modus operandi esteve nas tratativas da empresa terceirizada Diagonal, contratada pela Braskem para apresentar um diagnóstico e um plano de ação sócio urbanístico, a ser compartilhado por uma série de escutas públicas. Ainda na estreia das reuniões de “escuta” à população, que ocorreram com periodicidade semanal, a empresa foi minuciosamente criticada por pesquisadores e moradores presentes, em razão da ausência de métodos apresentados para o processo de levantamento das informações.

Esse foi só o início. Segundo Cardoso, a resposta da Diagonal, diante das críticas, foi ainda mais surpreendente para os presentes. “Disseram que metodologia é questão de opinião. É um absurdo para quem pesquisa. Quando se fala sobre informação, se trata de acesso de forma democrática, pública e – para mim particularmente – popular e acessível. Então, quando uma empresa está ministrando, aplicando entrevistas a vários grupos focais compostos por pessoas vitimadas, ali também ocorre um processo de revitimização”, detalha Cardoso.

Essa foi a primeira de uma série de situações durante as apresentações que foram, uma a uma, tomadas por frequentes reações de estarrecimento da população que participa dos encontros. Grande parte desse material vem sendo divulgado pelo Movimento Unificado de Vítimas da Braskem (MUVB) em sua página do Instagram.

Presidente do Instituto para o Desenvolvimento de Alagoas (IDEAL), a arquiteta e urbanista Isadora Padilha lembra que, desde o início das reuniões da Diagonal, a falta de transparência era evidente, uma vez que as pessoas sequer tinham acesso aos textos e relatórios de forma antecipada. “As reuniões não serviriam para debate, uma vez que as pessoas receberiam a informação naquela hora. É mais para apresentação desses dados e para que sejam engolidos ‘goela abaixo’”, acrescenta.

“São cortina de fumaça”, define também Cardoso, a respeito das consultas. “Construir poder consultivo sem poder decisório são cortinas de fumaça e a gente tem que ir mais além. Existem protocolos de proteção para pessoas afetadas, como é o caso do protocolo do CEPD da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em que as pessoas não são só consultadas, mas decidem, externam o que querem e o que não é interessante para o modo de vidas delas. Nesse caso em Alagoas, o tom é de ‘está bem´: gente consultou. Agora vamos intimidar, ameaçar, colocar que a possibilidade é aceitar ou esperar indefinidamente pela Justiça’”, distingue.

Segundo a pesquisadora, a chance de conquistar alguns direitos termina por se restringir a organizações ou entidades com maior propensão e facilidade de acesso e busca de informação, como é o caso da Igreja Batista do Pinheiro, que já percorreu em busca de tombamento. “Em um desastre socioambiental, ninguém deveria precisar exigir ou reivindicar. Deveria ser óbvia a efetivação de direitos que já existem”, reitera.

Para o autor, a forma como a apresentação é feita demonstra mais um tipo de processo de desinformação, sendo comum às mineradoras. “Não é só ofertar ciência, tem que ofertar o método e as informações por completo. O que eles ofertam são ciências parciais que atendem demanda a quem paga o salário deles, quando deveria ter sido aberto debate para a ciência das comunidades afetadas, da universidade que também entra em discussão. E isso não só com poder consultivo como também decisório. É o que deveria ter acontecido aqui”, comenta.

Mais tarde, uma reportagem da Agência Tatu – que você pode ler na íntegra clicando aqui – identificou ligações societárias anteriores entre Braskem, Diagonal e TetraTech, empresa contratada para realizar o diagnóstico ambiental.

As flagrantes demonstrações de dados superficiais correspondem, entretanto, às críticas trazidas em todas as etapas de relacionamento da mineradora com a população atingida , incluindo os mecanismos amplamente designados e propagandeados pela empresa como canais de informação – geralmente unilaterais.

Desde o início, a consistência dos dados que chegaram a ser apresentados pela empresa foi questionada. Há uma série de dificuldades na obtenção de informações e, como lembra Elias Fragoso, aqueles divulgados pela petroquímica possuem números inconsistentes com outros apresentados por pesquisas econômicas no Estado, como por exemplo, da Confederação Nacional da Indústria e próprio PIB.

“O que se observa aqui é que Alagoas já deu muito à Braskem em troca de muito pouco. De seu lado, a Braskem já tirou muito do estado, sem dá praticamente nada a Alagoas. Nosso intuito é iluminar, com dados, essa realidade sempre tergiversada pela empresa e, por incrível que pareça, por governantes, políticos e dirigentes de Alagoas”, analisou o autor.

Rikartiany Cardoso alerta o quanto este discurso de salvamento econômico de que a empresa precisa existir para gerar emprego também vem respaldado à conivência com a mineradora durante este processo. “Mas a ponderação sobre esses empregos refletem a necessidade laboral mesmo do período?”, questiona Rikartiany. “Segundo dados da Junta Comercial de Alagoas (Juceal), do próprio Observatório da Mineração, a quantidade de empregos impactados negativamente é maior do que os que ela gerou. A riqueza que ela supostamente gera é revestida de ilusão, porque não é um desenvolvimento social. É desenvolvimento econômico para uma parcela muito específica da sociedade”.

"Alagoas já deu muito à Braskem em troca de muito pouco", afirma pesquisadora. Crédito: Google Earth

Braskem “refuta informação sobre suposta manipulação”

A Mídia Caeté procurou a Braskem, informando as principais elementos enunciados durante a reportagem por pessoas entrevistadas, artigos e pesquisas reunidos para a reportagem. Em resposta, a empresa emitiu a seguinte nota:

“A transparência é um dos princípios da Braskem. Neste sentido, a empresa realiza ações online, offline e presenciais, com o objetivo de comunicar e, principalmente, prestar contas à sociedade sobre todas as medidas de prevenção, reparação, mitigação e compensação adotadas, incluindo as que foram definidas em acordos e termos técnicos de cooperação firmados com as autoridades e instituições competentes.

Entre as ações de comunicação está o ‘Braskem Explica’, uma campanha permanente em emissoras de rádio e TV, jornais impressos, sites e redes sociais, e o site www.braskem.com/alagoas, exclusivo e atualizado. As ações de comunicação também incluem reuniões e lives de esclarecimento realizadas na própria comunidade e canais disponíveis para o diálogo permanente, a exemplo do 0800, por meio do qual moradores, comerciantes e empresários podem obter informações e tirar dúvidas. A ligação é gratuita, inclusive de celular.

Em relação às escutas públicas realizadas no último mês de março, para a elaboração do Plano de Ações Sociourbanísticas (PAS), a empresa Diagonal está analisando as contribuições feitas pela comunidade durante e após os eventos, e realizando estudos complementares considerados relevantes para a consolidação de um documento único. Paralelamente, o PAS encontra-se em fase de consolidação do diagnóstico e discussão com as partes do Acordo Socioambiental, para definição das ações prioritárias, seguindo cronograma proposto. Assim que essas ações forem definidas, a sociedade e a comunidade envolvida serão diligentemente informadas.

A Braskem reitera que todas as informações acerca das medidas adotadas pela empresa são compartilhadas com a sociedade e com as autoridades competentes, e refuta qualquer tipo de afirmação sobre suposta manipulação de dados e sistemas”.

Tática parece transparência, mas é poluição

Existe uma tática que a estadosunidense Think Tank Rand Corporation nomeou como “Mangueira de Fogo” da propaganda russa: se trata de uma ação que se distingue das demais estratégias pelo uso de quatro grandes pilares de disseminação: Alto volume e multicanal; Rápido, contínuo e repetitivo; falta compromisso com a realidade objetiva; falta compromisso com a consistência.

Os autores que cunharam esse conceito logo acrescentaram a explicação de que se tratava de “um grande número de canais e mensagens, e uma disposição desavergonhada de disseminar verdades parciais ou ficções definitivas”. Alguns estudos já interpretam com maior profundidade essas definições.

A presidente do Instituto pelo Desenvolvimento de Alagoas, Ideal, Isadora Padilha, que também escreveu artigo no livro “Rasgando a cortina de Silêncios”, onde fala sobre essa confusão de dados. “Ela opera com explosão de algoritmos também, da seguinte forma. Quando sai uma notícia negativa, a empresa inunda a mídia com notícias corporativas em prol da empresa, poluindo o algoritmo, de maneira que a sua fica soterrada no meio de um monte de notícias positivas. Então, fica difícil. São magistrais nisso no YouTube. Os primeiros 85 vídeos eram corporativos da empresa. Lá, reinam de forma absoluta, com ainda mais vantagem por terem dinheiro para impulsionar, para divulgar”, conta.

Para a hackerativista Evelyn Gomes, há uma inteligência na sutileza da desinformação operada. Diretora da LabHacker, ONG que trabalha com organização de dados para que jornalistas e pesquisadores incidam politicamente, Gomes vem se debruçado sobre a disposição destas informações. “Trazem dados que apontam efetividade, dizendo que já estão terminando os acordos com mais de noventa e tanto por cento das pessoas. O dado é errado? Não. Mas a narrativa toda por trás deste dado está errada, porque este dado não demonstra em que condições os acordos aconteceram”.

Um dos exemplos é o início das “compensações financeiras para realocação”, que é como a empresa chama o processo de pagamento aos moradores atingidos pela mineração. Em seus termos, relata que: “A empresa desenvolveu também um amplo programa de comunicação e de esclarecimento para a comunidade e sociedade em geral, que incluiu a intensificação dos diálogos sociais e a presença de profissionais da Braskem nos bairros atingidos. As conversas com a comunidade vinham ocorrendo desde o começo de 2019, com a participação de profissionais especializados, em reuniões para esclarecer dúvidas e, principalmente, ouvir os moradores dos bairros afetados. Com o surgimento do coronavírus, as conversas continuaram à distância, mantendo assim a segurança dos moradores e das equipes do programa”.

“Braskem explica”?

Para os moradores dos bairros atingidos, essa realização dos acordos tão propagandeados em divulgações como o “Minuto Braskem”, ou “Braskem Explica”, ou em seu portal, canal do YouTube e demais espaços, não escondem o quanto estes comunicados têm linguagens, dados, e termos cuidadosamente selecionados – sobre as ações que relata realizar nos bairros atingidos.

Isadora Padilha analisa: “Na verdade, quem vem vivendo tudo isso, acompanhado ou pesquisado, sabe que não é assim. Várias pessoas foram resistentes e saíram no último prazo possível porque não tinham mais condições de permanecer. Chega um ponto em que a empresa sufoca”.

O problema é que, entre os esforços e dinâmicas de comunicação sobre os afundamentos, a estratégia de assegurar o excesso de informações parciais, ocasionava uma dispersão nos relatos de sofrimento enfrentado pelas vítimas. Evelyn explica:

“Quando você dispara muita informação, se forem rasas, você está mais desinformando do que informando. Como vêm sendo as informações? Dizem que a questão dos animais está sendo resolvida e pronto, mas quando vamos ouvir qualquer pessoa de lá, não é nada disso. Estão lá os gatos morrendo de fome. Isso de jogar muita coisa positiva e muitos encaminhamentos, vindo de um só lado, muita informação sequenciada só de um lado. Ela não é informação. Fazer uma escuta pública em relação aos Flexais, e só pegar um lado, indo apenas atrás de fontes que não queriam. São formas de ter muitas informações, e ao mesmo tempo não ter o suficiente”.

As narrativas, igualmente compostas em site e outros informes, é justificada pela transparência. “No site, eles também mantêm tudo bonitinho no passo a passo. Quando você coloca o nome Braskem no Google, praticamente só sai notícia oficial deles nos primeiros resultados”.

De acordo com Padilha, a dita transparência, entretanto, não alcança a disposição dos estudos, laudos e demais informações mais aprofundadas que a empresa deveria prestar de forma organizada. “O primeiro laudo que apresentaram tinha 20 mil páginas, de modo que é humanamente impossível fazer leitura técnica em um curto espaço de tempo. Ainda hoje, não há um portal da transparência e nem uma página que reúna, de forma sistematizada e organizada, todos os documentos. O que mais funcionava como um portal de transparência era um site com diversos links disponibilizados pela gestão passada da Prefeitura, mas quando mudou para esta gestão, retiraram”.

Já em relação direta com a população, o silenciamento se deu por diversas formas. Por cooptação, cerceamento de trabalhos, medo de criminalização, e imposição de contratos sigilosos. “Há muitas táticas, inclusive esta de levar as pessoas à exaustão, porque se elas param de falar, não há mais informação de que a dor ainda dói”.

Evelyn Gomes conta ter retornado a Maceió em 2019, um ano e meio após o início dos tremores, para tocar o debate sobre resiliência urbana e outra formas de impulsionar a transformação de leis no Estado. A confusão de dados, segundo a ativista, foi uma marca que atravessou todo o processo, desde o início das explicações sobre os tremores. “Nas reuniões, eu era única ativista. Tinha mais agentes de Defesa Civil, técnicos, doutores. Foi uma mesa em que saí de lá sem entender. Entendi que é grave, mas não sabia o quanto. Se podia passar por ali ou não. Nenhum dado efetivo se apresentava, e continuou assim, mesmo um ano e meio depois”, relatou – em entrevista à Mídia Caeté realizada no início do ano.

À época, poucas eram as reportagens mais aprofundadas que tratavam do assunto, embora houvesse uma frequência de notícias em veículos nacionais e mesmo internacionais. A avalanche de notícias que não saíam da superficialidade ou factual gerou um sentimento social que a hackerativista interpreta como dormência.

“Havia uma avalanche que afetava o impacto psíquico. O que senti é que as matérias são praticamente iguais desde 2019. Então, na mente das pessoas, já se recebe aquela informação como se estivesse ‘okay’. Em meio à era da desinformação bolsonarista, quando a gente diz que é o ‘maior crime socioambiental de solo urbano no mundo’, muita gente logo entende como ‘que nada, não morreu ninguém’. Vejo que tem uma dormência mental de entender a gravidade”, explica.

O excesso de informações se alia, ainda, ao reforço em deslegitimar quem confronta estes discursos – seja de moradores afetados, pesquisadores, movimentos urbanos e ambientais, e outras entidades. Evelyn define esse processo como parte do racismo ambiental. “É um processo que acontece em um Estado pequeno, em que muitos políticos não querem que olhem, enquanto voltam o foco sobre o turismo. Daí apontam que são histéricos falando, ou os pretos falando, gerando uma carga mental de diminuição do acontecimento, enquanto enchem de informações de que há medidas sendo feitas e muito mais pessoas aceitando. E só essas minorias que estão ainda brigando”.

Apesar disso, dentro dos bairros, a desconfiança é ainda mais acentuada pelo latente desinteresse da mineradora em explicar o que é realizado. Neirevane Nunes conta como, diferentemente de toda a propaganda organizada nos canais de publicação, dentro das comunidades a relação é de confusão e ausência de informações.

“Isso acontece em diversas situações. Por exemplo, as intervenções que começaram a ser feitas em prédios históricos de Bebedouro. Quando a comunidade viu uma equipe chegando lá, destelhando e mexendo na casa, todo mundo ficou preocupado se iriam derrubar. Só depois foi que chegou a informação de que parte de um acordo com o município de realizar ação de preservação do patrimônio, mas não foi comunicado antes”, disse.

O mesmo ocorre quando há demolições nos Flexais. “Uma moradora relatou e até filmou que eles não fazem um trabalho de ir na comunidade e informar previamente, avisando que tal dia vai existir a demolição, explicando, perguntando se há idosos, crianças, animais, pessoas com problema respiratório que possam ser afetados. Eles chegam com equipe lá e, sem qualquer preparação, começam a demolir. Primeiro, realizam a ação e depois tentam explicar o ocorrido. Deveria falar antes para evitar transtorno o pânico, ou as pessoas verem alguma ação e já julgarem de forma errada”, conta.

A Braskem em seus próprios termos

O espaço livre para negociação se tornou, ainda, permissivo para a própria construção de uma narrativa sobre a realidade em que, ao invés de uma acusação, a Braskem se posiciona a todo tempo enquanto “colaboradora” das vítimas e do estado. Não há qualquer menção ao crime ambiental e as investidas não param nessa supressão. A empresa conseguiu se aportar de uma história própria, de uma nominação própria para as ações, de uma linguagem e de formatos próprios para conduzir todo o processo narrativo de ações em relação aos bairros atingidos.

O site oficial escolhido pela mineradora para disseminar informações trata-se do: https://www.braskem.com/alagoas-explica e apresenta, como abas principais: Entenda o Caso, Programa de Compensação, Futuro dos Bairros, e Comunicação.

A linha do tempo publicada no site, que inicia em 1976 com a demarcação do início da extração de sal-gema, traz alguns saltos como a ausência do estudo do CPRM, por exemplo, que certificou a responsabilização da Braskem no processo, embora expresse os “estudos geológicos independentes”. Na descrição da linha, entre o início dos tremores em 2018 salta para o início dos estudos com sonares em 2019, que por sua vez já seguem com o termo de cooperação descrito pela finalidade de “ doar equipamentos de monitoramento para a Defesa Civil e para realizar obras de infraestrutura no bairro do Pinheiro“.

Em artigo publicado para a revista SELL, os pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Zoroastro Pereira, Maria Francisca Oliveira Santos e Rosiane Maria Barros, trazem algumas definições:

“É na tessitura desse repensar pontos de vistas que os dizeres do discurso da mineradora constrói rupturas do fato/problema real, com o encadeamento de argumentos persuasivos forjados pela enunciação de “ações benéficas” e da apresentação de imagens irreais que (re)produzem diferentes sentidos carregados de efeitos metafóricos, ao mostrar que aquela situação/realidade sinistra/funesta, mesmo que tenha sido causada por ela, tem um desfecho favorável para os atingidos pela movimentação do solo”, descrevem. O artigo pode ser lido, na íntegra, clicando aqui. 

Segundo os autores, é produzido um arranjo linguístico no uso das estratégias retórico-discursivas da Braskem-AL composto por uma série de recursos discursivos, em que citam: a escolha do informe publicitário como gênero discursivo; da composição sequencial do texto; da organização dos tópicos; dos recursos intertextuais; dos processos de referenciais; das retomadas recategorizadoras e das marcas enunciativas”, acrescentam.

As informações dispostas no portal com textos e imagens publicitárias denominam a relação de colaboradora com as soluções da cidade. É como confirmam os pesquisadores na revista SELL. “Como em um urdume, o Informe apresenta argumentos de que a empresa está preocupada com a situação, e apresenta um discurso de que ela não é a causadora do problema, mas está contribuindo com a solução, ajudando “os moradores das áreas de risco” prejudicados pelo “fenômeno”. Conclama o pathos para entender o que a Braskem vem fazendo por Maceió, pelos moradores, pelos empresários, pelos serviços que eram ofertados naqueles bairros e pela cultura, entrelaçando argumentos com fios retóricos persuasivos, como o feitiço do canto da sereia”.

Marketing verde

Já para a opinião pública, o enraizamento da promoção de Marketing Verde, o chamado greenwashing, é praxe da empresa a partir da realização de ações no país, como o Braskem Recicla, circuitos de corrida com temática ecológica, e até patrocínios a iniciativas da imprensa, como prêmios de jornalismo em Alagoas. Já durante período de repercussão local sobre o afundamento do solo nos bairros de Maceió, os patrocínios estavam voltados a eventos nacionais como o Lolapalooza.

“No Sudeste, contam que não ouvem um podcast que não tenha propaganda da Braskem, sempre com imagem positiva e atrelada à questão ecológica, cuidados com o meio ambiente, patrocínio a eventos, principalmente sendo o maior patrocinador da Virada sustentável. Fazendo um paralelo de comunicação, operam com greenwash, que é quando reservam um recurso muito alto para construção de uma imagem de responsabilidade socioambiental, quando na verdade fazem as piores extrações possíveis para o meio ambiente”, relata Evelyn Gomes.

Dessa vez, entretanto, quando a empresa patrocinou o programa Big Brother Brasil (BBB 23) com o anúncio “A Braskem entrou no BBB para incentivar um futuro cada vez mais sustentável”, a resposta veio de imediato. Isadora Padilha conta como, a partir de todo um esforço conjunto de ativistas, foi possível não só confrontar a propaganda da empresa no programa, como ainda projetar a contra-narrativa nacionalmente, expondo com maior alcance o ocorria em Alagoas.

“Conseguimos furar a bolha com a questão do BBB. Tanto que, na primeira semana, foi o segundo assunto mais repercutido nacionalmente no twitter.  Durante uma semana, disputamos narrativa pau a pau. Quando colocamos, todo mundo divulgou, até Chico Sá. Lançamos diversos materiais para a imprensa beber na fonte”, conta.

No portal do Comitê Nacional em defesa dos Territórios frente à Mineração, um artigo de Diego Fraga e Maira Mansur, a crítica ao greenwashing veio acompanhada a um relato detalhado sobre o processo vivenciado em Maceió e desconhecido – ainda hoje – em grande parte do país.

As notícias percorreram, ainda, outros portais e desembocaram em denúncias. Em fevereiro, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) instaurou representação ética em resposta a uma carta aberta produzida pela sociedade civil organizada intitulada: “A Braskem vai afundar o BBB 23 como fez com Maceió?”

*Jornalista, editora do portal Mídia Caeté.

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É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.